por José Esmeraldo Gonçalves (especial para a revista Contigo!, abril, 2014)
Desde que foi atingido por nove
tiros, no dia 9 de novembro de 2000, vítima de uma tentativa de assalto, Marcelo
Fontes do Nascimento Viana de Santa Ana, 49, o Yuka está preso a uma cadeira de
rodas. Preso? Yuka voa naquela cadeira e passa a impressão de que nada pode segurá-lo.
Mas isso não quer dizer que esse voo é fácil. Seu ritmo de vida é acelerado e
sofrido. Digamos que sua agenda do cadeirante supera a de muitos caminhantes. “Trabalho
para escapar da depressão. Vivo no limite o tempo todo”, diz. Esse ritmo de
vida é visível na da casa onde mora, na Tijuca, Zona Norte do Rio, onde recebeu
a Contigo! cercado por uma equipe de
colaboradores envolvidos em cada um dos seus projetos. A sala com cozinha
integrada é uma espécie de central permanente de projetos. Uma estante com muitos
livros, computadores e quadros em uma das paredes compõem o ambiente. Nos
últimos anos, Yuka passou a pintar. São rostos e cores fortes em tons
dramáticos. Ele pretende fazer uma exposição. No momento, trabalha na gravação
do primeiro CD solo, dirige a ONG F.U.R.T.O, mesmo nome da sua atual banda, e planeja
um show previsto para maio, com participação de amigos como Marisa Monte, 46, Leticia
Sabatella, 42, Marcelo D2, 46, e Jorge Benjor, 69. Além disso, faz palestras,
trabalho social em comunidades carentes e acaba de lançar o livro de memórias Não se preocupe comigo (Editora Primeira
Pessoa/Sextante), em parceria com o amigo, escritor e produtor Bruno
Levinson. Com 224 páginas, o livro é o resultado de cinco anos de entrevistas, foram
mais de 30, conversas informais e de convivência entre o biografado e o autor. Bruno,
amigo de Yuka, de longa data, conta que quando propôs o livro, o músico e
compositor aceitou de cara. Mas alertou; “Você não vai aguentar. É barra
pesada”. De fato, foi uma prova de fogo para ambos. Houve momentos em que o
autor chorou, preocupou-se com o amigo quando este relatou que pensava em se
suicidar. Yuka chegou a elaborar várias maneiras de se matar, uma delas com uma
injeção de potássio. O produto final é um acerto de contas de Yuka com o seu
drama, que persiste e é diário, e com a sua capacidade de vencê-lo, o que é
desafiador e esperançoso. O próprio biografado se surpreendeu: “Eu me joguei no
livro honestamente. Não estava a fim de cuidar do meu ego nem de ser uma caricatura
de mim mesmo”.
Aprendizado e meditação
Yuka vive aprendendo a
sobreviver. Descobriu, por exemplo, o alívio que é meditar mergulhado na água. “A
meditação mudou minha vida. E a água me tira um pouco a dor. Na água sou igual
a vocês”, diz, ressaltando que é a hora em que consegue se desligar. Mas o
aprendizado a que se refere vai muito além. “O único álibi que eu tenho hoje é
o amor. Pode ser piegas ou ingênuo, não quero saber, eu vivo de utopias. Hoje,
prefiro errar pelo amor do que pela razão. Se a cadeira me ensinou alguma coisa
foi ver o amor como um caminho. E as mulheres me deram isso”, revela.
Yuka conta que tomou os
tiros aos 34 anos e constatou que até então nunca havia feito amor. “Nunca,
mesmo com as pessoas que eu amava”, relatou. “Amava minhas namoradas mas na
hora do sexo era sexo”, admite, acrescentando que depois da cadeira passou a
perceber a generosidade das mulheres com ele. “A mulher tem essa
característica. Visito presídios, como parte de um trabalho social, e vejo
isso. Com o marido ou namorado preso, elas vão a todas as visitas. Agora vai ao
Talavera Bruce (presídio feminino do Rio de Janeiro): muitas delas estão lá
largadas pelo companheiro que propôs o negócio a elas. Se eu tivesse um filho e
ele se envolvesse com o crime, eu seria tolerante até certo ponto. Sei que ia
chegar um momento em que eu ia dizer ‘eu te dei tudo e você vacilou’. Já a mulher
pode até falar mais do que isso mas no outro dia ela estará ali”. É essa
coragem, quase inerente às mulheres, que Yuka admite ser decisiva para ele,
atualmente. “Eu não era muito legal com as mulheres. Agora não estou
interessado apenas em paixão. Outro dia fui ao Circo Voador e uma mulher me
paquerou. Era bonita. Eu passei, mas voltei, dei ré na cadeira, parei, olhei
assim e pensei, quer saber, ‘é melhor eu ir embora’. Ando evitando muita coisa,
mas estou aberto para um casamento”, ri. “E eu sou muito assediado no
Facebook”, brinca. “Barrigão, feio, mas estou lá. Não dizem que com dinheiro é
fácil, difícil é o cara duro se arrumar? Eu digo, andando é fácil, quero ver na
cadeira”, provoca.
