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segunda-feira, 9 de maio de 2016

A conquista do Vasco e o espetáculo das torcidas nas finais dos Estaduais

Foto Ursula Nery/FERJ

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Foto Ursula Nery/FERJ

Bicampeão carioca, invicto e incontestável, o Vasco escreve na faixa desse título uma história de superação. Foi bonita a festa, pá. O Maracanã viveu um dia inesquecível. Méritos para o técnico Jorginho, reconhecimento ao empenho e garra dos jogadores, dos veteranos, como Nenê e Rodrigo, ao goleiro Martin Silva e Luan, Rafael Vaz (o autor do gol do Vasco no empate de 1x1 que garantiu o título), Andrezinho, Riascos... que mal terão tempo para comemorar, com a Copa do Brasil em andamento e o início da campanha do Brasileirão Série B.

Mas a festa do futebol não foi apenas carioca. Ontem, 18 decisões atraíram, somadas, mais de um milhão de torcedores aos estádios brasileiros. Curiosamente, parte dos colunistas e comentaristas esportivos faz intensa e antiga campanha contra os Estaduais. Visivelmente na contramão da paixão da torcida. Certo que tal investida é mais forte do Rio e em São Paulo. Nas demais capitais, não há um desprezo tão acentuado pelos tradicionais campeonatos regionais.

No sábado, o jornalista Marcelo Barreto, no seu artigo no Globo, levantou uma questão interessante ao comparar realidades brasileira e europeia. Escreveu ele: "o melhor futebol que se pratica hoje, o que serve de referência para todo o mundo, é também o melhor que o dinheiro pode comprar". 
Verdade. Entre a grama e as chuteiras correm muitos milhões de euros. Barreto concluiu, referindo-se à final Vasco X Botafogo e, por analogia, às demais decisões estaduais: "quem olhar para a decisão de hoje em busca de boas propostas pode se divertir. Quem quiser imagens aéreas iluminadas pelo sol do verão europeu vai se decepcionar".  

O fato de a Europa ainda não estar no verão não reduz o impacto da frase: o sol da primavera é ainda mais luxuoso. A lição que daí se extrai é que o Brasil deve atualizar seu futebol, recolher soluções mas não apenas copiar modelos irreais. Quem detona os Estaduais parece desejar competições que reúnam apenas os grandes clubes. Os mesmos críticos dos campeonatos regionais não raro acham que o Brasileirão deveria ser enxugado.

Na pirâmide de formação de talentos, são poucos os garotos que conseguem um teste em uma grande clube. A grande maioria alcança essa chance em times fora do eixo Rio-SP-RGS e Minas. Os campeonatos regionais, além de aprovados pelos torcedores em repetidas pesquisas, são uma grande escola. Há defeitos nessa estrutura? Claro. E muitos nem são exclusivos dos regionais. Uma profunda reforma que não deixasse de abordar todos os pontos seria bem-vinda. Alguns exemplos:

* O poder dos empresários, na maioria dos casos superior ao dos clubes, e a transformação do jogador em commoditie. Há jogadores cujos direitos federativos pertencem desde cedo a investidores, mais de um fundo ou pessoas físicas, que especulam com o mercado futuro e submetem os clubes aos seus interesses. Assim como, no passado, foi feita uma campanha para eliminar o passe que tornava o jogador uma mera propriedade do clube, sem direitos, é hora de dar um basta a esse mercado especulativo e predatório. Os direitos federativos devem equilibrar a relação direta entre jogador e clube, sem "atravessadores".
* O que deu certo na Europa pode ser adaptado para a realidade brasileira. Um planejamento de calendário anual, profissionalismo e transparência nas administrações, incentivos ao investimento em divisões de base dos próprios clubes. Claro que sempre haverá um abismo entre o poder econômico que tornou tudo isso possível lá e a notória penúria daqui. Mas a chave do desenvolvimento do futebol brasileiro é encontrar uma equação realista que elimine os gargalos sem que chovam euros de uma hora para outra.

* Vários clubes europeus não assinam contratos de longo prazo com redes de televisão. Taí uma coisa boa para imitar. Melhor do que isso, esses clubes geram suas próprias imagens e comercializam as transmissões para quem lhes oferecer condições lucrativas. Aqui, até os grandes ficam nas mãos da TV, presos aos "adiantamentos" de verbas e submetidos aos seus interesses tanto em horários de jogos quanto em tabelas, calendários etc.

* A mídia saudou a recente formação da Primeira Liga. Ok. Pode ser um oxigenação. Mas começa mal ao abandonar o critério esportivo em relação aos futuros participantes. E, assim, mais parece um cartel esportivo. Não há similar desse modelo no mundo. Corrijo: há. Nos Estados Unidos, onde já se estabeleceu uma confusão de ligas onde não dá para saber por critérios esportivos quem é primeira, quinta ou sexta divisões. Há mais ligas nos States do que partido político no Brasil.

* Os investidores seriam bem-vindos, por exemplo, se apoiassem a formação de ligas universitárias e colegiais de futebol. Jornalistas do passado, de Mário Filho a João Saldanha, viam celeiros nesses nichos. Saldanha também criticava governos por nada fazerem diante do avanço da urbanização que acabava com os campos de pelada onde muitos craques foram descobertos. É preciso um olhar institucional para a formação desses meninos que hoje caem desorientados nas mãos de empresários, de olho em um futuro contrato na China, Europa, Catar e outras latitudes. Fora do eixo Milão-Madri, Barcelona-Londres-Manchester-Munique-Paris-Mônaco, a grande maioria não vive exatamente fases paradisíacas.

E a culpa não é dos Estaduais que as torcidas aplaudem. Melhor tentar corrigir os defeitos do que simplesmente extinguir espetáculos como os de ontem na Maracanã, Beira Rio, Vila Belmiro, Mineirão, Fonte Nova, Castelão, entre outros palcos.