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terça-feira, 5 de junho de 2018

Fernando Gabeira e a contradição no tempo. Por Guina Araújo Ramos

1986 - Gabeira, então do PV, em frente ao prédio da Manchete, depois de participar de debate promovido pela TV Manchete no Teatro Adolpho Bloch. Naquelas eleições para governador do Rio de Janeiro, o jornalista dividiu votos com o brizolista Darcy Ribeiro, o que deu a vitória a Moreira Franco. Gabeira nem deve ter percebido que o passado estava logo ali, como uma curiosidade subjetiva que a foto carregava. Em 1969, um dos bilhetes dos sequestradores do embaixador americano Charles Elbirck, do qual ele participou, foi deixado a pouco metros da cena acima, em uma escultura de Bruno Giorgi instalada no pequeno jardim diante da sede da Bloch Editores. Foto de Guina Araújo Ramos

1979 - Gabeira foi fotografado na praça 4 de julho, em frente à Embaixada dos Estados Unidos, no Centro do Rio. Ele voltava do exílio e não quis posar na calçada da representação americana. Como havia participado do sequestro do embaixador Charles Elbrick, o jornalista temia ser "sequestrado". Foto de Guina Araújo Ramos Ramos
 por Guina Araújo Ramos 

Têm me reaparecido amigos e conhecidos com que convivi nos subúrbios cariocas nos anos 1960 e 70, tempos da ditadura do Golpe de 1964, pessoas (a maioria deles brancos, todos da classe média) que, então, agiram como “revolucionárias”, correram risco de serem presas, algumas até o foram... Curioso é que, hoje, se transformaram em ou se apresentam como... bem, talvez o termo mais próprio seja mesmo “reacionários”.

Têm muita dificuldade de entender as necessidades da sociedade brasileira (simplesmente defendem seus relativos privilégios), continuam presos à ideologia da Guerra Fria (têm alta subserviência ideológica aos EUA) e destilam preconceitos de classe e de cor (colocam-se sempre, moralmente, acima do “povão”). Alguns chegam à absoluta contradição de pedirem “intervenção militar”, parece até que apagaram da memória seus próprios sofrimentos na ditadura...

Sentiam basicamente, na época, a necessidade de defender sua liberdade de expressão (muitas vezes, artística) e foram estimuladas por Maio de 1968 na França e as passeatas no Brasil, até sofrerem a repressão da ditadura, que lhes atingiu após o AI-5, final de 1968.

Não mudaram, de lá para cá, num ponto fundamental: apesar de criadas num país marcado pela memória do escravismo, parece que nunca tiveram a pretensão, talvez nem mesmo a ideia, de questionar as injustas estruturas econômicas ou de lutar por igualdade nas relações de classe.

Entre os Bonecos da História, talvez um exemplo muito simbólico, se não prático, seja Fernando Gabeira. Durante o ano de 1979, após a aprovação da anistia, acompanhei a chegada de vários exilados políticos da ditadura do Golpe de 1964, entre eles Fernando Gabeira.

Copio trecho do meu livro “A outra face das fotos”:

Em uma grande matéria para a Manchete, fotografei Fernando Gabeira em entrevista no apartamento de sua prima Leda Nagle, conhecida apresentadora de programas de TV, na Gávea, e circulamos com ele pela cidade, revendo todo o roteiro de sua atuação política clandestina. Tinha, naturalmente, um deslumbramento, pelo Rio e pelas pessoas, mas também era evidente nele uma nostalgia mal digerida.  E alguma preocupação... Tivemos um momento tenso na matéria. Propusemos fazer umas fotos diante do consulado americano, na avenida Pres. Wilson, e, com grande desprendimento, Gabeira aceitou posar sentado junto ao pequeno obelisco da Praça 4 de Julho, em frente ao consulado. No entanto, quando sugeri, recusou-se terminantemente a pisar na calçada à frente do prédio do governo dos EUA: muito justamente, ele, que participara do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick, em 1969, sentia agora um repentino (e compreensível) medo de ser sequestrado...”

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