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segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O jornalismo que ouve "os dois lados" não é jornalismo quando os entrevistadores são cordatos e passivos

 A mídia conservadora brasileira participou ativamente do golpe que tirou Dilma Rousseff do cargo para o qual foi eleita. De resto, um comportamento padrão dos oligarcas, que historicamente atuaram em todos as conspirações contra governos democráticos. 

São vícios cuja cura parece difícil  

Agora mesmo - apesar de demonstrar em alguns pontos (excetuando a economia neoliberal) certo desacordo com o governo Bolsonaro - que não demonstra apreço pela democracia -, a grande mídia ainda se rende a um dogma que muitos jornais respeitados dos Estados Unidos e da Europa já relativizam com inteligência: o jornalismo que obriga ouvir passivamente os "dois lados".  

Há poucos dias, sabe-se lá porque, o Globo publicou um detestável artigo de Mike Pompeo, o ativista da ultra direita e secretário de Estado do governo Trump, que poderia ter sido editado por Carlos Bolsonaro, tal o radicalismo imperial, neofascista e fundamentalista cristão que o sujeito desenvolve no texto. Para explicitar a questão, aqui vai uma pergunta levada ao exagero: se atuasse na Alemanha dos anos 1930, a mídia brasileira cederia espaço para artigos de Hitler e Goebbels, dentro da prática de "ouvir os dois lados"? 

Registre-se que, quando convêm, a mídia conservadora "esquece" o seu próprio dogma de ouvir os dois lados. Muitos e vários políticos de oposição que o digam.

Não combina com o jornalismo autêntico e democrático prestigiar trogloditas, nazistas e fascistas, sem que sejam contestados. Um bom exemplo a CNN americana deu hoje. A âncora Poppy Harlow perdeu a paciência com as mentiras e tentativas de manipulação dos fatos pelo porta-voz da Casa Branca Brian Morgenstern. Durante uma entrevista a propósito da matéria do New York Times sobre os impostos não pagos de Donald Trump, Morgenstern começou a atacar sem provas os repórteres do NY Times e a acusá-los de estarem a serviço do Partido Democrata. "O New York Times relatou basicamente a mesma coisa há quatro anos, na véspera do debate”, mentiu o porta-voz. E Harlow cortou a entrevista para dizer que as novas reportagens do Times são "muito diferentes", trazem fatos desconhecidos até aqui. “Brian, por favor, faça aos nossos telespectadores o serviço de responder minhas perguntas sobre o homem a quem você serve. Eu faço as perguntas e estou feliz que você esteja aqui e vou continuar fazendo-as”, disse a jornalista. Quando Morgenstern insistiu em ofender os repórteres que levantaram o caso do drible nos impostos, Harlow reagiu: "Eu vou interromper você. Repórteres notáveis ​​do The New York Times analisaram 20 anos de documentos. Não é certo acusá-los, sem fatos, de estarem coordenados com o Partido Democrata. Por favor, pare de fazer isso ou esta entrevista terminará". 

Um âncora brasileiro fazendo isso? Vai ser difícil você testemunhar uma cena dessas. O normal aqui, sob o domínio da prática de "ouvir os dois lados",  é aceitar, passivamente as fake news da milícia do Planalto. As mentiras de Bolsonaro, do Guedes e dos demais ministros são recebidas como se fossem opinião. Quando promove sem contestar com fatos as conhecidas falácias sobre meio ambiente, desmatamento, fogo na mata, cristofobia, mamadeira de piroca, aborto, Covid, vacina, políticas sociais, distribuição de auxílio na pandemia, crescimento da economia, disseminação oficial de notícias falsas, produção de relatórios ilegais sobre pessoas etc, a mídia ajuda a impulsionar a máquina de fake news do governo. Bolsonaro replica essa estratégia de comunicação de Trump. A diferença é que lá parte da mídia não coloca em jogo sua credibilidade e contest as mentiras.   

O"jornalismo" que "ouve os dois lados" praticado aqui é jornalismo passivo. 

E essas duas últimas palavras não podem nunca andar juntas.