Trump elegeu como alvo alguns dos principais jornais americanos, como o New York Times e o Washington Post, e redes como a CNN, NBC e CBS. E teve como sustentação sites, como Breiabart, de grande audiência, redes sociais de militantes da direita republicana mais radical e um esquema industrial de propagação e impulsionamento de fake news.
Não é verdade, entretanto, que Trump contou com apoio zero da mídia. A rede Fox o apoiou incondicionalmente, assim como centenas de jornais regionais. E não se pode dizer que a NBC e a CBS fizeram campanha maciça contra o magnata.
A eleição do novo presidente do Brasil guarda alguma semelhanças com o formato Trump, no caso da utilização das redes sociais e da massificação de fake news. Quanto à grande mídia brasileira, não se pode dizer que incomodou a candidatura da direita que, afinal, chegou ao Planalto. Pelo menos duas redes de TV, a Record e o SBT deixaram o jornalismo de lado e se colocaram como cabos eleitorais. Vários complexos de comunicação regionais e órgãos ligados as igrejas evangélicas fizeram o mesmo. Muito além da internet, o novo presidente teve o espaço que quis e muitas das suas posições políticas se encaixam nos editoriais conservadores dos jornais das famílias que controlam a mídia brasileira. Acontece que críticas e matérias como aquelas que denunciaram funcionários fantasmas no gabinete do então candidato e, agora, o escândalo Queiroz, incomodam os novos donos do poder. Além disso, eles não assimilam a "liberalidade" da mídia em questões de costumes que vão contra o fundamentalismo religioso instalado em vários níveis de governo. Daí o clima de guerra.
O "cativeiro" dos jornalista antes da posse. Reprodução Brasil de Fato |
O cerimonial da posse quis marcar essa posição ao isolar jornalistas nos vários cenários do evento de ontem. Equipes internacionais, como a da França e da China, se indignaram com as condições de trabalho, as restrições e as ameaças até de levar tiro de snipers se deixassem os currais - segundo avisos de assessores - e se retiraram da cobertura. Os profissionais brasileiros credenciados aceitaram o osso oferecido por impossibilidade de recusar ou por optar por permanece e tentar relatar a situação. Em um momento de crise e desemprego, quem se habilita a criticá-los se não contam com a solidariedade irrestrita do RH dos veículos para os quais trabalham?
Fotógrafos baixam as câmeras: J.França registrou o protesto contra o general Figueiredo em 1984 e a Folha de São Paulo publicou. |
A foto dos jornalistas brasileiros sentados no chão e virtualmente "sequestrados" durante quase oito horas em "cativeiro" - como alguns definiram - contrasta com uma imagem famosa que a jornalista Cynara Moreira Menezes relembra hoje no seu site (Socialista Morena). Em 1984, João Figueiredo se incomodou com frases vazadas de uma conversa que teve com Paulo Maluf no Palácio do Planalto. A assessoria de imprensa suspeitou que a conversa havia sido ouvida por fotógrafos em uma sala à qual repórteres não foram admitidos. Figueredo subiu nos coturnos e vetou o acesso dos fotógrafos ao terceiro andar do Palácio. Pouco depois, em uma ocasião em que o general descia a rampa, todos os fotógrafos se recusaram a registrar a cena e baixaram ostensivamente as câmeras. Apenas J. França, no ponto de vista oposto, fotografou o protesto que a Folha de São Paulo publicou. O Memorial da Democracia também recorda a cena.
Coréia do Sul: fotógrafos protestam contra veto a cobertura de ato do governo. Foto Kyodo News |
Uma manifestação semelhante aconteceu em 2016, quando a Coreia do Sul vetou a presença de fotógrafos durante a assinatura de um pacto sobre troca de informações de inteligência com o Japão. Aos profissionais foi permitido apenas ficar em acesso externo ao salão e registrar a chegada das autoridades ao local. Em protesto, eles baixaram as câmeras.