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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Memórias da redação: Aventura de Natal na Fatos & Fotos Gente

por José Esmeraldo Gonçalves

Em 1975, a Fatos & Fotos fez uma parceria com a People americana e se transformou em Fatos & Fotos Gente. 

A revista publicava matérias com celebridades americanas e, aqui, replicava o mesmo estilo de perfis e de fotos com as figuras equivalentes brasileiras. Mas não apenas celebridades entravam na pauta. Tal qual a People, a FF/Gente também se interessava por pessoas "normais" que, por algum motivo, desfrutavam dos seus quinze minutos de fama.

Na noite de Natal daquele ano, o adolescente paulista Pedro Antonio, de 16 anos, que vivia nas ruas do Rio e se virava trabalhando em obras ou ajudando ambulantes na Central do Brasil, pulou o muro do pátio de manobras do antigo aeroporto do Galeão, escondeu-se sob uma lona, aguardou os passageiros e, na primeira chance, subiu a escada e embarcou como clandestino em um DC-10 da Varig. Escondeu-se no banheiro e ocupou uma poltrona logo depois da decolagem. Só descobriu o seu destino quando o piloto anunciou o tempo previsto para a chegada em Madri. No aeroporto de Barajas, na manhã do dia 25 de dezembro, foi abordado por um funcionário, mas escapou quando era levado para averiguação.

A aventura de Natal do menino brasileiro, que perambulou pela cidade até ser localizado, repercutiu nos jornais. Era um personagem perfeito para a Fatos & Fotos Gente naquela semana. Pedro Antonio comoveu até as autoridades espanholas, ganhou roupas, foi logo liberado e embarcado de volta para o Rio, onde ficou sob a guarda do Juizado de Menores. Levei um bom tempo para convencer o juiz Antonio Campos Neto a permitir a entrevista. Ele entendeu que nossa matéria não mostraria o menino como um "delinquente" ou "infrator", o foco seria a aventura de Natal, e deu OK. Conversei com o viajante, que se mostrou inteligente e articulado e contou sua jornada com alguma dose de imaginação. Após ouvir os argumentos do fotógrafo Hugo de Góes - que precisava fazer algumas fotos no aeroporto - o juiz autorizou o menino a voltar ao velho Galeão.

As primeira fotos, como pode ser visto na reprodução da matéria (abaixo), foram feitas no interior da Rural Willys da reportagem. Mostrá-lo ao lado de um jato era a foto obrigatória de abertura, mas a segurança do Galeão não permitiu. A outra opção, banal, era fotografá-lo com a fachada do aeroporto ao fundo ou ao lado do muro da Estrada do Galeão, de onde era possível ver alguns aviões no pátio. Ao chegar perto do muro, tomamos a decisão temerária de pulá-lo, como o menino o fizera. Havia uma guarita bem distante, talvez não fôssemos vistos. Naquela hora nem pensamos nas possíveis consequências. Escalamos a parede, o menino posou e Hugo de Góes fez a foto que queria. Pareceu moleza. O "clandestino" tinha razão. "Foi fácil chegar à Espanha. Difícil foi uma viagem que fiz de Brasília para o Rio. O motorista me descobriu escondido no ônibus e queria me dar um pau. No avião, o pessoal é educado", concluiu o aventureiro do Natal.

A matéria foi publicada na primeira edição de 1976 há quase  - e inacreditáveis - 42 anos.



Fatos & Fotos Gente, janeiro,1976. Reproduções. Clique nas imagens para ampliar.

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Memórias da Redação - 40 anos, hoje: o dia em que o Vietnã provocou um "passaralho bélico" na Fatos&Fotos/Gente

