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terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A melhor arma do jornalismo profissional contra fake news é a velha e boa honestidade aliada a uma antiga lição: apurar antes de publicar. Parece básico, mas não é...

por José Esmeraldo Gonçalves

Em tempo de fake news - fenômeno impulsionado por redes sociais, mas ao qual a grande mídia nunca esteve imune -, uma tentativa de fazer com que o Washington Post caísse em uma armadilha apontou para uma antiga lição: nunca dispensar a apuração rigorosa dos fatos antes da publicação.

É norma básica do jornalismo, até "cláusula pétrea", como se diz da Constituição, mas é muitas vezes desprezada pela pressa (nos sites dos veículos é grande a pressão para volume de cliques), por engano ou por interesses políticos, corporativos e até pessoais dos veículos, dos seus editores e colunistas.

A maior parte das fake news que circula em redes sociais, os fatos mais absurdos e até inverossímeis, é compartilhada e passada adiante por pessoas que "querem muito" acreditar naquele conteúdo que "combina" com suas ideias ou opiniões sobre determinados fatos ou pessoas. Não seria exagero dizer que o mesmo sentimento ou interesse pode levar um jornalista a ser, digamos, receptivo, a uma notícia falsa. Os bons profissionais devem resistir a esse impulso e deixar permanentemente ligado o alerta de fake news.   

O Veritas Project, organização americana de extrema direita, enviou um email à repórter Beth Reinhard com um "dica" explosiva sobre Roy Moore, candidato ao senado do Alabama. Segundo a "fonte", o político teria se envolvido com adolescentes no fim dos anos 1970 e obrigado uma delas a fazer um aborto. A repórter entrevistou a "fonte" duas vezes, percebeu lacunas do relato, incoerências, recusa em dar detalhes precisos sobre a suposta vítima. O Washington Post não publicou a história e optou corretamente por apurar e denunciar o grupo especializado em produzir fake news.

O Washington Post admite o uso eventual de "fonte" não identificada. Mas os editores exigem, nesse caso, que os repórteres investiguem seus informantes, suas ligações e, principalmente, suas motivações. Qual o interesse em passar adiante determinada informação? Em quais circunstâncias teve acesso à informação? A quem será útil? Quem se beneficiará daquela revelação, o leitor ou a "fonte'?

A grande mídia brasileira está longe de ser assim tão rigorosa. Claro que já foi pior. Aqui, há um flagrante excesso no uso da figura de "um interlocutor", "uma pessoa próxima" e "fontes ligadas ao fulano" etc, não como uma indicação para a apuração de uma informação, mas como a própria informação pronta e acabada e assim levada ao público. Nos anos 1950 e 1960, algumas reportagens eram peças de ficção, como seus próprios autores revelaram anos depois. Na década de 1970, a mídia ratificava as versões oficiais sobre fatos que envolviam a guerrilha urbana, crises econômicas e omitia, por exemplo, tragédias ambientais e o extermínio de tribos cometidos em obras como a Transamazônica e a instalação de agrovilas em plena floresta. Nem sempre sob veto da censura, quando esta estava ao lado dos mesmos e corporativos interesses. Houve depois o Caso da Escola Base, do programa de TV entrevistando falso líder do PCC, outro que exaltou falso filho do dono de uma companhia aérea, além de pós-verdades e omissões deliberadas de determinados escândalos de corrupção. Há pouco meses, o caso do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina, mostrou a passividade da grande mídia diante da versão oficial de uma operação contra suposto desvio de recursos na instituição. O reitor foi enfaticamente citado como envolvido nos roubos, quando estes, se efetivamente provados, aconteceram antes da sua gestão. Cancellier era alvo da operação apenas por uma também até aqui suposta "interferência nas investigações". O reitor, como se sabe, se suicidou e, em bilhete, atribuiu o gesto à injustiça sofrida, o que nenhuma agência de checagem ajudaria a corrigir.

O aparecimento de agências de checagem de notícias, especialmente sobre fatos ou declarações que têm origem nos discursos e números que autoridades divulgam, é bem-vindo. Mas não basta, até porque a checagem é feita a posteriori. Se a notícia publicada for falsa, os seus efeitos já terão se realizado. Muito antes da onda das fake news alguns colunistas já eram criticados por publicar a notinha recebida de uma "fonte", não checa-la (sob a alegação de "falta de tempo") e, no dia seguinte, publicar o desmentido. Com se fosse legítima essa espécie de efeito suspensivo da fake news por 24 horas. E os danos às vítimas da informação inverídica?

No ano que vem, prevê-se, no Brasil, tsunamis de fake news, robôs e algoritmos como elementos de  campanhas eleitorais. A participação das agências e sites de checagem será essencial. E o rigor na apuração dos fatos e notinhas, antes da publicação e não como suíte de matérias e colunas, é o que os leitores merecem esperar da grande mídia.

Há alguns meses, The New York Times - precisamente em função dos efeitos das polêmicas sobre a cobertura das últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos -, lançou uma grande campanha publicitária cujo tema seria bem aplicado aqui no complicado ano que vem: “The Truth Is Hard to Find”.

Fácil não é, mas deveria se obrigatória.