terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Puxar o freio de segurança: face à gravidade da crise atual

 

por Leonardo Boff

Encontramo-nos no coração de uma espantos e generalizada crise na

forma como habitamos e nos relacionamos para com o nosso planeta,

devastado e atravessado por guerras de grande destruição e movido

por ódios raciais e ideológicos. Acresce ainda que a idade da razão

científica, criou a irracionalidade do princípio de autodestruição:

podemos pôr fim, com as armas já construídas, a nossa vida e grande

parte senão toda a biosfera.

Não são poucos os analistas da situação mundial que nos alertam

sobre o eventual uso de tais armas de destruição em massa. A razão

de fundo seria a disputa sobre quem manda na humanidade e quem

tem a última palavra. Tem a ver com o enfrentamente entre a uni-

polaridade sustentada pelos Estados Unidos e a pluripolaridade

cobrada pela China, pela Rússia, eventualmente, pelo conjunto dos

países que formam os BRICS. Se houver uma guerra nuclear, nesse

caso, realizar-se-ia a fórmula: 1+1=0: uma potência nuclear destruiria

a outra e juntos levariam humanidade e parte substancial da vida.

Dadas estas circunstâncias, vemo-nos na necessidade de puxarmos o

freio de segurança do comboio da vida, pois, desenfreado, pode se

precipitar num abismo. Tememos que este freio já esteja oxidado e

feito inutilizável. Podemos sair desta ameaça? Temos que tentar,

segundo a dito de Dom Quixote:”antes de aceitar a derrota, temos que

dar todas as batalhas”. E vamos dar.

Sirvo-me de duas categorias para aclarar melhor nossa situação. Uma

do teólogo e filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1885), a

angústia, e outra do também teólogo e filósofo alemão, discípulo

notável de Martin Heidegger, Hans Jonas (1903-1993), o medo.

A angústia (O conceito de angústia,Vozes 2013) para Kierkegaard

não é apenas um fenômeno psicológico, mas um dado objetivo da

existência humana. Para ele como pastor e teólogo,além de exímio

filósofo, seria a angústia face à perdição eterna ou à salvação. Mas é

aplicável à vida humana. Esta apresenta-se frágil e sujeita a morrer a

qualquer instante. A angústia não deixa a pessoa inerte, mas move-a

continuamente para criar condições de salvaguardar a vida.


Hoje temos que alimentar esse tipo de angústia existencial face às

ameaças objetivas que pesam sobre nosso destino que podem ser

fatais. Ela é algo saudável, pertencendo à vida e não algo doentio a ser

tratado psiquicamente.

Hans Jonas em seu livro O princípio responsabilidade

(Contraponto,Rio 2006) analisa o medo de sermos colocados à beira

do abismo e nele cair fatalmente.Estamos numa situação de não

retorno. Não se trata mais de uma ética do progresso ou do

aperfeiçoamento. Mas da prevenção da vida contra as ameaças que

nos podem trazer a morte. O medo aqui é saudável e salvador, pois,

nos obriga a uma ética da responsabilidade coletiva no sentido de

todos darem sua colaboração para preservação da vida humana na

Terra.

A situação atual a nível planetário fugiu ao controle humano.Criamos

a Inteligência Artificial Autônoma que já independe de nossas

decisões. Quem, com seus bilhões e bilhões de algoritmos, impede

que ela possa optar pela destruição da humanidade? Temos como

controlar os tufões e terremotos, sem dizer os eventos extremos,

consequência da mudança climática? Não osbtante nosso saber

científico sentimo-nos impotentes face à força da natureza.

Primeiramente, temos uma tarefa a cumprir: cabe responsabilizarmo-

nos pelo mal que estamos visivelmente causando ao sistema-vida e ao

sistema-Terra,sem capacidade de impedi-lo ou freá-lo, apenas

minorando-lhe os efeitos danosos. O sistema de produção mundial

energívoro está de tal modo azeitado que não tem condição nem quer

parar. Não renuncia aos seus mantras de base: aumento ilimitado do

lucro individual, a competição feroz e a superexploração dos recursos

da natureza.

Além disso, importa responsabilizarmo-nos também pelo mal que não

soubemos no passado evitar física e espiritualmente e cujas

consequências tornaram-se inevitáveis, como aquelas que estamos

sofrendo como o aquecimento crescennte do planeta e a erosão da

biodiversidade.

O medo do qual somos tomados se relaciona ao futuro da vida e à

garantia de ainda podermos continuar vivos sobre este planeta. Em


função desse desiderato Jonas formulou um imperativo ético

categórico:

Aja de modo a que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a

permanência de uma vida humana autêntica sobre a Terra; ou,

expresso negativamente: aja de modo que os efeitos da tua ação não

sejam destrutivos para a possibilidade futura de uma tal vida; ou,

simplesmente, não coloque em perigo a continuidade indefinida da

humanidade na Terra” (Op.cit. 2006, p. 47-48). Nós acrescentaríamos

“não coloque em perigo a continuidade indefinida de todo tipo de

vida, da biodiversidade, da natureza e da Mãe Terra”.

Essas reflexões nos ajudam a alimentar alguma esperança na

capacidade de mudança dos seres humanos, pois, possuímos livre

arbítrio e flexibilidade.

Mas como o risco é global, impõe-se uma instância global e plural

(representantes dos povos, das religiões, das universidades, dos povos

originários, da sabedoria popular ) para encontrar uma solução global.

Para isso temos que renunciar aos nacionalismos e aos limites

obsoletos entre as nações.

Como se pode observar, as várias guerras hoje em curso são por

limites entre as nações, a afirmação dos nacionalismos e a crescente

onda de conservadorismo e de políticas de extrema direita afastam

para longe esta ideia de um centro coletivo para o bem de toda a

humanidade.

Devemos reconhecer: estes conflitos por limites entre as nações, estão

descolados da nova fase da Terra, tornada Casa Comum e

representam movimentos regressivos e contrários ao curso irresistível

da história que unifica cada vez o destino humano com o destino do

planeta vivo.

Temos uma Terra só e uma Humanidade só a serem salvas. E com

urgência pois o tempo do relógio corre contra nós. Cumpre mudar

mentes e nossas práticas.


https://leonardoboff.org/2024/01/25/puxar-o-freio-de-seguranca-face-a-gravidade-da-crise-atual/

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