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quinta-feira, 9 de março de 2017

O arraiá do beija-mão... #éironiaentendeu?

Parece que foi ontem: fila do beija-mão na corte de D. João  VI.  Reprodução
Na foto histórica, Otávio Mangabeira dá uma lambidinha "irônica" na mão de Eisenhower.
A imagem virou logotipo de submissão. Foto de Ibrahim Sued.


No filme "O Poderoso Chefão", cenas de beija-mão se repetem.
No caso, respeito e esperteza, que ninguém era bobo da corte.
Quem teria coragem para dizer a Don Corleone que o beijo era "ironia"?

por O.V.Pochê

Palavras e expressões e gestos são forças vivas e se reinventam ao longo dos tempos e eventos. Por exemplo, acabo de perceber que ironia não tem mais a acepção antes conhecida; festa de aniversário também não; e beijo na mão virou "questionamento".

Na política, ironia, agora, mais lembra um comentário que Leonel Brizola dirigia a correligionários que demonstravam incontido desejo de aderir ao adversário. "Fulano está costeando o alambrado". A intuição do gaúcho era tão aguda que, muitas vezes, nem mesmo o político que olhava para o alambrado com olho rútilo de cobiça, como diria Nelson Rodrigues, sabia que estava prestes a pular o muro rumo a novas conexões. As previsões de Brizola sobre a instabilidade existencial de certos companheiros geralmente se confirmavam.

De tão dissimuladas, as novas ironias deveriam vir com bula elucidativa. Ou com um aviso em hashtag: #éironiaentendeu?

A definição de ironia enquadra a frase ou expressão por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender. Ou seja, se você der um respeitoso beijo na mão em um elemento que tem ideias opostas às suas, na verdade você pode estar querendo passar ao público ou à mídia não um sinal de submissão mas um monte de ironia. O gesto não mostrará mas você quis destemidamente aproveitar uma reunião sócio-marqueteira para fazer graves cobranças e questionamentos através do tal beijaço. Só não entende isso quem tira o beija-mão do contexto, como se diz, ironicamente.

Beija-mão já rendeu foto histórica. Em 1946, Dwight Eisenhower visitou o Brasil. Atento, o então fotógrafo Ibrahim Sued registrou a reverência profundamente submissa do deputado baiano Otávio Mangabeira à mão do general que a Segunda Guerra Mundial tornou famoso e que governaria os Estados Unidos de 1953 a 1961. O vexame foi ainda maior porque Eisenhower ia apenas cumprimentar Mangabeira mas este, sôfrego, abocanhou a mão do visitante. Anos depois, entrevistado pelo jornalista Murilo Melo Filho, um dos diretores da extinta Manchete, Mangabeira confessou: "Me deixei trair pela emoção. Quando vi aquele homem estendendo a mão para mim, pensei que ele não queria apertar a minha mão, queria que eu beijasse…

Já as festas de aniversário dos ricos, famosos e poderosos há muito não são apenas para cantar inocentes "parabéns", são eventos de pessoas jurídicas ou ação de marketing para lustrar imagens e proporcionar selfies da realidade nacional. Ninguém está ali a passeio. Quando o mailing list de tais eventos é político, na atual fase, aí o bicho pega. São tantos os citados em delações reunidos em uma mesma sala que não demora muito os convites para tais festas serão tornozeleiras eletrônicas customizadas. E isso não é ironia.