Reprodução. Arquivo pessoal |
por José Esmeraldo Gonçalves
A cadeira de diretor da Fatos & Fotos era elétrica.
Descargas recorrentes costumavam fritar jornalistas que, por alguma culpa ancestral, eram condenados ao posto. Em abril de 1975, por conta de um contrato com a People americana - sucesso editorial no segmento de celebridades - , a revista transformou-se em Fatos & Fotos Gente. Logo nos primeiros meses, dois diretores foram vítimas da alta voltagem, e da volatilidade, do cargo de diretor.
Em meados de 1975, a redação da Manchete, embora mais estável, também passava por mudanças. Justino Martins havia viajado para Cannes, como fazia anualmente desde o fim dos anos 1950 (de tanto participar do famoso festival de cinema, até ganhou o apelido de "Cidadão Cannes"). Mas naquele ano, o gaúcho resolveu esticar a temporada na França por mais um mês. Adolpho Bloch não gostou nem um pouco das tais férias suplementares. Ao voltar, Justino recebeu outras tarefas - entre as quais a criação e edição de um caderno de moda - e Roberto Muggiati assumiu a direção da Manchete.
No vácuo de uma das defenestrações de diretores da Fatos & Fotos Gente, Justino esteve cumprindo pena na direção da semanal da segunda divisão da Bloch. Com olfato, tato e instinto de revisteiro, ele revitalizou a revista e motivou os repórteres. Ficou menos de três anos no sétimo andar, antes de voltar para a Manchete, no oitavo, mas deixou sua marca na revista e na jovem equipe que valorizou e ajudar a formar.
Carro-chefe da editora, Manchete, a principal semanal da casa, precisava se reinventar. Era o que os executivos das grandes agências de publicidade diziam a Pedro Jack Kapeller, o Jaquito. A economia ia mal, a Bloch não tinha ainda televisão e, internamente, existia uma máxima sempre repetida em momento de crise: "se a Manchete vai bem, a editora vai bem".
Com esse apelo, a direção da casa promoveu uma grande reunião no restaurante do terceiro andar do Russell. Em pleno sábado, diretores, editores, redatores e fotógrafos de todas as demais revistas, os staffs da publicidade e da gráfica em Parada de Lucas, se reuniram para discutir os rumos da Manchete. Não sei se a grande pajelança de teve efeitos práticos. Logo a prioridade do Grupo Bloch passou a ser montar e operar a Rede Manchete, inaugurada em junho de 1983. No mesmo ano, em agosto, morreu Justino Martins. De alguma forma a revista sobreviveu até o ano 2000 e até viveu um período talvez menos crítico entre o fim dos anos 1980 e os primeiros anos da década de 1990, antes da grave crise que levou à falência da Bloch.
Daquele sábado da reinvenção nada restou, a não ser as laudas amarrotadas reproduzidas acima.
Justino, que dirigia a Manchete e participou daquela reunião, talvez tenha sido o único que fez o dever de casa. Dias antes, ele datilografou pacientemente o seu diagnóstico editorial da principal revista da casa. Em quatro laudas da Fatos & Fotos e, sabe-se lá porque, uma com o logo da Manchete, o editor responsável pela verdadeira reinvenção da revista, em 1959, ofereceu suas ideias para o futuro que não veio.
Se foram aproveitadas ?
Não há registro.
As laudas abandonadas ressurgiram anos depois, já em meu tempo de "cadeira elétrica", quando as recolhi da empoeirada mesa "L" da Fatos & Fotos em um dia de mudança de sala.
No título escrito a mão, a mensagem que Justino tentou passar.
"Rigor Editorial".