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sábado, 18 de março de 2017

UPA: tratamento VIP e cinco estrelas. Quebrei a cara em Botafogo e recorri ao SUS. E não é que cuidaram bem de mim?


por Roberto Muggiati

Tropecei no meio-fio e mergulhei de cabeça no asfalto da rua. Imediatamente um rapaz e uma moça me ajudaram a levantar, queriam que eu encostasse na calçada. Agradeci e expliquei que morava perto e estava bem. Não estava tão bem assim.

O detalhe hediondo: eu tinha comprado um potinho de curau temperado com canela e o carregava como um bem precioso, mas de repente curau, sangue e canela se misturaram, ainda hesitei antes de jogar o pote fora. Em casa, avaliei o prejuízo: joelhos e palmas da mão ralados, o joelho esquerdo inchado e doendo e uma devastação geral no rosto na lateral do olho direito. A maçã do rosto escorchada, com perda de uma parte da pele. Um talho obsceno na pálpebra superior direita que obviamente requeria sutura. “Que saco,” pensei, “deixa pra lá.” Eram sete horas da tarde e eu nem havia almoçado, trabalhava para pagar as contas, tendo completado 63 anos de jornalismo nos idos de março, dia 15. Mas ainda persistem fiapos de bom senso nesta velha carcaça. Separei o livro que estou lendo, Os belos e malditos, de Fitzgerald, e – desobedecendo meu programa Transporte Zero – peguei um táxi até a UPA de Botafogo, esperando o pior dos horrores.

Entrei e me surpreendi: o ambiente parecia acolhedor, ar condicionado, tudo certinho. Muita gente esperando, aquilo me afligiu. Mas a mocinha da recepção logo sentiu que meu caso requeria “pronto atendimento”, como a sigla UPA promete. Achou que precisaria de sutura, tirou minha pressão (13/10) e me encaminhou adiante, dez minutos depois me convocam para a triagem na Classificação de Risco. Uma jovem robusta que, depois fiquei sabendo, sofreu um tombo parecido, senão pior que o meu, me levou para uma sala onde uma enfermeira simpática, a Jaci, fez os primeiros curativos. Ela comentou comigo que era imensa a quantidade de pessoas que davam entrada na UPA em consequência de ferimentos provocados por quedas devidas ao péssimo estados dos pisos e calçadas.

Veio então o cirurgião, Diego Nascimento, aplicou a anestesia e suturou quatro pontos. Um pessoal solidário, humano, rindo da própria desgraça – os salários atrasados – adorei a UPA de Botafogo. Mil vezes melhor e menos engessada do que o meu antigo Plano de Saúde Adventista Silvestre (religião embutida nunca dá certo). Na única emergência em que recorri ao Silvestre – e tive que subir até quase ao sovaco do Cristo Redentor – fui pessimamente tratado. Esperei das três da manhã até as onze, para ser medicado de uma luxação num dedo.

Lembro ainda de outro episódio, quinze anos atrás, com fortes lesões nas costelas, sem saber se tinham quebrado – meu filho me desovou na emergência do Miguel Couto, onde fui também muito bem tratado. E atendido em menos de hora e meia, com chapa de raios-X , laudo e medicação.
Voltando às reflexões costuradas com a enfermeira Jaci, enquanto o doutor suturava minhas pálpebras, concordamos que o acidente com a colega dela e meu tombo terrível tinham tudo a ver com o mau estado do piso das calçadas da cidade.

"Eu me feri por causa de um
buraco na calçada do
Palácio da Cidade, a mansão de festas
do prefeito carioca,
na Rua São Clemente". 
Depois, ainda, me dei conta do simbolismo do acontecido: eu me feri por causa de um buraco na calçada do Palácio da Cidade, a mansão de festas do prefeito carioca, na Rua São Clemente. Nada acontece por acaso, a vida é rica em associações, e o desastre me aconteceu justamente no dia do terceiro aniversário da operação Lava-Jato. Concluindo, lembrei-me de uma declaração contundente lida dias antes, feita pelo procurador Deltan Dallagnol e publicada pelo blog da Política Brasileira.

A corrupção mata

“A corrupção mata. A corrupção é uma assassina sorrateira, invisível e de massa. É um serial killer que se disfarça de buraco de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza” (Deltan Dallagnol, procurador da República)

A frase acima, proferida no discurso do procurador, em discurso à Câmara dos Deputados, revela bem o caráter da corrupção no Brasil. Sem dúvidas, ela é o nosso maior problema. Por conta da corrupção, direta ou indiretamente, a economia do país encolhe, pais de família perdem seus empregos, a criminalidade aumenta, e os cidadãos pagam a conta.

Se o senso comum for observado, veremos que a sensação de impunidade, e de que “tudo ficará como está” impregna as mentes dos brasileiros e, mesmo que surjam iniciativas populares com o objetivo de promover alguma mudança no cenário, muito pouco acontece, e a esperança acaba por se esvair.

Dallagnol (na foto) falou para poucos presentes, a maioria, membros da sociedade civil, e esta é a maior prova de que nossos representantes estão pouco comprometidos com atitudes que possam mudar os rumos da política no Brasil.

Mas, independentemente dos políticos, a sociedade precisa se comprometer mais. O brasileiro precisa encontrar e recuperar o gosto pela política, precisa debater, viver, participar. As estruturas partidárias precisam se revigorar e atrair novos membros, uma nova geração realmente comprometida com a mudança. Os políticos precisam se comprometer com a reforma política.

O país precisa encarar a política da mesma maneira que os gregos a encaravam na idade de ouro da civilização ocidental, com entrega e seriedade. A esperança reside nos espaços online, e na força de mobilização que o debate nas redes sociais incita. E reside no papel que o brasileiro desempenhará nas urnas, daqui em diante.

Do contrário, a corrupção continuará vitimando: pessoas, sistemas e estruturas.