por JJcomunic
Desde o século XIX, a Biografia teve papel
importante na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e
ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais.
Mais recentemente, na segunda metade do século
XX, a Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes
nomes, transformou o pno Brasil tal forma de manifestação encontra-se em risco
em virtude da proliferação da censura privada que é a proibição das biografias
não autorizadas. A Biografia moderna não é
só a história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida
daquela pessoa.
No Brasil, tal forma de manifestação
encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a
proibição das biografias não autorizadas.
A ninguém é dado impedir a livre expressão
intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição
democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso,
não faz sentido exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública cuja
trajetória um autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se
a autorização de seus familiares, quando já falecido o biografado), como
condição para a publicação de Biografias.
É apropriado que a lei proteja o direito à
privacidade. Mas este direito deve ser complementado pela proteção do acesso às
informações de relevância para a coletividade, na forma de tratamento distinto
nos casos de figuras de dimensão pública, os chamados protagonistas da
História: chefes de Estado e lideranças políticas, grandes nomes das artes, da
ciência e dos esportes.
O Brasil é a única grande democracia na qual a
publicação de Biografias de personalidades públicas depende de prévia
autorização do biografado. Um país que só permite a circulação de biografias
autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida
política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da História,
típico de regimes totalitários.
Este erro produz efeito devastador sobre a
atividade editorial. A necessidade do consentimento prévio das pessoas
retratadas nas obras cria um balcão de negócios de valores vultosos, em que
informações sobre a nossa História são vendidas como mercadorias.
Há um efeito ainda mais grave no que tange à
construção da memória coletiva do país. O conhecimento da História é um direito
da cidadania, independentemente de censura ou licença, do Estado ou dos
personagens envolvidos. O ordenamento jurídico deve assegurar pluralidade, cabendo
à sociedade e ao cidadão formarem livremente sua convicção.
É pertinente lembrar que a dispensa do
consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as
consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito e de uso de informação
falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as
punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade.
Hoje, quando a sociedade clama pela ética e
pela plena liberdade de expressão, está mais do que na hora de eliminar este
entulho autoritário e permitir novamente que os brasileiros possam ter acesso à
sua própria História.
Assim, os intelectuais brasileiros apoiam as
iniciativas legislativas e judiciais voltadas à correção dessa anomalia do
ordenamento jurídico brasileiro, de maneira a permitir a publicação e a
veiculação de obras biográficas sobre os protagonistas da nossa História,
independentemente da autorização dos personagens nelas retratados.
Assinam:
Afonso Arinos de Mello Franco, Alberto Costa e Silva, Alberto Venâncio Filho, Alexei Bueno, Ana Maria Machado, André Amado, Antônio Carlos Secchin, Antonio Torres, Arnaldo Niskier, Boris Fausto, Candido Mendes de Almeida, Carlos Heitor Cony, Carlos Nejar, Celso Lafer, Cícero Sandroni, Cleonice Berardinelli, Cristovão Tezza, Domício Proença Filho, Eduardo Portella, Evanildo Bechara, Fernando Morais, Ferreira Gullar, Geraldo Holanda Cavalcanti, Ivan Junqueira, João Máximo, João Ubaldo Ribeiro, Jorge Caldeira, José Murilo de Carvalho, Lira Neto, Luis Fernando, Veríssimo, Manolo Florentino, Marco Lucchesi, Marcos Vilaça, Mário Magalhães, Mary del Priore, Merval Pereira, Milton Hatoum, Murilo Melo Filho, Nélida Piñon, Nelson Pereira dos Santos, Roberto da Matta, Roberto Pompeu Toledo, Rosiska Darcy de Oliveira, Ruy Castro, Sergio Rouanet, Silviano Santiago, Ziraldo, Zuenir Ventura