por Eng. José Antonio Feijó de  Melo (do Ilumina)
Os mais antigos, para não dizer os mais velhos, certamente  lembram-se do filme "O Belo Antonio", produção de grande sucesso da época de  ouro do cinema italiano, na qual o personagem do mesmo nome, magnificamente  interpretado pelo então jovem ator Marcelo Mastroianni encantava as mulheres  com a sua beleza e aparência, mas que, "na hora do vamos ver", não conseguia  cumprir a tarefa. Depois daquele filme, a designação de "O Belo Antonio" ficou  valendo para tudo aquilo que "não funcionava".
Pois bem, o belo Modelo Mercantil do setor elétrico  brasileiro, implantado a partir de 1995 e consolidado em 2003/2004, se enquadra  perfeitamente no perfil daquele personagem.
Na aparência, um grande sucesso cantado em prosa e verso por  seus criadores e pelos responsáveis pela sua consolidação, por todos aqueles  que dele se beneficiam como, por exemplo, os seus "agentes", quer dizer, os  grupos empresariais e seus acionistas que dele têm obtido ganhos inimagináveis  em qualquer outro país em atividades de serviço público como a energia elétrica,  bem como pelos profissionais dos escalões mais elevados da administração das suas  respectivas empresas. No entanto, na prática, nos momentos precisos, este belo Modelo  Mercantil tem-se mostrado um completo fracasso, uma decepção, simplesmente não  funciona.
Assim, foi o que aconteceu logo após sua implantação, quando  se esperava que a entrada da iniciativa privada e a força das leis de mercado  viessem a viabilizar os tão necessários investimentos para a expansão do  sistema. Todavia, os investimentos não apareceram e o "Belo Modelo" fracassou.  O resultado, todos recordam: o terrível racionamento de 20% da carga durante  exatos nove meses, de 1º de junho/2001 a 28 de fevereiro/ 2002.
Como um princípio básico explicitado em documentos, o "Belo  Modelo" tinha, entre outros, "o estabelecimento de competição nos segmentos de  geração e comercialização para consumidores livres, com o objetivo de estimular  o aumento da eficiência e redução de  preços" (grifo nosso). Porém, o  que se viu? Um novo fracasso. Em lugar da eficiência, surgiram os "apagões" em  níveis regionais e até nacionais (lembram do raio de Bauru?) e o aumento da  freqüência dos "apaguinhos" nas cidades e nos bairros, além do início da  escalada dos preços, ou seja, da elevação das tarifas. Entre 1995 e 2002 as  tarifas nacionais, em média, cresceram 46,5% em termos reais acima do IPCA.  Assim, apesar das aparências, o "Belo Modelo" não conseguia cumprir o que prometia  e que dele se esperava, isto é, reduzir os preços.
Constatadas as suas fraquezas, uma tentativa de revitalização  em 2003/2004. Um pouco de planejamento, correção de alguns absurdos,  declarações de ênfase na modicidade  tarifária, mas em lugar de sua substituição, optou-se pela manutenção em  cena do "Belo Modelo Mercantil". Para viabilizar os investimentos, o BNDES e a participação  minoritária da Eletrobras e de suas subsidiárias seriam a solução.
Então, as novas obras decolam, as aparências afiguram-se  positivas, mas "na hora do vamos ver" tudo continua no mesmo. Os apagões e  apaguinhos aumentam de intensidade e de freqüência, surgem as explosões de  bueiros, a qualidade do serviço cai a olhos vistos e as tarifas... bem, as  tarifas continuaram crescendo e muito acima da inflação. Entre 2002 e 2012, em  média nacional, as tarifas industriais cresceram 55% reais acima do IPCA. Alcançávamos  o patamar das maiores tarifas do mundo, quando há cerca de 15 anos tínhamos uma  das menores. Era o "Belo Modelo Mercantil" em sua plenitude.
Mas como não poderia deixar de ser, surgem as reclamações,  insatisfações de toda ordem e então medidas heroicas, talvez desesperadas,  precisam ser adotadas. Uma redução significativa de tarifas se faz  absolutamente necessária. Mas como fazê-la sem ferir a aparência da filosofia  de "mercado"? É possível, sacrificando-se para isto o grupo Eletrobras. Então,  que seja feito o sacrifício, para isto existem as Medidas Provisórias.
A redução tarifária entra em vigor, em média nacional cerca  de 20%. Mas logo se verifica que o "Belo Modelo", embora já meio desfigurado  qual um Mastroianni envelhecido, continua vivo. E aqui, acolá, mesmo antes dos  consumidores sentirem o gosto da redução, lamentavelmente novas elevações  tarifárias já são programadas que ameaçam rapidamente a engolirem.
