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segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Biblioteca Nacional digitaliza coleção da Revista Fatos & Fotos

 

Capa da Fatos & Fotos
número 1 (1961)
 
por José Esmeraldo Gonçalves 
A digitalização de periódicos pela Biblioteca Nacional é um projeto importantíssimo sob o ponto de vista da história e do jornalismo. Já estão digitalizadas coleções da Manchete. Manchete Esportiva, Manchete Rural e, agora, da Fatos & Fotos. Que venham Desfile (que registrou não apenas a evolução da moda no Brasil, como acompanhou as conquistas femininas nas décadas de 1970 a 2000, a Amiga, que memorizou várias gerações de atores e atrizes da TV, cinema e teatro e a Geográfica, que documentava meio ambiente, cidades e viagens.  

No caso das publicações ilustradas da Bloch a digitalização é ainda mais elogiável porque, como se sabe, o arquivo fotográfico da editora - estamos falando de cerca de 12 milhões de imagens entre cromos, negativos e ampliações  - está desaparecido desde que a justiça leiloou o grande acervo após a falência da empresa. 

Para escritores e pesquisadores essas coleções digitalizadas são um verdadeiro presente.  Para as várias gerações de jornalistas e fotógrafos que passaram pela Bloch, navegar pelas revistas é reencontrar os passos de trajetórias não como nostalgia ou apego ao passado, mas para entender épocas, visitar as bases da carreira e as circunstâncias da formação e do aprendizado que levaram tantos profissionais para outros importantes veículos. 

A Manchete, na qual trabalhei durante seis anos, do fim dos anos 1980 até meados da década de 1990, era a principal revista da Bloch, mas a Fatos & Fotos - onde, durante 11 anos e meio, desde 1975, percorri as funções de repórter, chefe de reportagem, redator, chefe de redação e editor executivo - é um capítulo especial da minha carreira. Pela redação da Fatos & Fotos, a partir daquele ano, passaram nomes como João Máximo, Ruy Castro, Otávio Name, Flávio Moreira da Costa e colaboradores como Clarice Lispector, Nelson Rodrigues e José Louzeiro. Nos seus últimos dez anos,  a FF teve como diretores Moysés Fuks, Justino Martins, Zevi Ghivelder, Moysés Weltman, Paulo Alberto Monteiro de Barros e Carlos Heitor Cony. 

Entre uma crise e outra, a FF alternou períodos de excelência e de mediocriadade, matérias de relevância e fases sensacionalistas com a revista cheia de ovnis, paranormalidades e tais futilidades frutos de uma parceria com o tabloide norte-americano National Enquirer, de quinta categoria. Já um contrato com a People, então um novo formato de revista de celebridades, foi mais proveitoso, era a fase da Fatos e Fotos Gente, que abordava personalidades de todas as áreas.  

Algumas mudanças editoriais impostas pela editora foram caóticas, como, certa vez, a ideia de transformar a FF, no fim dos anos 1970, em uma revista de "atualidades para a mulher". Não deu nem tempo para saber se fórmula daria certo:  o projeto era ruim,  improvisado, as vendas despencaram e a FF  logo voltou ao seu padrão sem distinção de gênero.       

A Manchete era o carro-chefe da empresa e, por isso, mais vigiada pela cúpula da Bloch; a Fatos & Fotos jogava na segunda divisão mas era mais dinâmica e ágil e capaz de algumas ousadias  jornalísticas para os padrões da Bloch. Não por acaso, era campeã de crises na maioria da vezes motivadas por matérias que a direção da empresa notava apenas quando a revista já estava nas bancas ou quando era notificada por reclamações externas posteriores à publicação. Quem trabalhou lá sabe disso, as pressões chegavam via Ministério da Justiça, Polícia Federal, empresários "amigos da casa" e até presidentes de clubes de futebol eventualmente descontentes com reportagens. Lembro que, certa vez, a Câmara dos Deputados se queixou diretamente a Adolpho Bloch e a Murilo Melo Filho por causa de uma charge de Claudio Paíva, já na sucessora Fatos, que mostrava o plenário da casa invadido por ratos. Em um primeiro impulso, Adolpho quis fechar a revista e até retirar a edição das bancas, mas não o fez. Tanto a Cãmara dos Deputado quanto a Fatos resistiram ao que ficou conhecido na redação como a "invasão dos ratos". De resto, muito menos agressiva do que a recente intentona bolsonarista do 8 de janeito.   