por Gonça
O Vietnã do Sul e do Norte foram o front da primeira guerra pop da história. E isso não implica em qualquer desrespeito às vítimas. Ao contrário. O pequeno país - que já dera provas de heroísmo ao derrotar o colonialismo francês - tinha a torcida da grande maioria dos intelectuais e jovens do Ocidente e isso se refletiu na cultura em um tempo de protestos e manifestações pacifistas.
B-72: toneladas de bombas
sobre o Vietnã. Reprodução
 Entre Ho Chi Minh (morto em 1969) e Giap (que morreu em 2013, aos 102 anos de idade) e Lyndon Johnson, Wesmoreland, Nixon e Gerald Ford, que também já passaram dessa para a outra, a escolha era bem clara. O conflito gerou canções como "Unknow Soldier", de Jim Morrison, do Doors ("...bullet strikes the helmet's head"), "Scarborough Fair", de Simon & Garfunkel ("...generals order their soldiers to kill") e a célebre "Blowin' in the Wind", de Bob Dylan ("...how many times a cannoball fly before they're forever banned").
Muitos livros. No Brasil, o livro de Antonio Callado, "Vietnã do Norte, o outro lado da guerra", era um 'bíblia" para os jovens jornalistas. A obra resultou de uma série de reportagens que Callado fez para o Jornal do Brasil, como um dos primeiros jornalistas ocidentais a entrar no Vietnã do Norte e mostrar a guerra sob um ângulo que a mídia pró-EUA não revelava. E filmes como o documentário "Corações e Mentes", de 1974 e, descontadas as produções ufanistas, "Apocalypse Now", "Platoon", "Nascido para Matar", estes lançados já no pós-guerra.
Deu barata voa: americanos e funcionários ligados do regime
do Vietnã do Sul escapam como podem. No dia seguinte,
guerrilheiros e soldados do Vietnã do Norte tomariam
Saigon. Reprodução
Por aqui, em plena ditadura, a guerrilha era tema de conversas não propriamente de botequim, onde era perigoso externar opiniões e, mais ainda, comemorar os últimos feitos do estrategista Giap ou vitórias espetaculares como a chamada Ofensiva do Tet, que surpreendeu e abalou as tropas norte-americanas. Isso tudo, as conversas "bélicas", entre papos regados a cerveja e, às vezes, em torno de um mapa do Sudeste Asiático. A imprensa em cobertura diária popularizava nomes e expressões como Delta do Mekong, Da Nang, Hué, Trilha de Ho Chi Minh, armas como os caças Mig 17 e 21 e Phantom F-4, os bombardeiros B-72, os helicópteros Huey, os fuzis AK-47 e M-16, Napalm, Agente Laranja e a rede de túneis dos guerrilheiros. A TV trazia imagens dos combates e mostrava cenas impressionantes dos B-72 despejando milhares de bombas sobre o Vietnã, cada uma delas capaz de abrir uma cratera de 15 metros e cerca de 18 metros de diâmetro. Pois o Vietnã superou tudo isso.
Um dia, a casa caiu. E a TV exibiu as cenas dramáticas e ao mesmo tempo patéticas da fuga apressada e caótica de funcionários norte-americanos e sul-vietnamitas amontoados no telhado da embaixada, em Saigon, brigando por lugar em helicópteros de resgate.
Dia 30 de abril de 1975; tanque do Vietnã Norte
entra sem pedir licença e e sem tocar a campainha do
 Palácio Presidencial
em Saigon. Reprodução
No dia seguinte, 30 de abril de 1975, colunas de tanques do Vietnã do Norte e milhares de guerrilheiros que atuavam no Vietnã do Sul entraram em Saigon. Logo as agências enviaram fotos de tanques embandeirados rodando nas ruas da capital. Em cada um deles, soldados e guerrilheiros eufóricos e orgulhosos. Uma cena histórica.
A guerra acabou lá mas um pequeno conflito jornalístico foi deflagrado aqui. Mas precisamente em uma redação na Rua do Russell. Dois meses antes, em fevereiro, a Bloch havia adquirido os direitos da revista People. A semanal do grupo Time, dedicada a celebridades, era fenômeno de vendas e já alcançava mais de um milhão de exemplares nos Estados Unidos. A decisão mais acertada, talvez, fosse lançar uma nova revista, aproveitando os direitos de uso de matérias internacionais e reproduzindo o modelo bem-sucedido em perfis e entrevistas com personagens brasileiros de destaque da TV, cinema, literatura, música, esporte etc, A fórmula da People era rígida: a revista não cobria os fatos. Sua praia era revelar o protagonista por trás da notícia, desvendá-lo, humanizá-lo. Mostrar personalidades públicas na vida privada, em casa, com a família ou no lazer. Mas a Bloch, em vez de um novo título, optou por reformar a Fatos & Fotos e transformá-la na People brasileira.

O logotipo ganhou um "Gente", em destaque. Foram reuniões e reuniões dos editores para direcionar repórteres, levantar pautas e levar aos fotógrafos a "linguagem" das fotos da People. A revista Gente tinha data para ser lançada: a primeira sexta-feira de maio, se não me engano. O fechamento era às quartas-feiras. Opções de capa previstas para o primeiro número? Acho que Sônia Braga ou Elizabeth Savalla, ambas na novela "Gabriela, que havia estreado em meados de abril. No miolo, matérias editadas no estilo People, títulos longos, espirituosos, textos que tentavam revelar a "intimidade" dos famosos de então. O dia 30 de abril de 1975 era uma quarta-feira, e estava tudo pronto para o fechamento da primeira Gente na fórmula People. Só esqueceram de avisar às tropas de Giap, que escolheu exatamente aquele dia para a entrada triunfal em Saigon. Em tese, a nova Gente não deveria se preocupar com aquele fato, a não ser se tivesse um perfil de Giap ou uma entrevista com Ho Chi Mih fotografados na lancha privada, na casa de campo, jogando tênis ou pescando no Mekong, algo do gênero. Essa era, em resumo, a fórmula People. Ocorre que a redação naturalmente se empolgou com as imagens factuais da conquista de Saigon. Afinal, aquele era o gol que a torcida esperava há anos. E foi assim que a Gente mandou pro espaço logo na estréia a reforma editorial na qual investira. A capa foi uma foto sensacional de um dos tanques chegando a Saigon, soldados vibrando e a bandeira vermelha com estrela amarela tremulando na antena do veículo. Capa de puro fato, atualidade na veia, nada de "Gente" e zero a ver com a fórmula da People que a revista deveria supostamente replicar. Não se pode dizer que não tinha "gente", só não eram hollywoodianos ou globais que presumivelmente deveriam estar lá, inaugurando a tal reforma editorial. Nunca soube se a matéria quase comemorativa da vitória de Hanói desagradou a alguém do governo militar, se alguma "mensagem" foi passada à editora, como aconteceu em outras ocasiões. Mas a reação da direção foi tão arrasadora quanto a Ofensiva do Tet. O diretor da Gente perdeu o cargo. A revista Gente N°2 já foi assinada por outro editor e, nos dias que se seguiram à crise, alguns redatores saíram ou foram transferidos para outras revistas da casa.
Foi a última "batalha" da Guerra do Vietnã. Felizmente, sem mortos ou feridos. Não deixou marcas. O antigo prédio da rua do Russell nem abriga mais redações de revistas. Mas a mítica Trilha Ho Chi Minh, a rota que rasgou a selva para abastecimento e movimentação das tropas, ainda exibe a memória enferrujada guerra. Para os vietnamitas, que hoje comemoram a vitória sobre a maior potência militar de todos os tempos, equipamentos destruídos permanecem como foram deixados. São monumentos de uma era.


Sinais da guerra na margem na Trilha Ho Chi Mihn, hoje: um tanque russo, um...

veículo de transporte de tropas americano e...

...a torre de um blindado. Fotos Reproduções Internet