E o que parece pior, a Natureza, sabe-se lá por quais  caprichos, veio evidenciar mais uma das grandes fraquezas do "Belo Modelo",  justamente nesta hora inconveniente (para ele, o "Belo Modelo"). Referimo-nos à  questão do regime hidrológico desfavorável que atingiu as principais bacias do  nosso sistema hidrelétrico a partir do segundo semestre de 2012.
Com efeito, já a partir de setembro as usinas térmicas foram  sendo despachadas para preservar os reservatórios. E na medida em que o tempo  passava e as chuvas não apareciam na intensidade necessária, mais usinas térmicas  foram sendo ligadas. Assim, na virada do ano acendia-se um sinal amarelo. Não  anunciando um novo racionamento, mas sim que havia risco de alguma forma de  crise de abastecimento, caso o problema hidrológico viesse a se agravar.
Os responsáveis pelo setor logo contestaram, procurando  eliminar qualquer preocupação. Desta vez não se repetirá 2001, por que hoje  temos térmicas suficientes. É só despachá-las e deixá-las operando o tempo que  for necessário. Não haverá problema de espécie alguma, afinal o "Belo Modelo"  está aí mesmo para garantir a situação. Ops! Parece que mais uma vez na hora  "H" ele vai de novo fracassar?
Isto mesmo, mais uma vez fracassou. Ora, para funcionar as  térmicas precisam de combustível: gás, diesel, óleo combustível ou carvão  mineral. E isto custa dinheiro, muito dinheiro. A energia de origem térmica é  muito mais cara do que a hidrelétrica que sustenta o nosso sistema e baliza o  nosso nível tarifário. E alguém tem de pagar por isto. Mas esta é uma situação  normal, previsível. As térmicas estão aí para isto mesmo, para operarem sempre  que for necessário. Em sendo assim, o mínimo que se poderia esperar do "Belo  Modelo" seria que ele fosse capaz de reconhecer e absorver esta situação  normalmente dentro de suas próprias regras.
Mas eis aí a surpresa. Não é. Mas uma vez não conseguiu  cumprir a sua tarefa e fracassou. Embora no final de contas quem tenha de pagar  por esta energia mais cara será sempre os consumidores, pelas regras do Modelo  vigente este sobre preço somente será incluído nas tarifas dos consumidores  quando do próximo reajuste anual de cada distribuidora. Assim, enquanto a operação  de térmicas era pouco significativa, não havia problema, o "Belo Modelo" respondia  bem. Mas agora, com a conta subindo à casa dos bilhões de reais, o rei ficou  nu. 
A verdade é que as distribuidoras, tendo de pagar mensalmente  às geradoras térmicas por essa energia mais cara, nas condições atuais não  dispõem de caixa com valores suficientes para cobrir os elevados montantes  devidos, pois pelas regras do "Belo Modelo" só mais adiante receberão dos  consumidores. Em outras palavras, estão na iminência de ficarem inadimplentes.  Por isso, estão pedindo socorro ao governo, seja por via de empréstimos do  BNDES (ah BNDES), seja do próprio Tesouro Nacional.
Por sua vez, não tendo agora como gerar a energia que seria  necessária para suprir os seus contratos, porque os reservatórios estão muito  baixos em virtude de terem sido deplecionados no período em que as térmicas  ficaram paradas, pelas regras vigentes as empresas geradoras hidrelétricas têm  de "comprar" no mercado livre a energia que falta a preços muito mais altos do  que vendem, incorrendo assim em "prejuízos" elevados, superiores até aos  valores envolvidos com as distribuidoras. E nestas condições, também as  geradoras desejam o socorro do governo.
Segundo notícias divulgadas pela imprensa, reconhecendo  tacitamente a falha do "Belo Modelo", o governo já teria sinalizado  positivamente para alguma forma de atendimento a ambos os pleitos. Em  resumo, o que se observa é que uma situação normal e perfeitamente previsível  no funcionamento do nosso sistema elétrico não tem como ser tratada  regularmente pelas próprias regras do seu "Belo Modelo" que, como sempre, tal  qual o personagem do filme "O Belo Antonio", na hora do vamos ver não consegue  cumprir a tarefa. 
Até  quando os responsáveis pelo setor elétrico brasileiro vão apostar neste Modelo  Mercantil fracassado? (Eng. José Antonio Feijó de Melo, Recife, 06 de março de 2013)
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