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segunda-feira, 3 de setembro de 2018

A destruição do Museu Nacional é o símbolo dramático do Brasil que se consome...

Foto de Tânia Rego/Agência Brasil

Foto de Tânia Rego/Agência Brasil


por José Esmeraldo Gonçalves 

Cultura transformada em cinzas.

Não se esperava que um domingo de sol tipicamente carioca, abrindo um setembro luminoso, se encerrasse em uma nuvem negra. Foi estarrecedor ver e ouvir a notícia do incêndio que consumia a Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista.

Aquelas chamas lambiam um país. A imprevidência, o corte de verbas, a água que faltou nos hidrantes, estava tudo ali como combustível da catástrofe.

Entre as imagens que a TV mostrou, ontem, viam-se alguns funcionários em prantos. Eles tinham a exata noção do que se perdia e expressavam a frustração de quem enviou muitos alertas sobre os riscos que o descaso oficial construiu quase que meticulosamente.

Vivemos um tempo em que a especulação financeira institucionalizada é a nova "constituição". E o mercado que a tudo rege não se interessa por "minúcias" como saúde, educação, habitação, pobreza, pesquisa, cultura... Há centenas de outras instituições e prédios históricos em perigo, sob o selvagem corte de verbas que o rentismo fanatizado e seus porta-vozes midiáticos impulsionam e festejam.

Agora, podem dançar em volta do fogo.

E vai piorar. Um governo rendido a interesses e um Congresso que troca qualquer coisa por favores aprovaram 20 anos de congelamento de verbas para atender à governança do mercado financeiro.

Teremos duas décadas com a "segurança jurídica" perfeita para destruir outros patrimônios.

As chamas que arrasaram o Museu Nacional foram alimentadas por um regime onde o quesito fiscal, a concentração adoidada de renda e os privilégios mandam e desmandam. Se o mercado-governo não preza vidas porque se importaria com a Cultura, essa perdulária?

Burocratas e tecnocratas do obscurantismo da Era Temer, que não fazem a menor ideia do que se perdeu, assinaram a ignição daquele fogo. Eles estão de passagem, mas a destruição que causaram é permanente.

Pessoalmente, nada perderam, sempre poderão fazer turismo em outro Museu de História Natural. O de Washington DC, por exemplo, que foi fundado em 1910, 92 anos depois daquele que o Brasil torrou ontem na Quinta da Boa Vista.

ALGUMAS IMAGENS DO QUE SE PERDEU.

Museu Nacional, no antigo Palácio Imperial da Quinta da  Boa Vista, comemorou 200 anos em  junho último. Foto de Alexandre Macieira/Riotur


Uma das relíquias: uma múmia trazida por D.Pedro II resistiu a 3 mil anos no Egito; no Brasil, apenas 192 anos (chegou ao Rio em 1826), e sucumbiu em dois anos de governo Temer. Foto de Alexandre Macieira/Riotur
O Museu Nacional da Quinta da Boa vista era...

...muito visitado por crianças,...

...grupos de estudantes e...

...famílias. Muitos tinham ali o primeiro contato com a história natural
do Brasil e do mundo. Fotos de Alexandre Macieira/Riotur


segunda-feira, 17 de julho de 2017

Voo JJ3054: há dez anos, a tristeza pousou em Congonhas

Memorial 17 de Julho. Foto de Fábio Arante/Secom/Prefeitura de São Paulo


por José Esmeraldo Gonçalves 

Há dez anos, em 17 de julho de 2007, uma terça-feira, a maior tragédia da aviação brasileira chocava o país. O voo JJ 3054, do Airbus 320 da TAM, com 199 pessoas a bordo, fez um pouso desastrado no Aeroporto de Congonhas, ultrapassou o fim da pista e explodiu contra um prédio da empresa na Avenida Washington Luís. Não houve sobreviventes.

