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quarta-feira, 3 de março de 2021

Há 25 anos: Assassinaram os Mamonas? • Por Roberto Muggiati

 

Foto; Divulgação/EMI

Por mais de cinco anos a banda de Guarulhos chamada Utopia não passou disso: uma utopia. Sua música, rotulada como “rock cômico”, misturava o imisturável: pagode romântico (!), sertanejo, brega, vira, música mexicana e heavy metal. Bastou mudar o nome para Mamonas Assassinas e lançar o único álbum de estúdio, gravado em Los Angeles, Mamonas Assassinas, em junho de 1995, para estourar nas paradas, vendendo quase dois milhões de cópias.

A origem do nome não é clara, mas Mamonas se referia não à planta, mas aos seios fartos de uma musa desconhecida. Seu cachê subiu em pouco tempo de oito mil para setenta mil reais O sucesso instantâneo levou a banda a trocar o seu veículo-fetiche, a Brasília amarela, por jatos fretados. A partir do momento em que literalmente decolaram, os Mamonas fizeram 190 shows em 180 dias por todo o país (só não estiveram no Acre, Roraima e Tocantins). Segundo o Centro de Investigações e Prevenções de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), a causa final do desastre foi fadiga de voo, após uma longa escala pelas cidades onde a banda se apresentava, imperícia do copiloto – que não tinha horas de voo suficientes para aquele modelo de aeronave e não era contratado pela empresa de táxi aéreo – falha de comunicação entre a torre de controle e os pilotos, cotejamento e fraseologia incorretos das informações prestadas pela torre. O Learjet 25D caiu na Serra da Cantareira, às 23:16 do sábado 2 de março de 1996, matando os sete passageiros e dois tripulantes. Ironicamente, o prefixo do jatinho era PT-LSD. E o boneco verdinho do logo da banda parece uma alusão profética ao coronavírus.




Manchete, março de 1996: a tragédia na capa.
Foto Fernando Figueiredo. Reprodução/Manchete


Foto João Mário Nunes. Reprodução Manchete


Apenas dois meses antes do acidente, os Mamonas haviam posado para a capa e
matéria especial da Manchete assinada por Ana Gaio, André Felipe e Mauro Trindsde. A foto é de João Mário Nunes. Reprodução

Como editor, participei ativamente do fechamento antecipado da Manchete no domingo. Soube do acidente pelo jornaleiro da minha banca na manhã de domingo. As equipes da sucursal de São Paulo partiram cedo para a região de mata cerrada da Cantareira à altitude de 1006 metros. Devido a um excelente relacionamento com a assessora de comunicação da EMI, Marília Van Boekel Cheola, a revista dispunha de fotos fabulosas e exclusivas dos Mamonas. Pressentindo o sucesso da banda, Marília praticamente sequestrara os meninos durante um dia inteiro e os fizera fotografar com os figurinos mais coloridos e extravagantes. Quanto à cobertura no local do acidente, nossos fotógrafos não chegavam a ser alpinistas e tivemos de recorrer também a fotos de agências. Aí ocorreu um terrível equívoco de tecnologia, que quase nos custou a apreensão da revista. No calor do fechamento, madrugada de domingo para segunda, recebemos algumas radiofotos em cores. Na redação, não tínhamos recursos para visualizar a imagem. Quem faria o acoplamento das três radiofotos separadas nas cores básicas era a gráfica em Parada de Lucas, que imprimiu a imagem conforme paginada, sem entrar no mérito do seu conteúdo. Publicamos assim, involuntariamente, uma foto mostrando os corpos dilacerados dos Mamonas, o que causaria não só o protesto dos fãs como a quase-censura das autoridades.

No meio de toda aquela confusão do fechamento, recebemos de São Paulo um envelope enviado pelo fotógrafo Vic Parisi com um pedaço do avião dos Mamonas. Pedi a um fotógrafo, dentre os muitos que cercavam a mesa de edição, que fizesse uma reprodução caprichada do “troféu”. O pedaço de metal amarelo cheirando a querosene do jatinho PT-LSD sumiu naquela noite – e para sempre na noite dos tempos. Nos meses e anos que se seguiram, Vic Parisi – com sua perseverança de pastor evangélico – me atormentou com cobranças para que lhe devolvesse a peça. Acho que deve estar pensando até hoje que lhe surrupiei aquela “relíquia macabra”...