quinta-feira, 29 de junho de 2017

Pesadelos urbanos: quando o fake business ataca no Rio de Janeiro

por Niko Bolontrin

Talvez por o Rio ser, apesar de tudo, uma vitrine do Brasil, a cidade é o palco ideal para mirabolâncias e aventuras empresariais.

Dá mídia, o empreendedor aparece, dá entrevista e a fake news do fake business rende matérias e notas. Missão cumprida, o empreendimento é esquecido ou nunca concluído e não se fala mais nisso. Políticos também usam muito o artifício - o recente projeto do Trem Bala Rio-São Paulo é um exemplo - , mas os em destaque aqui são os mágicos privados que tiram da cartola grandes iniciativas, às vezes até começam a realizá-las, param no meio, deixam escombros, mas faturam alguma fama.

Ruínas do Glória
O Hotel Glória, um símbolo do Rio, foi transformado em escombros por um desses espetaculosos empreendedores. Não apenas o prédio, mas móveis e objetos históricos, obras de arte, peças vintage, tudo foi quebrado ou leiloado e descaracterizado. Perdeu,  Rio. Ou melhor, ganhou Rio.... mais uma ruína...

Não muito longe, no Morro da Viúva, o  edifício Hilton Santos - que o Flamengo construiu em terreno doado pela Prefeitura do então Distrito Federal, nos anos 40/50, e com recursos federais fornecidos pelo governo Dutra e, em seguida, pelo populista Getúlio Vargas -, seria transformado em hotel. Foi esburacado, abandonado, invadido e está lá até hoje como um monumento à picareta. Dizem que será vendido novamente. Difícil vai ser alguém investir em um hotel no Rio nos próximos anos. A vizinhança e o visual vão ter que conviver com o pardieiro por mais algum tempo.

E o Cine Rian, a lendária sala de exibição carioca, que ficava na Av. Atlântica, esquina de Constante Ramos? Um empresário anunciou que reinstalaria o cinema na mesma avenida, no Leme. Rendeu pauta, o sujeito usufruiu da repercussão. Tem filme hoje? Não. O lugar vai virar uma agência bancária. No caso, ninguém foi enganado, só as expectativas, a sala não saiu do papel, mas notinhas foram plantadas em colunas sociais e vaidades foram recompensadas.

Verdade que o fake business não é tão novo assim e já causou danos maiores. Na década de 1960, empresários venderam milhares de títulos para financiar a construção do Hotel Panorama Palace, no alto do Cantagalo. As obras começaram, o esqueleto foi erguido e a ideia micou. Pessoas que compraram títulos ficaram com papel podre nas mãos. Décadas depois, no governo Leonel Brizola, o que restou do prédio foi desapropriado pelo governo estadual e transformado em um Ciep.

Gávea Tourist abandonado. Reprodução Pinterest
O que seria o Gávea Tourist Hotel, em São Conrado, tem história parecida. O empreendimento foi lançado em 1953 e a construtora responsável vendeu milhares de cotas a investidores que, como constataram depois, atendiam pelo nome de incautos. O prédio jamais concluído, a coisa virou briga jurídica. Antes de falir a empresa transferiu a propriedade para duas pessoas físicas. Muitos do lesados já morreram, mas as ruínas do Palace continuam lá. Viraram atração para trilheiros e montanhistas.

Um empresário acordou um dia com o sonho de construir um restaurante onde é hoje o histórico Forte Tamandaré, na Ilha da Lage, no meio da Baía da Guanabara. Anunciou que ficaria pronto para a Olimpíada. Deu entrevista, falou que tinhas todas as licenças etc. O restaurante ia oferecer transporte de barcas ao fregueses para enjoos de praxe na volta e não funcionaria em dia de ressaca. Não rolou.

Por falar em enjoo, haveria também, segundo outro projeto, linhas de transporte marítimo do Centro do Rio à Barra da Tijuca. Beleza. Uma autoridade fez um test drive com convidados e o vomitório foi geral. Não se falou mais no plano. Talvez porque tivesse que incluir estoques monumentais de Plasil.

No lugar do Aeroporto Santos Dumont,
Praça Monumental de Alfredo Agache
O arquiteto Alfredo Agache imaginou construir nos anos 1920, no local onde é hoje o Aeroporto Santos Dumont uma praça de onde partiriam grandes avenidas. Seria a "Entrada Monumental do Brasil". Ficou no desenho.

Até Donald Trump produziu seu fake business carioca. O hoje presidente dos Estados Unidos anunciou a construção de várias torres no novo porto do Rio. Você já viu? Nem eu...

No caso de alguns projetos, contudo, a cidade ficou melhor sem que fossem tirados do papel.


Um prefeito sem noção, provavelmente inspirado por um semelhante que nos anos 30 queria construir uma linha férrea aérea do Centro a Copacabana. Outro propôs fazer um elevado na Rua São Clemente, que viraria uma sombria Paulo de Frontin,  para passagem de trens rumo à Barra da Tijuca.

O mesmo mané pensou em cercar a Lagoa Rodrigo de Freitas de elevados para trens magnéticos. Uma grande corporação queria construir prédios de luxo no Aterro e um nova linha de condomínio na área aterrada da Av. Atlântica, além de um cemitério vertical onde é hoje o Parque Lage, que seria demolido. A atual Avenida Chile deveria prosseguir destruindo todo o casario antigo da Lapa. Felizmente, houve reações e o projeto parou na Rua Lavradio, hoje um dos mais charmosos points cariocas. Um arquiteto queria construir uma rede de rodovias e áreas residencias nas encostas das montanhas do Rio.

Outro pensou em erguer um complexo de lojas, teatro, estacionamento no ponto onde o canal do Jardim de Alá encontra o mar, no Leblon.

Le Corbusier, o arquiteto modernista quis fazer de parte da Quinta da Boa Vista uma Cidade Universitária com edifícios contemporâneos.

Uma rede internacional de hotéis queria demolir o antigo prédio da Esso no centro da cidade para construir um monstrengo inacreditável.

Não deu.

O edifício art déco foi tombado a tempo de evitar essa escultura retorcida cravada no Centro do Rio.

Outras ideias virão. O fake business não desiste.


4 comentários:

Wedner disse...

Já quiseram botar parque de diversões e circo no Aterro

J.A.Barros disse...

A destruição do Hotel Gloria é um crime imperdoável. O autor desse vandalismo deveria estar preso em solitária pelo resto de suas vida. Era um prédio majestoso no alto da Gloria que emprestava ao Rio o seu estilo arquitetônico inimitável. Era um Hotel de estilo clássico e soberano na colina da Glória.

J.A.Barros disse...

Bem, pelo menos não estão mais confundindo Rio de Janeiro com Argentina, o que já é um grande avanço

J.A.Barros disse...

Parece um Sandwiche do Mac.