Na edição 38, a revista teve que se explicar na seção Leitor em Manchete. O então secretário de redação argumentou que a mesa estava incompleta porque "a Ceia não havia começado ainda..." |
por José Esmeraldo Gonçalves
Na última edição de 1952, a Manchete ofereceu aos leitores um encarte artístico, página dupla colorida, que reproduzia A Última Ceia. O quadro, que a revista chamava de Ceia de Cristo, foi fotografado em Ektachrome por uma câmera Clix, dos anos 1940, própria para registrar paisagens e hoje peça de coleção. A impressão bem cuidada mostrava qualidade excepcional para os padrões da época.
Até aí, tudo certo.
Ocorreu que o diagramador ou o fotógrafo, sabe-se lá porque, optou por enquadrar apenas o núcleo central da imagem, o que eliminou alguns apóstolos. Em vez das 13 figuras tradicionais, apenas oito integrantes do staff de Jesus, além do próprio, estavam à mesa, segundo a versão da Manchete. O erro pode ter acontecido também na confecção do suporte que foi para a máquina de impressão. O fato é que, de uma maneira ou outra, alguém achou que as figuras mais afastadas do anfitrião eram menos importantes ou, quem sabe, meros penetras. Em nome da estética da página, foram devidamente limados. Restou o que a diagramação considerou como área vip do evento. E nela se inclui Judas Iscariote, o conhecido delator premiado, o terceiro da esquerda para a direita..
A seção Leitor em Manchete, reproduzida acima, recebeu muitas queixas e acabou dando uma explicação meio mais ou menos. A redação confessou não saber a causa da falha, informou que uma sindicância estava em andamento. Junto com a explicação, foi publicada em preto e branco a reprodução do afresco de Da Vinci, na íntegra.
Curiosamente, a revista não pedia desculpas e até revelou que, ao atender a um telefonema de um leitor indignado, o Secretário de Redação respondeu ironicamente que o quadro publicado pela Manchete estava incompleto porque a Ceia não tinha começado ainda e nem todos os apóstolos estavam presentes. Na época, o diretor-responsável era o jornalista Hélio Fernandes. O secretário era Leon Eliachar que, anos depois, faria sucesso como autor de livros de humor.
A Manchete não registra se a piada provocou mais cartas e telefonemas de críticas à "blasfêmia" editorial.
A Basílica de Santa Maria delle Grazie, em Milão, que guarda A Última Ceia, não reclamou da intervenção em uma das cenas mais caras ao catolicismo.
Também não ficou claro porque os editores da Manchete resolveram homenagear aquele fim de ano e a chegada de 1953 com A Última Ceia.
Que, como se sabe, foi uma ceia, mas o clima à mesa não era de Natal e muito menos de Réveillon.