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domingo, 27 de dezembro de 2020

O dia em que Betty Friedan encurralou Adolpho Bloch • Por Roberto Muggiati

Tiroteio no "Bloch Corral": no centro da foto, Betty Friedan e Adolpho Bloch. A imagem é uma reprodução precária de uma edição da Manchete (de 1° maio de 1971), mas vê-se, de camisa branca, Renato Sérgio; Heloneida Studart, de óculos;  Tânia Quintilhiano, sentada, de cabelos curtos; e, à esquerda da foto, em primeiro plano e de mão erguida, Vera Gertel. Em torno da entrevistada, reuniam-se, ainda, outros jornalistas das revistas da Bloch. A foto é de Sebastião Barbosa.

A primeira vez em que o salão do décimo andar do prédio do Russell ficou lotado para uma entrevista coletiva foi durante a visita da feminista Betty Friedan à Manchete em 1971. 

Já em 1792 a inglesa Mary Wollstonecraft publicava Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher. Em O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir introduzia em 1949 a discussão do tema entre a intelectualidade. Mas foi Betty Friedan – lidando com fatos concretos ao invés de teses filosóficas – quem jogou no ventilador a ideia do feminismo para a mulher da classe média americana, ao publicar A Mística Feminina em 1963. A luta pela igualdade dos sexos caiu como uma bomba no caldeirão dos movimentos radicais que agitavam os sixties. O movimento assumiu a designação genérica de Women’s Lib(eration), com facções radicais dispostas até a pegar em armas pela causa, como a SCUM, da radical Valerie Solanas, autora de um atentado a tiros contra o célebre artista pop art Andy Warhol, considerado o símbolo do “machão porco-chovinista”. Filha de judeus russo e húngara, Bettye Naomi Goldstein desde cedo militou em movimentos marxistas e judaicos. Em 1966, fundou e foi eleita presidente da NOW (National Organization for Women), que visava a integrar as mulheres “à corrente principal da sociedade americana, com participação total e igual à dos homens.” 

No Brasil, o movimento feminista confundiu-se com a resistência contra a ditadura militar. Após a decretação do AI-5 no final de 1968, muitas mulheres pegaram em armas e enfrentaram ações arrojadas – como o sequestro de embaixadores – durante os Anos de Chumbo. Uma destas – participou do “confisco” do mitológico cofre de Adhemar de Barros – se elegeria Presidente do Brasil quarenta anos depois: Dilma Rousseff.

Foi nesse clima que Betty Friedan encontrou o Rio em 1971. Redatores(as) e repórteres de todas as revistas da Bloch – àquela altura eram mais de uns dez títulos – comprimiram-se no salão do décimo andar do primeiro prédio do Russell, que até 1980 receberia celebridades do mundo inteiro – do Dr, Christiaan Barnard a Mtislav Rostropovich, da Princesa Alexandra de Kent ao cineasta Franco Zeffirelli, do criador da aeróbica Kenneth Cooper ao best seller Sidney Sheldon. 

Claro que Adolpho Bloch não poderia perder aquela oportunidade de brilhar em público. Gostava de comparecer como penetra de luxo aos eventos jornalísticos da sua empresa, mas daquela vez se deu mal. A palavra ainda não existia, mas Adolpho padecia de um incurável “machismo estrutural”. E Betty Friedan conhecia todos os cacoetes da cultura judaica. Rebatendo os chistes antifeministas baratos de Adolpho, ela arrancou dele informações pontuais que o caracterizavam como um típico “filhinho de íidiche mame.” 

Caçula, Adolpho tornou-se aos 50 anos – com a morte súbita dos irmãos Arnaldo e Boris – o filho varão único, reinando sobre as mulheres da família. Revelou ainda, inadvertidamente, que só tinha casado depois dos trinta anos. Betty o tripudiou por ter vivido tempo demais debaixo das saias da mãe.

Além disso, casou com uma Miss – Lucy Mendes, Miss Rio Grande – engraçado, os dois principais artífices da Manchete, a revista das Misses, casaram com uma Miss, Justino Martins com a primeira Miss Brasília, Martha Garcia. 

Adolpho tinha então 62 anos, Betty 50. Castigado pelos negócios e pela idade, ele morreria em 1995, aos 87. Betty morreu em 2006 no dia em que completava 85 anos. 

Voltando à coletiva do décimo andar: sentindo-se em inferiorizado no debate, Adolpho bateu em retirada e, pretextando uma reunião de negócios, deixou Betty Friedan com os jornalistas, livres para fazerem o seu trabalho. A matéria publicada na Manchete, assinada por Heloneida Studart, intitulou-se “Betty Friedan: ‘O segundo sexo quer ser igual ao primeiro.’” Entre outras coisas, foi lembrada a frase do livro que justificava seu título: “Toda mulher é criada como tendo sua própria cruz para carregar caso não consiga ser o clone perfeito do macho super-homem e o clone perfeito da mística feminina.”