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terça-feira, 29 de abril de 2014

Livro 'Um homem torturado: nos passos de frei Tito de Alencar' foi lançado ontem no Sindicato dos Jornalistas, no Rio


(do site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro)
As jornalistas Leneide Duarte-Plon e Clarisse Meireles lançaram o livro 'Um homem torturado - nos passos de Frei Tito de Alencar', na segunda-feira (28), no auditório do Sindicato (Rua Evaristo da Veiga 16 17º andar, Centro do Rio). Amigos do biografado, Frei Betto, jornalista e ex-preso político, e Ivo Lesbeaupain, sociólogo e professor da PUC Rio, participaram de debate com as autoras após o lançamento da obra. A conversa será mediada por Paula Máiran, presidente do Sindicato.
Leneide Duarte-Plon falou ao Sindicato sobre o trabalho de apuração e pesquisa que levou dois e anos e meio até a conclusão da obra e dá detalhes sobre o pensamento progressista que balizou a vida de Frei Tito de Alencar, frade dominicano envolvido na luta revolucionária contra a ditadura civil-militar que foi preso e torturado nos porões do regime. Solto, ele viria a se suicidar no exílio, na França, em 1972.
Leneide Duarte-Plon falou ao Sindicato sobre o trabalho de apuração e pesquisa que levou dois e anos e meio até a conclusão da obra e dá detalhes sobre o pensamento progressista que balizou a vida de Frei Tito de Alencar, frade dominicano envolvido na luta revolucionária contra a ditadura civil-militar que foi preso e torturado nos porões do regime. Solto, ele viria a se suicidar no exílio, na França, em 1972.

Sindicato: Como surgiu a ideia de um livro sobre Frei Tito?

Leneide Duarte-Plon: O livro começou a nascer quando participei de um colóquio em Paris, em 2011, na Association Primo Levi, que trata de exilados submetidos à tortura em seus países de origem. Ouvi a conferência do psicanalista que tratou de Tito como jovem psiquiatra, em 1973/1974, seu último ano de vida. Nesse mesmo dia, houve um debate com o cineasta Helvécio Ratton, logo após a projeção de Batismo de Sangue, baseado no livro homônimo de Frei Betto. Propus uma entrevista com o Dr. Jean-Claude Rolland para a revista Carta Capital. Depois, em vez de fazer a matéria para publicação imediata comecei uma série de entrevistas com ele já para o projeto de um livro.

Como foi, e quanto tempo levou, o trabalho de pesquisa e apuração?

Leneide: Depois de decidir escrever a biografia de Tito, convidei a jornalista Clarisse Meireles para trabalhar comigo. Fizemos mais de 35 entrevistas (os nomes estão citados na abertura do livro) de pessoas que conheceram frei Tito no Brasil e no exílio (frades dominicanos franceses e brasileiros, ex-guerrilheiros, exilados da ditadura, o advogado Mário Simas, que o defendeu no processo quando estava preso, sua irmã Nildes de Alencar Lima). Consultamos os arquivos dos quatro conventos em que ele viveu, no Brasil e na França, do jornal da esquerda católica Témoignage Chrétien, que cobria as denúncias de tortura e violações de direitos humanos durante a ditadura, e mergulhamos em leituras específicas para o livro. Foram dois anos e meio de trabalho full time para mim e um pouco menos para Clarisse, que entrou no projeto pouco depois. Fomos juntas ao Convento Saint-Jacques, de Paris, e depois ao convento Sainte-Marie de la Tourette, perto de Lyon, para pesquisar os arquivos e entrevistar os frades que conviveram com Tito. Viajamos duas vezes a São Paulo para entrevistar pessoas que conheceram Tito. E no Rio fizemos muitas outras entrevistas com resistentes e guerrilheiros.

Qual lição um personagem como Frei Tito tem a passar para as gerações que não viveram os horrores da ditadura?

Leneide: Tito foi um jovem de seu tempo, que fez política universitária num momento, 1968, em que o movimento estudantil ia às ruas, fazia greves e manifestações contra a política da ditadura. Foi ele quem conseguiu o sítio para o 30° Congresso de Ibiúna, no qual foram presos mais de 700 líderes estudantis do Brasil inteiro, inclusive Vladimir Palmeira, Luiz Travassos e José Dirceu. Frei Tito e frei Ratton Mascarenhas também foram presos nesse arrastão que fichou toda a liderança estudantil da época. Foi em 12 de outubro de 1968, dois meses antes do AI-5. Depois, o Dops tinha a ficha de todos os líderes estudantis do Brasil e foi mais fácil controlar todos os passos deles. Vladimir, Travassos e Dirceu só saíram da prisão com o sequestro do embaixador americano, em setembro de 1969, feito pela ALN e MR-8.

Tito volta a ser preso depois do sequestro e da caça desenfreada a Marighella lançada pelo delegado Sérgio Fleury. Sua militância como cristão e como frade dominicano que participava da base de apoio da ALN (Ação Libertadora Nacional), de Marighella, é um exemplo de quem vivia sua fé aliada a uma preocupação de justiça social. Tito e seus confrades do Convento das Perdizes tentaram fazer a aliança de Marx com Cristo, pregando um Evangelho transformador, que se interessa pelo homem real que precisa ser alimentado e viver uma vida digna. O Evangelho como Tito entendia era transformador, o contrário da pregação conformista de uma certa ala da igreja católica e dos pastores televisivos, que alienam no amor aos bens materiais ou na resignação ao status quo. Ele dizia: “Nós não existimos para salvar almas, mas para salvar as criaturas, os seres humanos vivos, concretos, no tempo e no espaço bem definidos”.

A vida, os texto e entrevistas de Tito dão às gerações que não viveram a ditadura um exemplo de coerência, generosidade e doação total na luta por um mundo mais justo. Tito foi preso, torturado, humilhado na sua fé, destruído psiquicamente na tortura. Saiu do país banido. Morreu pela construção do socialismo, pelos ideais de justiça social, democracia e liberdade. A ditadura o matou nas salas de tortura, mesmo tendo saído do Brasil trocado pelo embaixador suiço, em janeiro de 1971, aparentemente vivo. Como diz o Dr. Jean-Claude Rolland, “não há dúvida de que Tito de Alencar morreu no decorrer das torturas”.

Ele apenas terminou o trabalho dos torturadores ao se suicidar na França. Sua vida é um exemplo de coerência e doação a um ideal de igualdade e justiça social. Ele disse em uma entrevista no exílio, em 1972: “O Evangelho traz uma crítica radical da sociedade capitalista. Nesse sentido, é revolucionário. Os temas da esperança, da pobreza, do messianismo, que são profundamente bíblicos, estão na fonte do movimento revolucionário. Eu aceito totalmente a posição de Camilo Torres*. Não vejo realmente como ser cristão sem ser revolucionário.”

*Padre revolucionário que aderiu à luta armada na Colômbia e morreu na Colômbia em 1966.

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