Foto Twitter City Lights Books |
Se Jack Keroauc, Allen Ginsberg e William Burroughs são os Três Mosqueteiros da geração beat, Lawrence Ferlinghetti é o seu D’Artagnan. Nascido há 101 anos em Yonkers, Nova York, filho de imigrantes ítalo-portugueses, Ferlinghetti mudou-se em 1955 para São Francisco, onde morreu ontem, atraído pela atmosfera vibrante da cidade, que foi a capital cultural dos beats. Lá ele fundou com Peter D. Martin em 1953 a primeira livraria só de paperbacks, iniciando um movimento de democratização da cultura.
Ferlinghetti concebia a livraria como um “ponto de encontro literário”, onde escritores e leitores se congregassem para trocar ideias sobre poesia, ficção, política e arte. Dois anos depois, ele iniciou a editora City Lights Publishers, com o objetivo de provocar uma “fermentação dissidente internacional”.
Seu lançamento inaugural foi o primeiro volume da série City Lights Pocket Poets, que abriu novos caminhos para a poesia norte-american. Em 1956, publicou o revolucionário Howl, de Allen Ginsberg, que foi confiscado pelas autoridades americanas, dando início a uma histórica campanha de resistência que acabaria derrubando a censura. Autor de um dos livros de poesia mais vendidos de todos os tempos, A Coney Island of the Mind/Um parque de diversões da cabeça, Ferlinghetti – como outros poetas beats – criou uma forma híbrida e inovadora de arte, em que os poemas eram recitados ao acompanhamento de música de jazz, e muitas vezes improvisados, como ela.
Foto Reprodução Wikipedia |
PS • Quando eu morava em Paris no início dos anos 60, tive a felicidade de comprar quase tudo da City Lights numa pequena livraria da rive gauche, defronte à Notre Dame, Le Mistral, que correspondia à imagem de livraria concebida por Ferlinghetti. No andar de cima, George Whitman – que a fundara em 1951 – hospedava de graça viajantes, a maioria mochileiros, com uma condição: todo hóspede pagaria a estadia com a leitura de um livro. George gabava-se de que, ao longo dos anos, 40 mil pessoas teriam dormido nos treze leitos de Le Mistral, que ele chamava de "uma aventura socialista disfarçada de livraria”. Em 1964, George mudou o nome de Le Mistral para Shakespeare and Company, em homenagem à livraria da americana Sylvia Beach, que publicou o romance Ulysses de James Joyce. Na verdade, Sylvia Beach, que fechou sua livraria quando os nazistas invadiram Paris em 1940, havia doado o nome a George Whitman. Ele morreu em 2011, aos 98 anos, mas sua filha, Sylvia Beach Whitman, segue a tradição, tocando uma das livrarias mais queridas de Paris. Onde o leitor pode ter a certeza de encontrar o catálogo completo da City Lights Books. Em tempo: Ferlinghetti conheceu a incipiente livraria de George Whitman em Paris no início dos anos 50 e foi ela que o inspirou a abrir a City Lights Books em São Francisco.
O POETA
Lawrence Ferlinghetti
Correndo risco constante
de absurdo e morte
toda vez que atua em cima
das cabeças da audiência
o poeta sobe pela rima
como um acrobata
para a corda elevada que ele inventa
e equilibrado nos olhares acesos
sobre um mar de rostos
abre em seus passos uma via
para o outro lado do dia
fazendo além de entrechats
truques variados com os pés
e gestos teatrais da pesada
tudo sem jamais tomar uma
coisa qualquer
pelo que ela possa não ser
Pois ele é o superrealista
que tem de forçosamente notar
a verdade tensa
antes de ensaiar um passo ou postura
no seu avanço pressuposto
para o poleiro ainda mais alto
onde com gravidade a Beleza
espera para dar
seu salto mortal
E ele um pequeno
homem chapliniano
que poderá ou não pegar
aquela forma eterna e bela
projetada no ar
vazio da existência
(Tradução: Leonardo Fróes)