Na sua coluna na Manchete, em 1952, Antonio Maria "entregou" o roteiro dos primeiros motéis do Rio de Janeiro e do Brasil. |
por Ed Sá
Respeite a instituição. Ela acaba de emplacar 65 anos. Mas a data passa em banco nesse 2017. Os motéis do Rio de Janeiro, pioneiros no gênero no país, ganharam notoriedade em 1952.
Naquele ano, o cronista Antonio Maria "entregou" tudo na revista Manchete, onde mantinha uma coluna. O autor de "Ninguém me Ama" publicou um roteiro do que era então quase secreto e divulgado apenas no boca a boca, literalmente. Eram bares rústicos, quase sem mesas, que ofereciam discretamente, no quintal, quartos e o essencial, camas. Nada de suíte, os banheiros eram coletivos.
A revelação não deve ter feito muito sucesso entre os frequentadores que se davam bem com o segredo bem guardado. Para chegar à Barra, que muitos chamavam de "sertão carioca", era quase necessário levar um mapa no porta-luvas do Ford Mercury.
"Você começa a viagem no Hotel Leblon e vai indo pelo asfalto velho, cansado de tantos Circuitos da Gávea, de tantos automóveis em viagens de amor. Do lado direito, a pedra e à esquerda, o mar. Contam-se histórias de dezenas de suicídios e o caso mais comentado é aquele da moça inglesa, que caiu no mar, com automóvel e tudo, sem que alguém jamais soubesse do seu corpo ou mesmo pudesse garantir se foi suicídio ou desastre.
Uma ladeira brusca e, lá embaixo, o Colonial, lugar onde gente séria não vai, nome que senhora bem casada não ousa dizer. A faixa de asfalto é estreita e os carros que vêm em sentido oposto correm muito e não baixam os faróis. Cada curva é um susto e um risco de vida; e são dezenas de curvas fechadas, espremidas, que o guiador tem que fazer colado em sua direita, com o coração na mão, embora. de vez em quando, ponha a mão no coração da namorada.
Depois, a baixada, onde surgem, aos potes, os bares abandonados. com um garçon bem triste debruçado em cada balcão. A gente morre de pena do dono daquele lugar sem fregueses, às moscas, dia e noite. Mesas vazias, prateleiras empoeiradas e o garçon sonolento atrás do balcão, só para constar. No fundo, há um quintal enorme, cheio de automóveis e vinte ou trinta quartos, servindo a núpcias permanentes. Mesmo no auge da luta contra o amor ilegal e ambulante nunca mexeram com aqueles hotéis de fachadas comoventes. São os únicos lugares onde, sem o luxo de várias espécies de matrimônio, pode-se amar sem castigo", escreveu Maria.
"Rua dos Motéis", no Itanhangá, anos 1970. Reprodução Facebook |
Em 1975, o jornal alternativo Opinião publicou uma matéria sobre os motéis. O Opinião também errou. Dava como ano zero dos motéis 1967. Vacilo. Naquele ano, o transômetro da Barra já teria ultrapassado a casa dos milhões. Apesar de um certo toque moralista - a reportagem criminalizava os motéis - é um bom retrato da indústria em que os "hotéis de curta permanência" se transformaram, muito mais do que sonhariam os antigos proprietários dos bares com quartos no quintal revelados pela Manchete. Leia trechos, abaixo.
Maria foi profético nas últimas linhas da sua coluna na Manchete naquele distante 1952:
"Aí termina o roteiro Niemeyer. Há poucos lugares do mundo onde a semente do amor tenha proliferado tanto. Que Deus o conserve e abençôe os seus visitantes."