O destaque da Geórgia na reta final das eleições presidenciais americanas me fez lembrar um episódio ocorrido por conta da Manchete em julho de 1984, durante a cobertura da turnê “Victory” dos Jacksons, capitaneada por Michael, então no auge do sucesso em sua fase pós-Thriller. Eu acabava de ser reconduzido à direção da revista e, como um presente de grego, Jaquito passara para mim um convite da gravadora Sony – feito na verdade à Rádio Manchete – para cobrir uma das primeiras apresentações da turnê, em Jacksonville, Flórida. Tudo bem, interessava – e muito – à revista, mas era o tipo de viagem que, com sua verve costumeira, Justino Martins batizara de “viagem-piscina”: “Tu salta, nada rápido, bate na outra borda e volta, tchê...”
Saímos
do Rio sexta-feira à noite, chegamos a Miami na manhã de sábado. Até
Jacksonville, no extremo norte do estado, era uma hora e meia de voo num
aparelho convencional. Estávamos na época dos furacões e vivemos momentos de
incerteza até ter nosso voo liberado. Fomos instalados num motel 30 quilômetros
ao norte do que seria o “centro”. Jacksonville era uma cidade estranha,
construída às margens do rio St. Johns, com 15% de sua área ocupada pela água.
Aproveitando
as mordomias da Sony, um radialista gaúcho pediu um carro para circular pela
região, que a gravadora providenciou na hora. Gentilmente, o radialista
concordou em me levar até uma loja de música que eu havia contatado por
telefone, a fim de comprar um saxofone alto – o tenor eu já tinha. Ficava a uns
20 quilômetros de distância e tivemos de atravessar umas dez “toll bridges” – pontes de pedágio – até
chegar lá. Valeu a viagem: a loja tinha um sax alto Conn praticamente novo a
preço de segunda mão, 450 dólares. Um garoto de doze anos ganhara o
instrumento, tomara duas aulas, enjoara da coisa e desistira do saxofone. Na
volta para o hotel procuramos um local para almoçar. Meu amigo gaúcho não era
muito familiarizado com o carro hidramático, nem eu. Além do mais, erramos o
caminho e de repente vimos na autoestrada uma placa anunciando Georgia 5 miles. Felizmente, achamos um
último retorno salvador e um grande restaurante de beira de estrada com cara de
churrascaria. Lá encontramos quase toda a turma convidada para a viagem,
inclusive os jovens executivos da Sony. À saída fizemos uma foto de grupo com o
saxofone em primeiro plano. Exigiram que eu “desse uma palinha”, achei que ia dar
um vexame monumental. Ainda mais com um sax alto que nunca tinha soprado.
Liguei o automático e peguei uma Wave
– não tem um dedilhado dos mais fáceis – mas não é que surfei numa boa a onda
do velho Jobim? Tocar saxofone é como andar de bicicleta, depois que você
aprende não esquece mais. Tocar bem
já é outra história...
Antes
do espetáculo saí fotografando os fãs de Michael Jackson devidamente
paramentados a caminho do estádio, cheguei atrasado ao coquetel para a imprensa
– caviar, champanha e cocaína já tinham
acabado...
O
show foi o que já se previa: Michael Jackson dando uma tremenda colher de chá
para os irmãos, que andavam mal de carreira e dinheiro e deixando de ser aquele
Michael solista genial do Thriller.
As três apresentações de Jacksonville, no Gator Bowl Stadium – receberiam um
público de 135 mil pessoas. A queima de fogos ao final agradou mais do que o
show e foi mais longa e feérica do que a do Réveillon de Copacabana.
PS • Ray Charles deve estar vibrando... Por falar em música, vale assinalar que voltou a soar nos céus da América uma das mais belas canções de Hoagy Carmichael, Georgia on My Mind, gravada em 1930 pelo autor com a banda que incluía o genial cornetista Bix Beiderbecke. Mas foi a versão gravada em 1960 por Ray Charles, nascido na Geórgia, que chegou ao número um na parada de sucessos da Billboard e seria adotada como o hino oficial do estado da Geórgia. OUÇA AQUI
https://www.youtube.com/watch?v=QL3EZwSJAh0
Um comentário:
Grande Ray Charles. Esse LP que tem Rockhouse é histórico. Tem grande valor em sebos. Georgia é 10.
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