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sábado, 8 de julho de 2023

O Trio do Rock, 53 anos depois • Por Roberto Muggiati

 

O Trio do Rock em 2023. No dia em que deram depoimentos para o
documentário Janis - Amores de Carnaval, Roberto Muggiati e João Luiz Albuquerque reencenaram foto "clássica" com Ricky Ferreira 

no lugar de Renato Sérgio (foto original, acima, o trio no Free Jazz de 1986)

Foi através de João Luiz Albuquerque conheci Ricky Ferreira, quando ele publicou na Manchete as fotos que fez de Janis Joplin no Rio logo depois do Carnaval de 1970. 

Janis Joplin, Praia da Macumba, 1970. Foto de Ricky Ferreira

Janis na Presidente Vargas, desfile das escolas de samba, 1970

Janis na coletiva pós-Carnaval na pérgola do Copacabana Palace:
de pé à sua esquerda, Ricky Ferreira; sentado, o americano David Niehaus,
que se tornaria seu namorado no Brasil

A revista deu as fotos como um insight exclusivo na ocasião da morte da cantora, em 4 de outubro de 1970. Ciceroneando Janis pelo Rio, Rick fotografou a roqueira transgressora topless na Praia da Macumba, encorajada por alguns goles de um veneno chamado Fogo Paulista. Vivíamos os Anos de Chumbo, período de total proibição da liberdade de expressão, que levou os opositores da ditadura à clandestinidade, iniciada com os espetaculares sequestros de embaixadores no Rio de Janeiro: o americano em setembro de 1969; o alemão, em junho de 1970; e o suíço, em dezembro de 1971. (Houve ainda o sequestro do cônsul japonês em São Paulo, em março de 1970.)

A maioria dos intelectuais não pegou em armas, mas agiu nas redações e universidades municiada das palavras, no movimento da contracultura, que tinha no rock uma das suas principais armas. Eu havia lançado meu primeiro livro em dezembro de 1968, uma semana antes do AI5, Mao e a China, o último livro que o capitão Lamarca leu antes de ser fuzilado no sertão baiano em setembro de 1971, morrendo com ele o breve espasmo de resistência armada contra o regime militar. 

Sem poder abordar temas políticos, comecei a escrever sobre o rock. Publiquei na Manchete o obituário de Jimi Hendrix. Carlos Heitor Cony não me conhecia, mas gostou tanto do texto que me levou para a chefia de redação da EleEla, da qual era o editor. Sobrava tempo na redação da mensal “masculina” – sem mulheres nuas, mas de biquínis largos, como exigia a censura militar. Cony aproveitou para escrever aquele que considerava seu melhor romance, Pilatos. 


Publiquei lá uma matéria sobre “sexo, drogas e roquenrol”. Ampliei o texto num tom mais ensaístico na revista Planeta, saiu em 1973 com a chamada de capa ROCK: O GRITO E O MITO. Daí para o livro foi um passo: meu colega de redação Mário Pontes dividia com Rose Marie Muraro a programação editorial da Vozes, que lançou, ainda naquele ano, Rock: o grito e o mito/A música pop como forma de comunicação e contracultura. Teria quatro edições, a 3ª e a 4ª atualizadas em 1981, após a morte de John Lennon. 

Depois da publicação das fotos da Janis na Manchete, João Luiz e Ricky passaram a frequentar meu apartamento, onde projetávamos slides recém-chegados dos festivais de rock pelo mundo e ouvíamos os últimos LPs (um must era o letárgico In a Gadda da Vida do Iron Butterfly, 17 minutos, ocupando todo um lado do vinil, 

https://www.youtube.com/results?search_query=IRON+BUTTERFLY+-+IN+A+GADDA+DA+VIDA+-+1968+(ORIGINAL+FULL+VERSION)+CD+SOUND+%26+3D+VIDEO+-+YouTubeçam AQUI

Entrei o ano de 1972 em Nova York, numa visita a Ricky e Tânia, que moravam no Village, na Christopher Street, onde ficava o pub Stonewall Inn, local da primeira confrontação entre gays e policiais, em 1969, que se tornou um ícone da cultura LGBTQ+. O tempo e nossos novos casamentos nos separaram. A Manchete acabou, meus encontros com João Luiz rarearam e também com Ricky, que partiu para Araras e se enfurnou na Serra até hoje. 

Foi Janis Joplin quem nos reuniu 53 aos depois da formação do trio. (Janis que teria hoje 80 anos, já imaginaram?) A produção do longa documental Janis: Amores de Carnaval, dirigido por Ana Isabel, programou com esses “três cavaleiros do Após-calipso” – ou quixotescos “da triste figura” – uma jornada de entrevistas na tarde morta da sexta-feira, 30 de junho, último dia da metade do ano, no Salão Assírio do Theatro Municipal, não podia haver décor mais surreal. Piadistas visuais, João Luiz e eu reencenamos uma foto feita durante o Free Jazz de 1986, com Ricky ocupando o lugar do saudoso Renato Sérgio. E vamos em frente, remando contra corrente...