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quinta-feira, 2 de março de 2017

Carnaval, Portela, acidentes, blocos, polêmicas...

Comemoração na quadra da Portela; legítima campeã. Foto Agência Brasil. 

* Esse carnaval deveria ser lembrado apenas pela merecida vitória da Portela. Madureira vibrou, chorou, cantou, após 33 anos de espera. Um título que fazia falta ao Rio. A Portela é a maior vencedora dos desfiles das escolas de samba, mas amargava um penoso jejum. Infelizmente, o Sambódromo não foi só a avenida da festa. Os acidentes com os carros da Tuiuti e Unidos da Tijuca são o ponto cinza no show de cores. Devem ser rigorosamente apurados e identificados os responsáveis. A perícia determinará se foi falha estrutural, mecânica ou erro humano. No caso do carro da Tuiuti, o motorista, segundo seu depoimento, teria recebido ordens desencontradas de várias pessoas ao fazer a manobra, além disso, tinha pouca visibilidade e estreava na função. Mas a polícia ainda examina outros componentes e acessórios do veículo e colhe depoimentos. A conclusão da investigação deve demorar alguns dias. No caso da alegoria da Unidos da Tijuca, várias hipóteses são especuladas; excesso de peso, falha estrutural e o suposto não travamento, por falçha humana, de um pistão etc. Aguarde-se o relatório oficial.

* A Liesa (Ligadas Escolas de Samba do Rio de Janeiro) se reuniu com os presidentes de todas as escolas e decidiu que, em função do acidente que deixou mais de 30 feridos e afetou o espetáculo, nenhuma agremiação seria rebaixada. A medida tem provocado críticas, embora não seja inédita. Em uma ocasião, pelo menos, quando houve um incêndio na Cidade do Samba, com destruição de alegorias de várias escolas, o rebaixamento também foi cancelado. De qualquer forma, há quem interprete que a ausência de punição para as escolas envolvidas, sem que os inquéritos tenham sido concluídos e as responsabilidades claramente apuradas, é um precedente arriscado e pode levar a uma insegurança em termos de regulamentos dos desfiles.

Reprodução FSP
* Dizem que uma das características dos jornalistas é tirar conclusões muito rápidas. Eles sacam um fato e com a rapidez de um pistoleiro do Velho Oeste determinam o que aquilo significa para o destino da humanidade. Um articulista da Folha decretou que "o carnaval do Rio é "arcaico e indulgente com a segurança". Esses dois acidentes são os piores da história dos desfiles que, ao longo de décadas, registraram imprevistos bem menos graves. Na maioria, carros quebrados, sem vítimas, e dois acidentes mais perigosos: um incêndio que poderia ter consequências graves mas foi debelado a tempo, e um destaque que se desequilibrou com o movimento da alegoria e se feriu com gravidade na queda. O caso do desfilante acidentado resultou no aperfeiçoamento das barras protetoras e no uso de cabos de segurança para os destaques em posição mais crítica. O incêndio reforçou medidas como extintores e novos parâmetros materiais e de instalações elétricas. Não dá para condenar precipitadamente toda uma festa que não tem um histórico de acidentes graves. Seria o mesmo que banir jornais das bancas por causa do famoso caso da Escola Base. E é preciso definir o 'arcaico" lançado assim com uma comissão de frente genérica. A chamada do artigo se refere ao "Carnaval do Rio de Janeiro". A infraestrutura, a cultura, as alegorias, o Sambódromo, o samba, o povão, a Serrinha, Madureira, Oswaldo Cruz, o Rio? Os acidentes desse ano precisam ser levados a sério e devem provocar novas medidas de segurança. Principalmente, em respeito ao público e aos integrantes das escolas. Os desfiles das escolas lotam o sambódromo há semanas, desde os ensaios técnicos às datas oficiais. Atraem mais gente do que a Folha assinantes. Cariocas, turistas e desfilantes não pensam em abrir mão da festa "arcaica", mas merecem segurança total.

