por Flávio Sépia
Até aqui, com sua inusitada estratégia de comunicação, Bolsonaro está dando uma volta na imprensa. E não é apenas pela mobilidade que demonstra nas redes sociais, mas pela capacidade de usar os principais jornais, os veículos digitais e a TV.
É verdade que essa estratégia encontrou na campanha e nos primeiros dias do governo, por parte das oligarquias da mídia, uma visível acolhida. Afinal, muitos editores e colunistas foram parceiros desde o golpe na construção da atual conjuntura. O tipo de relação que Bolsonaro estabelece com a mídia também se explica pela aprovação dos veículos à sua agenda econômica, ao confisco da Previdência, à corrida do ouro da privatização etc. Hoje mesmo, O Globo é explicito em título de editorial: "Apoio à reforma no Congresso compensa falhas".
As críticas ao governo são predominantes nas questões comportamentais, morais, religiosas, na liberação das armas, na política ambiental, entre outras, uma pauta que o candidato jamais escondeu na campanha. Quando criticado na condução do governo, geralmente é por ações ou declarações que "atrapalham" as reformas e a agenda rentista e neoliberal.
É esse ambiente favorável que torna fácil para Bolsonaro usar a mídia.
Uma marca visível da nova administração está nos verbos voltar, reconsiderar, rever e até desmentir a própria fala. Será intencional? E se esse vai-e-volta fizer parte da mensagem que manipula os meios? O presidente faz uma declaração qualquer, como essa de que "o problema do Brasil são os políticos", a mensagem viraliza nas redes sociais, robôs multiplicam a fala, seus eleitores vibram. O recado está dado. Em seguida, políticos reagem, a mídia comenta, analistas abordam o assunto. Ou o capitão inativo compartilha um manifesto contra os poderes Legislativo e Judiciário. Ou, ainda, divulga no twitter uma convocação para uma manifestação contra os mesmos poderes. Pipocam reações e aí Bolsonaro, invariavelmente, entra com a segunda etapa da sua estratégia: desmente, diz que não é bem assim e colhe elogios na grande mídia pela capacidade de reconhecer o "erro" ou o "exagero". "Ainda bem que, apesar de ter publicado em sua rede social uma convocação para a manifestação, avalizando, portanto, seus objetivos, desistiu de participar, como chegou a ser aventado", escreveu um colunista.
Em suma: o presidente dispara um discurso para seus apoiadores e, logo depois, alivia a barra na grande mídia que a maioria dos seus apoiadores abomina e confessadamente não lê. E assim vai o Messias, agora ungido, ocupando todos os espaços.
Em um dos filmes mais recentes da série Pantera Cor de Rosa, o Inspetor Clouseau, no caso vivido pelo ator Steve Martin, interroga um suspeito. Para obter a confissão, ele recorre ao clássico método do "policial bom" e do "policial mau". Só que Clouseau inova: ele mesmo interpreta os dois personagens. Assim, o Clouseau mau é agressivo, ameaça bater e usar um aparelho de choques elétricos. Quando este deixa a sala, entra em cena o Clouseau bom, de fala mansa e cordato, que oferece cigarros ao suspeito, água, pede desculpas pelo colega torturador, mostra-se amável etc.
Bolsonaro viu esse filme. Sua estratégia de comunicação - o presidente mau e o presidente bom - é tosca mas inspirada no Inspetor Clouseau. Blake Edwards, o criador do inspetor atrapalhado, pode cobrar direitos autorais.
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
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quarta-feira, 22 de maio de 2019
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