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domingo, 6 de agosto de 2023

Ah, as suecas... • Por Roberto Muggiati



O cinema reforça o mito da liberalidade sexual das suecas:
Bibi Andersson e Liv Ullmann em Persona.


Vendo as meninas louras eliminarem as americanas na Copa do Mundo Feminina e revendo Acossado, um soi-disant filme de ação que passa um terço do tempo trancado num quartinho de hotel, com Belmondo de cueca samba-canção desfilando sua Weltanschauung para impressionar Jean Seberg, lembrei da minha experiência com as suecas. Belmondo deambula: “A rapaziada é mentirosa, Estocolmo, por exemplo: ‘As suecas são formidáveis, eu traçava três por dia.’ Estive lá. É uma mentira.” 

A caminho de minha bolsa de estudos em Paris em 1960, parei em Lisboa. Um casal recomendado por amigos me levou a uma casa de fados. Agregado ao casal, havia um capitão do exército, Carlos Lacerda. O nome já não inspirava muita confiança, devia ter muito QI para estar no bem bom, longe da sangrenta guerra colonial. O afável capitão, sabendo que eu viajaria pela Escandinávia, sacou um caderninho preto e copiou para mim numa folhinha de papel os telefones de dezenas de garotas suecas que conhecia e que, em linguagem bélica, eram “tiro e queda.” Quando visitei a Estocolmo no verão de 1961, telefonei, telefonei e telefonei, dias seguidos, para as Ingrids, Margids e Gretas – e não deu em nada. Fiquei literalmente na mão... 


sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Cabelos curtos para um ano longo • Por Roberto Muggiati

Uma coisa puxa a outra. Fiz um dos meus “haicais safados” para um amigo astrólogo diagnosticado com Alzheimer.  Alois é o primeiro nome do médico que nomeou a doença.

Alois vero

o astrágalo

do astrólogo:

Alzheimer


O jeu de mots recuperou a palavra “astrágalo”, enfurnada numa gaveta do meu primeiro casamento, já nas vascas da agonia, quando líamos os últimos lançamentos franceses e apareceu a margarida, Albertine Sarrazin com seus romances La Cavale e L’Astragale. Astrágalo (ou tálus) é o ossinho que articula o pé com os ossos da perna (tíbia e fíbula), formando o tornozelo. (Com o formato de um cubo, era muito usado em jogos de azar na Antiguidade, como precursor dos dados modernos, principalmente na Grécia e Mesopotâmia). Albertine quebrou o seu astrágalo ao pular de um muro de dez metros de altura fugindo da penitenciária. Abandonada pelos pais ao nascer, ela foi estuprada por um tio aos dez anos, mandada para um reformatório pelos pais adotivos; prostituta e ladra, passou a maior parte da vida na prisão. Nossos caminhos quase se cruzaram no sul da França. Ela nasceu em 1937, vinte dias mais velha que eu; morreu aos 29 anos, de um erro médico durante a anestesia para uma operação dos rins, em Montpellier, em 1967. Bolsista de jornalismo em Paris, fiz um estágio no jornal Midi Libre, de Montpellier, na época a Sarrazin já morava por lá. A roqueira Patti Smith escreveu sobre ela: “Encontrar uma foto de Albertine sentada num café de Paris depois de ter cortado suas longas tranças foi uma revelação. Colei a foto com uma fita adesiva na minha parede ao lado de Falconetti, Edie Sedgwick e Jean Seberg – garotas de cabelos curtos, as garotas do meu tempo”.


Vou perfilar brevemente estas garotas de close-cropped hair, como Patti as define, incluindo outras do meu elenco pessoal. A francesa Falconetti foi descoberta na Comédie Française pelo cineasta dinamarquês Carl Theodor Dreyer, que a escolheu para estrelar seu ambicioso filme O Martírio de Joanna D’arc. Todo o martírio seria de Falconetti, que deixou a Comédie, ficando desempregada um ano e meio até que as turbulentas filmagens começassem, só em 1928. O cinema sonoro fora lançado no ano anterior, mas Dreyer, com a verba curta, teve de rodar um filme mudo, recorrendo ainda às legendas. O obsessivo diretor filmava a mesma cena inúmeras vezes. Foi tão exigente numa tomada em que Falconetti tinha de cair ao chão que a atriz só atingiu o realismo que exigiam dela quando quebrou a perna. Seguiu trabalhando de perna quebrada, a dor e as lágrimas na tela se tornaram reais. Teve também os cabelos cortados brutalmente. Na cena da fogueira foi obrigada a ficar de joelhos sobre pedras pontiagudas, sob a luz de refletores tão fortes que lhe queimavam o rosto.