* Mais um detalhe que impõe precauções extras: há dois anos, foi retirada a "ponte" ou "torre", como os jornalistas a apelidavam, a plataforma para fotógrafos e TV, no fim da pista, pouco antes da Praça da Apoteose. Foi substituída por uma plataforma lateral provisória. A estrutura fica era um limite natural para a altura dos carros alegóricos, embora, mesmo com a "ponte", alguns carnavalesco tenham recorrido a mecanismos hidráulicos que recolhiam o topo das alegorias para poder passar sobre a estrutura. Os carros são tradicionalmente mais altos desde que a era Sambódromo começou, mas a "ponte" era o último obstáculo para que eles crescessem ainda mais.

* A Liesa costuma fazer um reunião de avaliação dos desfiles. O que se espera é que 2017 deixe lições e gerem medidas de segurança mais rigorosas por parte dos presidentes das escolas, inicialmente e uma fiscalização mais completa por parte das instituições públicas.

* O prefeito do Rio, Marcelo Crivela, foi eleito pelos cariocas de todos os credos, os sem credos, os descrentes e os incrédulos. Certo? Aparentemente, não é o que ele pensa. Ele preferiu ser o vexame da temporada. Primeiro, era esperado na tradicional e simbólica cerimônia de entrega das chaves, deixou carnavalescos aguardando por horas e não compareceu. Preferiu humilhá-los. No mínimo, falta de educação. Depois, não foi ao Sambódromo, nem mesmo para o gesto formal de saudar as escolas e abrir os desfiles. Tornou-se primeiro prefeito do Rio a desprestigiar, no caso, rejeitar, uma das maiores festas da cidade, aquela que atrai mais turistas, gera empregos formais e informais e mais se reflete na arrecadação municipal. A decisão do prefeito foi por motivos religiosos. Só que, como prefeito, ele não representa apenas os fiéis da sua sigla. E mesmo que sua posição fundamentalista fosse o lamentável entrave bem que poderia ter avisado antes e não apenas ficar enrolando. Teria sido uma atitude mais honesta. Não justificaria o desrespeito ao cargo, que não representa uma igreja, mas, como se diz no samba, teria sido um "papo reto" de homem.

Reprodução FSP
* No Irã, a censura do fundamentalismo islâmico mandou cobrir o decote que a atriz Charlize Theron exibiu durante a entrega do Oscar. Espera-se que o prefeito do Rio não chegue a esse extremo como condição dar ao Sambódromo a honra da sua presença no ano que vem.

* As escolas precisam de patrocínio. Algumas já exageraram nos merchandising adotando enredos artificiais e que não funcionaram, a grande maioria, na avenida. Esse ano, em função da crise, foram poucos os patrocínios. Mas foi bom ver desfiles e enredos sem aquelas referências quase explícitas aos patrocinadores.

* Foi bonito ver a Beija Flor encerrar o desfile de domingo e arrastar um multidão. Era o bloco do Sambódromo brincando o carnaval.

* Os blocos fizeram o Rio cantar e dançar. Impressionante é a palavra. Sons e ritmos para todos os gostos, muitas cores e fantasias. E milhões de foliões. Se a infraestrutura (segurança, transporte e banheiros) não acompanha o extraordinário crescimento, os problemas aumentam. Sujeira, roubos, metrô superlotado foram alguns dos problemas. Blocos da Liga Sebastiana, principalmente, estão reivindicando mudanças. Com razão. Os blocos de bairro, que provocaram o renascimento do carnaval de rua e cresceram exatamente em função desse renascimento vitorioso, bancam músicos e segurança privada, por exemplo. A Prefeitura do Rio tem adotado a fórmula de um patrocinador único. Fundadores de blocos tradicionais acham que é hora de rever a exclusividade. Os blocos precisam ter maior participação nos recursos arrecadados. Para alguns, se não houver mudança, será impossível botar o bloco na rua no carnaval de 2018. Melhor ouvi-los.