Que o diga ele, claro. Só um
ano depois dos tiros, o sexo voltou. Yuka conta que, um dia, falou para o
médico: ‘Tá funcionando, tá funcionando’. Vibrou, mas na retomada optou pela
precaução. Quando surgiu a primeira oportunidade foi logo avisando à parceira:
“Eu nunca transei depois dos tiros”. Para ele, o aviso era um modo de, digamos,
reduzir expectativas. Só que a tática funcionou tanto que ele usou o truque outras
vezes. Sentia-se mais seguro. E foram muitas namoradas, segundo ele, que, na
época em que foi ferido, estava terminando um relacionamento com a
apresentadora Chris Couto, 54. “Acho que eu e a Chris só não fomos muito
adiante porque éramos duas pessoas muito sensíveis que, muitas vezes, dividiam
suas depressões”, conta em um trecho do livro. Já paraplégico, Yuka teve um
rápido relacionamento com a artista plástica Mana Bernardes, 32, e, antes dos
tiros, com a promoter Alicinha Cavalcanti, 53. Fala bem de todas e não teme que
se incomodem ao ler detalhes íntimos em Não
se preocupe comigo. “Todas as mulheres reconhecem o amor que eu tenho por
elas, quase incondicional”. Recorda-se que
algumas foram ‘leoas” ao seu lado,outras
não aguentaram a barra. Ou, como admite, algumas desistiam porque ele não sabia
se comportar. “Talvez seja um trecho pesado. Por exemplo, quando falo da
sexualidade na cadeira de rodas. Não é bacana. Mas estou sempre me arriscando e
chega um momento em que para sustentar minha verdade eu tenho que expor alguém.
Estou deixando explícita minha história, meu direito de contar minha vida.
Alicinha, por exemplo, é uma mulher fascinante.Não posso dizer que a namorei
mas foi a coisa mais diferente que já vivi. Ela é o meu oposto”, diz. Ao contar
essa história no livro, Yuka revela que Alicinha queria um filho. ‘Faz um filho
em mim. Não precisa cuidar, pagar, se envolver. Só quero que esse filho seja
seu’. Ele admite que a proposta o deixou orgulhoso. “Quando a mulher propõe
algo assim, é mais que propor dividir a vida com você. É dividir outra vida”. Não
aconteceu mas ele diz que a ideia de ter um filho, um dia, é real: há pouco
tempo pensou em ser pai solteiro.
Polêmica
Há um assunto polêmico que ele
prefere evitar durante a entrevista. Acha que tudo já foi dito. É o fato de ter
sido afastado de O Rappa, a banda da qual foi fundador e baterista e a que deu a
régua, o compasso e as canções marcantes. Ficou uma enorme tristeza. “Ainda
tentava entender a minha vida, e o fato é que eles não quiseram me esperar ou
estar comigo”, relatou. Os integrantes da banda só o visitaram uma vez no
hospital. “Não consigo deixar de pensar que foram cruéis. E nem um pouco
amigos. Mas assim foi”, conta na autobiografia. O autor, conta que Yuka não
interferiu no livro, nem fez objeções a qualquer trecho. Mas quis que o último
capítulo incluísse um pedido de perdão. Yuka avalia que sua entrega à música, à
política e à militância social afetou sua família. “Eu quis pedir perdão
àqueles que estão mais próximos”, explica Yuka que, no livro, é mais direto.
“Estou pedindo desculpas pelos meus excessos, pela minha incapacidade. E pelo
meu medo do futuro também”.