Em 1940, depois de uma volta bem sucedida ao palco, Falconetti tinha seu próprio teatro, L’Avenue, nos Champs-Elysées. Quando as botas nazistas pisotearam a sacrossanta avenida, o teatro foi fechado. Ela fugiu para a Suíça, para proteger o filho de dez anos, nascido do seu relacionamento com o judeu Henri Goldstück. Por sugestão do cineasta Alberto Cavalcanti – que a protegeu de Dreyer durante as filmagens de Joanna D'Arc – Falconetti e o filho vieram para o Brasil em 1942. Tentou fazer teatro no Rio, não conseguiu, mudou-se para Petrópolis, onde dava aulas de francês e de canto para sobreviver. Problemas com o visto a fizeram mudar-se para Buenos Aires, onde continuou dando aulas. Com o fim da guerra, pensou em retomar sua carreira de atriz na França. Como estava acima do peso, iniciou uma dieta tão radical que acabou causando sua morte, ainda na Argentina, aos 54 anos.


Americana do Kansas, Louise Brooks fez em 1929 na Alemanha, aos 23 anos, dois filmes que a tornaram figura cult instantânea, ambos dirigidos por G.W. Pabst, A caixa de Pandora e Diário de uma garota perdida. O penteado que escolheu, autêntica marca registrada, lhe valeu o apelido “a garota do capacete”.


Americana de Iowa, Jean Seberg estreou no cinema aos 19 anos, no filme Santa Joana, do prestigiado Otto Preminger, baseado na peça de George Bernard Shaw, com roteiro do romancista Graham Greene. Teve de cortar os cabelos curtos para o papel e incorporou o penteado à sua persona. Sua atuação de cabelos curtinhos no Acossado de Godard a imortalizou. Uma campanha difamatória do FBI a matou: suicidou-se em Paris, aos 40 anos. O filme Seberg contra todos (2019) foi uma tentativa de resgatar a sua dignidade.


Nascida em Santa Barbara, Califórnia, Edie Sedgwick foi apelidada de "It Girl" pela mídia mundana e de "Youthquake" (terremoto juvenil) pela revista Vogue. De rica e tradicional família americana, foi a primeira jovem socialite a escandalizar os Estados Unidos, descrevendo como gastou toda a sua herança em apenas seis meses em sexo, drogas, roupas e rock & roll. Participou dos filmes experimentais de Andy Warhol – ignorados pelo grande público – e embarcou numa viagem sem fim de anfetaminas, barbitúricos, álcool e fumo, morrendo em 1971 aos 28 anos – um ano a menos e teria pegado o bonde do Clube 27.




Tem ainda a cabecinha redonda perfeita da Twiggy, a manequim chaveirinho da Swinging London. E não podia esquecer Mia Farrow , filha do diretor de cinema John Farrow e da atriz Maurren o''Sullivan (a Jane dos filmes de Tarzan com Jonhnny Weissmüller. É de cabelos curtinhos que Mia - em O Bebê de Rosemary dirigido pelo malsinado  Roman Polanski -  vai parir o filho do diabo num apartamento sinistro  no Edifício Dakota em Nova York, onde John Lennon seria assassinado depois. Foi no próprio set de filmagem que Mia recebeu de um oficial de justiça o pedido de divórcio de Frank Sinatra, com quem havia casado um ano e meio antes – ela com 21, ele com 50 anos. 


Encerro esta galeria com minha mulher e fotógrafa favorita Lena Muggiati. Desobedecendo o Diktat do rabugento Raul Giudiccelli – “editor não escreve, não reporta, editor edita!” – eu me dava a liberdade de, pelo menos uma vez ao ano, deixar a prisão da mesa de edição e sair por aí cobrindo festivais de jazz como o de Montreux e fazendo matérias culturais, como A Suíça de Heminegway, A Londres de Sherlock Holmes e A Alemanha do Jovem Werther (de Goethe). E escapando de morrer de fraque e cartola, ao lado da Rainha, no casamento do Príncipe Andrew, quando a Abadia de Westminster por pouco não foi explodida pelos guerrilheiros do Ira. Em 1985, nossa primeira vez em Montreux, eu ainda podia me dar ao luxo de ter cheveux aux vents e Lena estreava um modelito curtinho exemplar. Valeu correr o mundo pela Manchete, enquanto durou...

Brasil em "pixie"






Dina Sfat, Anecy Rocha, Elis, Maria Della Costa, Tarsila do Amaral em auto retrato,
Tonia Carrero e Ana Cristina César. . Fotos Divulgação e Reproduções

Antecipando-me ao companheiro J.A. Barros, sempre alerta em apontar omissões nos meus textos, lembro aqui algumas brasileiras que saíram bem na foto em sua fase “pixie”: Dina Sfat, Ana Cristina César, Anecy Rocha, Clarice Lispector, Elis Regina, Maria Della Costa, Tarsila do Amaral, Tonia Carrero e a poeta Ana Cristina César.