A data: 10 de julho de 1958, uma quarta-feira.
O local: o antigo estúdio da Odeon no quarto andar do edifício São Borja, à Avenida Rio Branco, 277, na Cinelândia.
A ocasião: a gravação do take definitivo do disco de 78 rpm Chega de Saudade/Bim-Bom, que entraria para a história como o marco inicial da bossa nova. Foram várias tentativas tumultuadas para se chegar à bolacha final.
Ruy Castro descreveu o clima no seu livro-reportagem Chega de saudade: “Gravando direto com a orquestra, ao vivo no estúdio, sem playback, ele [João Gilberto] interrompia take após take, ouvindo erros dos músicos que escapavam aos outros, e obrigando a orquestra inteira a tocar de novo. Em certos momentos, era como se todo mundo no estúdio fosse surdo, menos ele.”
Um dos focos da discórdia foi a exigência de João Gilberto de ter quatro homens na percussão: Milton Banana à bateria, Rubens Bassini nos bongôs, Juquinha no triângulo e Guarany na caixeta. Tudo isso para uma canção que durava nada além de dois minutos.
O percussionista Guarany Nogueira, que participou da gravação do LP "Chega de Saudade". |
A inclusão de Guarany Nogueira (1928-1980) na gravação seminal da bossa nova revela a grandeza do seu talento. Principalmente se levarmos em conta o fato de que o curitibano, vítima de poliomielite, usava aparelho ortopédico e só tinha movimento numa perna, um handicap terrível para um baterista.
Em Curitiba, Guarany tocou muito tempo no Ludus Tertius, trio completado por Norton Morozowicz, ao baixo, e Gebran Sabbag ao piano. Em sua temporada carioca, além de brilhar nos círculos da bossa nova, Guarany frequentou o circuito clássico: o maestro Eleazar de Carvalho queria prepará-lo para timpanista da Orquestra Sinfônica Brasileira.
Hélcio Milito, baterista do Tamba Trio, afirmou: “O Guarany era um grande percussionista, talvez um dos melhores do Brasil. Se assim não fosse, João Gilberto não teria exigido sua presença para gravar varias faixas do seu primeiro LP.”