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sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Elza Soares: a mulher do fim do mundo venceu

 

O jornalista Renato Sérgio fez a útima matéria com Elza Soares para a Manchete.
Foi em 1994. A foto é de Armando Borges.

Ronaldo Bôscoli assinou um perfil de Elza em 1960. Era a primeira matéria da cantora para a revista três anos após iniciar a carreira profissional. A foto é de Gil Pinheiro.

Um ano depois, em 1961, Elza era convidada para almoço festivo na gráfica da Manchete em Parada de Lucas, No foto, com Ismael Correia, o cantor Carlos José e Oswaldo Sargentelli. Foto Manchete

por José Esmeraldo Gonçalves

Cancelada. No começo dos anos 1960, a palavra que hoje define a fúria das redes sociais era, no máximo, carimbo de papelada de burocrata de repartição. Não existia como sentença digital. Mas existia, sim, o sentimento coletivo raivoso que não nasceu com a internet. 

Elza Soares foi "cancelada" por parte da opinião pública impulsionada pela imprensaa. O motivo? O caso de amor com Garrincha, então casado, com vários filhos e mais um a caminho. Um mix de moralismo e racismo condenou o jogador e a cantora "destruidora de lares". Onde o casal vivia uma paixão, a sociedade inquisitorial via a desonra, a desgraça. Elza superou isso e todas as outtras armadilhas que a vida pôs no seu caminho antes de depois da fama. 

A Manchete acompanhou a trajetória da cantora no Brasil e no exterior. A primeira matéria é do começo dos 1960; a última já na década de 1990, quando a revista se aproximava do fim. 

Elza e Louis Armstrong em Montevidéu, 1962, após show juntos.

Embora convidada para um show, Elza foi barrada na portaria do Flamengo. Ela denunciou que foi vítima de racismo. O então presidente do clube, Fadel Fadel, pediu desculpss. Manchete registrou.

Elza ditou uma biografia, que chamou de "diário". Um juiz proibiu o livro. Alegou que era pornográfico.

Garrincha e Elza: o começo da relação foi muito criticado pela imprensa. Momentos de paz, como esse, vieram depois.

Paris, 1971 Reprodução Manchete

Estão lá, registrados, o começo da fama, os dramas, episódios de racismo, a temporada na Itália, os vários encontros e reencontros com o sucesso, a biografia proibida por um juiz que leu pornografia onde ela contava drama, fome, violência na sua vida da menina que foi obrigada a se casar aos 13 anos. 
Elza e Garrincha em 1963. Foto de Gil Pinheiro-Manchete

Manchete também cobriu o folhetim da relação de Elza e Garrincha e não escapou, ao lado dos jornais, das rádios e TV de pontuar em algumas matérias o moralismo doentio que via em Elza a vilã de um romance. Ironias e insinuações, às vezes mal contidas, respingavem em textos sobre o assunto. Registre-se que o "caso" virou casamento e a revista foi mais isenta e respeitosa ao focalizar os dois em muitas reportagens posteriores à onda do cancelamento. E, diga-se também, que sempre valorizou nas suas páginas em entrevistas e incontáveis fotos a ascensão profissional da grande Elza Soares. 

A cantora morreu ontem, em casa, serena, em paz, aos 91 anos. Dizem que presentiu a morte e avisou a quem estava em volta do seu leito. Estava indo. Assim, sem medo, com foi sua vida de guerreira. Aquele cancelamento? Ficou no passado, passou. É grande a repercussão e a admiração que a mídiaem geral registra hoje sobre a vida, a luta e o talento de Elza.