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sábado, 13 de janeiro de 2024

Reconhecimento facial: o uso público e o risco de abuso privado

Reprodução

A cada dia, a tecnologia de reconhecimento facial é incorporada a redes de câmeras em áreas públicas e privadas no Brasil. São instrumentos importantes para a segurança. No Rio de Janeiro, foram usadas câmeras especiais em Copacabana, durante o réveillon. O sistema teria ajudado a coibir furtos e roubos, mas ainda mostrou falhas que podem levar a erros graves. Pelo menos uma pessoa foi identificada, detida e, em seguida, solta porque o banco de dados acessado assinalou que se trataria de um indivíduo procurado, embora o mandado de prisão estivesse inválido. A vítima já não devia contas à justiça. Ocorreram no Rio, em outras ocasiões, anteriores à nova tecnologia, casos de falsa identificação em álbuns digitais de fotos em delegacias que resultaram em prisões injustas também posteriormente anuladas por juízes. No caso, as fotos supostamente apontadas por testemunhas não correspondiam à pessoa inocente e presa. É necessário, à medida em que as redes de câmeras se espalhem, que os critérios sejam aperfeiçoados, os bancos de imagens e dados unificados e mantidos atualizados.

O reconhecimento facial é hoje uma ferramenta indispensável, por exemplo, na liberação de acesso a edifícios, autenticação em contas bancárias ou quaisquer outros aplicativos, reconhecimento de suspeitos ou identificação de pessoas desaparecidas. A tecnologia busca particularidades faciais que diferenciem um individuo de outro, converte a imagem em dados e tenta localizar um rosto correpondente em grandes bancos de imagens.  

Há, contudo, o risco da aplicação equivocada e há grupos que fogem à Lei Geral de Proteção de Dados operando bancos de imagens ilegais. Em Brasília, segundo o portal Metrópoles, motoristas foram stalkeados por câmeras clandestinas. A investigação mostrou que falsas empresas privadas instalaram uma rede de câmeras pela cidade e em rodovias do DF. A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), segundo o Metrópoles, identificou um esquema criminoso que monitorava o trânsito. Através de métodos sofisticados, os hackers captavam placas e levantavam dados e trajetos dos motoristas e os revendiam a interessados. Autoridades foram monitoradas e sabe-se que um delegado de polícia do DF passou a receber ameaças de hackers após ter seu carro monitorado. 

No Rio de Janeiro, há registros de intimidação de pessoas por parte de "bancos de imagens" em grupos de whatsapp privados de restaurantes, supermercados e do comércio em geral. O problema é que nem sempre os alvos que os grupos selecionam terão cometido alguma irregularidade ou crime. Um desentendimento qualquer, reclamar da conta e do serviço, por exemplo, ou uma suspeita infundada pode levar alguém a ter a foto inserida no tal banco de dados informal. A imagem é compartilhada, espalha-se nos grupos e a grande maioria dos integrantes do esquema privado de vigilância provavelmente nem sabe porque o alvo está listado ali. Mesmo assim, a pessoa passa a ser fotografada sucessivamente em outros estabelecimentos. Indivíduos que não cometeram qualquer crime, embora não abordados, são intimidados pela situação inusitada, tornam-se "marcados", são seguidos ostensivamente. Situações de risco podem acontecer com origem em um "banco de dados" ilegal e tão informal quanto perigoso. 

Vale lembrar que a Lei Geral de Proteção de Dados assegura o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais, por meio de práticas transparentes e seguras, garantindo todos os direitos fundamentais. E isso é aplicável a todas os agentes ou empresas que coletam e tratam dados pessoais de terceiros. Além disso, a transparência é fundamental: devem ser adotadas regras claras e de fácil acesso para a captação de dados e imagens pessoais.

Aguarda aprovação na Câmara dos Deputados um projeto de lei que pretende regulamentar o uso do reconhecimento facial, mas a proposta se refere apenas às forças de segurança pública e não enquadra o uso policialesco da tecnologia por grupos privados. Uma boa pauta para a mídia é levantar o funcionamento do reconhecimento facial, na prática, tanto nas instalações públicas quando privadas e "informais", como no exemplo citado acima. Quanto mais os abusos forem identificados, mais a tecnologia será útil para a segurança pública.