Dizem os especialistas que normalmente um acidente aéreo resulta de uma conjunção de fatores. No caso do desastre com o jato da TAM foram muitas as falhas e o descaso apurados. As investigações constataram que o Airbus voava sem um dos reversores, equipamento que faz uma inversão do fluxo do exaustor da turbina e ajuda na frenagem; vivia-se o "apagão aéreo" e havia um desgaste em toda a malha em função de atrasos e cancelamentos de voos, estressando funcionários em terra e no ar e com as companhias pressionando a todos para cumprimento de horários, segundo depoimentos de tripulações; matéria da BBC Brasil informa que o avião da TAM estava muito pesado por ter sido abastecido em Porto Alegre com mais combustível do que o necessário, isso porque o ICMS do querosene na capital gaúcha custava 8% menos do que em São Paulo; chuvas na véspera do acidente acumularam água na pista, cujo recapeamento não estava inteiramente concluído, faltava um elemento técnico, as ranhuras; e a tripulação recebeu um alerta sobre a pista escorregadia. A reportagem da BBC Brasil afirma que "o mais lógico, diante das condições, seria desviar para o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, distante 31 quilômetros do plano original. Mas a inconveniência para os passageiros e tripulantes em época de apagão aéreo, e sobretudo a pressão da empresa em evitar outros aeródromos", fizeram com que os pilotos mantivessem o pouso em Congonhas.

O caso permanece em curso na Justiça. Ninguém foi punido até hoje.

Naquela terça-feira, eu voltava de São Paulo após uma reunião de trabalho. Com dois colegas, Sergio Zalis e Marcelo Tabach, cheguei a Congonhas por volta de 17h30 bem a tempo do voo da ponte-aérea para o Rio, se não me engano, o de 18h30. Menos de uma hora depois, fomos chamados a embarcar. Com os passageiros acomodados, a porta da cabine foi fechada, mas nada de o avião deixar a "sanfona" de embarque. Mais alguns minutos e, pelas janelas, percebemos uma agitação incomum entre o pessoal de terra.

O avião da TAM havia pousado em Congonhas às 18h48.

Menos de dez minutos depois, não mais do que isso, o piloto informou que havia um "obstáculo" no fim da pista e que o nosso voo seria cancelado até o dia seguinte. Estranhamos que um"obstáculo" interrompesse a pista por tanto tempo. Mas, enfim, eram dias de apagão aéreo e desembarcamos.

Logo ao deixar o portão de embarque, de volta ao terminal, soubemos por passageiros que aguardavam seus voos, também cancelados, que acontecera um acidente. Pelos relatos da rádio-corredor não parecia grave. Talvez um avião com problemas fosse o "obstáculo" na pista.

Não demorou muito essa impressão inicial desinformada foi deixada de lado: um forte odor de combustível queimado invadiu o aeroporto. Ao sair do terminal, já na rua, vimos uma coluna de fumaça à distância. O trânsito de carros e pedestres na Washington Luís já estava interrompido, sirenes ligadas, perplexidade. "Parece que tem mortos", informou um funcionário.

Tínhamos compromissos no Rio na manhã de quarta-feira e concordamos em não pernoitar em São Paulo. O trânsito nas avenidas próximas do aeroporto também parou, andamos em direção contrária à coluna de fumaça em busca de um táxi fora do entorno. Até então, os indícios não eram bons, mas não fazíamos ideia da extensão da tragédia. O motorista de táxi, tampouco. O rádio noticiava, ainda sem detalhes, praticamente só chamadas: "acaba de acontecer um acidente"...; bombeiros no local"...; "não há informações sobre vítimas", e não confirmava a procedência ou se o avião acidentado decolava e para onde.

Seguimos para o terminal rodoviário do Tietê. Lá, passamos rapidamente por TVs que abriam "plantões", ainda sem imagens do local do acidente. Não havia informações precisas sobre quantos passageiros o avião levava ou número de mortos, mas já se falava em tragédia. Corremos para comprar passagem e embarcar logo.

Enquanto estávamos no avião que não decolou havíamos desligado os celulares. Ao ativá-los, depois, pipocaram ligações. Amigos e parentes preocupados, especialmente aqueles que tinham o horário do nosso voo de volta e os colegas de quem nos despedimos após as reuniões e que sabiam que estaríamos embarcando naquele horário. No ônibus, rumo ao Rio, as informações iam sendo atualizadas no celular, 20 mortos, 50, 100, 150...

Evidentemente, não corremos qualquer risco. Mas ter estado tão próximos de um acontecimento tão triste, a poucos minutos de decolar da mesma pista onde o voo JJ3054 encontrou seu fim, foi um impacto a mais. Sempre que passo na Washington Luís e vejo a Praça Memorial 17 de Julho penso menos nesse relato pessoal desimportante que faço aqui e mais naquela noite triste, nas vítimas - que têm seus nomes esculpidos na mureta do espelho d'água -, e nas suas famílias.

E na impunidade que, ao que parece, só falta impôr aos passageiros a culpa pela tragédia de 17 de julho de 2007.