Aportei na revista em janeiro de 1975 e lá permaneci até fechar a edição de despedida da Fatos & Fotos em março de 1985. Carlos Heitor Cony, o último diretor da FF, admitiu que a fórmula da publicação estava esgotada. Como o Brasil entrava em nova era após a ditadura militar, Cony propôs a Adolpho Bloch lançar a Fatos, uma revista de informação e análise, segmento não explorado pela Bloch. Claro que não havia a pretensão de concorrer com a Veja, mas era viável ocupar um lugar naquela faixa de revistas. A partir da autorização do Adolpho, Cony, eu e J.A. Barros, diretor de arte da FF, nos reunimos para planejar a Fatos, da qual fui editor executivo. Fizemos um número zero, apresentamos a revista ao mercado em um tour por Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Recife e Fortaleza. A Fatos foi uma bela aventura, não muito mais do que isso. A nova revista foi para as bancas em 17 de março de 1985 e teve de destacar, às pressas, José Sarney, quando tínhamos quase tudo pronto para a posse que não aconteceu: a de Tancredo Neves. 

Trabalhamos com liberdade durante um ano e meio até que a Fatos foi abatida por uma soma de problemas editoriais: custos, falta de engajamento da publicidade e uma lamentável campanha de bastidores empreendida por alguns jornalistas de ultra direita incomodados com a linha progressista da nova revista. Era um grupo de cretinos influentes. Tais "dinos", saudosos da ditadura, rotularam a revista de "comunista" em ofensiva que incluiu "denúncias" através de telegramas falsos postados em Copacabana e endereçados a Adolpho -  que ele mesmo nos mostrou - e um boicote da publicidade revelado depois por um antigo integrante do setor.  A revista tinha um espaço para grandes entrevistas e, nos primeiros meses, dedicamos as capas a personalidades que a ditadura havia vetado durante anos, entre outros D. Helder Câmara, Luis Carlos Prestes e o capitão Sérgio Carvalho, o Sérgio Macaco, que denunciou e assim impediu um atentado preparado pela linha dura militar que previa a explosão do Gasômetro, no Rio, à qual, conforme o plano abortado, se seguiriam perseguições e assassinatos de opositores da ditadura. Cobrimos o chamado Caso Baumgarten que expunha os intestinos da ditadura. A Fatos também investigou a operação queima de arquivos empreendida pela ditadura apodrecida e a Casa da Morte em Petrópolis.

Essas primeiras matérias de capa teriam caracterizado, na visão de um jornalista da direita, já falecido e conhecido nas redações como dedo-duro, a "perigosa" infiltração "subversiva" na Fatos. O desgaste interno - na verdade efeito do macartismo da Rua do Russell - levou a empresa a desacelerar o investimento e em pouco tempo encerrar a publicação em julho de 1986. 

Abatida a Fatos, a Fatos & Fotos voltou às bancas apenas em especiais de Carnaval, Eu já não estava lá, fui para O Globo a convite de Humberto Vasconcelos, então editor do Segundo Caderno. Não fiquei muito tempo no meio jornal e retornei para a Bloch, dessa vez para a redação da Manchete, quando os anos 1990 já apontavam na esquina. Em 1996 deixei a empresa rumo à Editora Caras, a convite do diretor da sucursal carioca da revista, Sérgio Zalis. Em 2004, fui demitido da Caras após um conflito de opiniões editoriais com o diretor geral, em São Paulo e, no dia seguinte, fui convidado por Edson Rossi para o cargo de editor Rio da Contigo, da Editora Abril, onde fiquei até 2014. 

Tudo isso para dizer que essa carreira de "revisteiro" começou na Fatos & Fotos, agora digitalizada e à disposição da curiosidade das novas gerações e dos arqueólogos do jornalismo impresso.

Para acessar a coleção da Fatos & Fotos, vá à aba Hemeroteca Digital , 

no portal da Biblioteca Nacional AQUI,