Por ROBERTO MUGGIATI
Em 1983, Justino Martins, editor da Manchete, me encomendou uma série. Na gíria “joia” e “chuchu-beleza” da época (jóia com acento e xuxu-beleza com xis) ela se chamaria “Os jovens que balançaram o coreto”.
(Bagunçaram já seria exagero e balançaram tinha mais suingue...)
Escolha óbvia para abrir a série, Bob Dylan era o poeta pop profeta dos novos tempos, anunciando coisas terríveis em suas letras líricas e cáusticas.
Intitulada BOB DYLAN/O TROVADOR DO PROTESTO, a matéria abria assim: “No meio da década de 60, um jovem cantor colocava contra a parede a classe média americana: ‘Alguma coisa está acontecendo, mas você não sabe o que é, sabe, Mr. Jones?’ Claro, os Mr. Jones da América nada sabiam do que estava acontecendo. Quem sabia eram seus filhos, os próprios agentes silenciosos daquela revolução. Na verdade, não tão silenciosos, porque suas armas eram a voz e o violão.”
Sempre antenado nas artes (duplo sentido) da juventude, Justino tinha começado a se interessar por rock para “entender” a filha adolescente (Maria) Valéria. Lembro uma noite de sábado no Maracanã, nós assistindo ao show do Kiss – aquela banda escabrosa de heavy metal que estava no auge. VIPs, ficamos no gramado do Maraca. A certa altura, vi o Justino, no meio de toda aquela barulheira, cochilando apoiado numa grade de proteção. A doença já havia tomado conta e ele se foi em agosto – uma morte que costumo chamar de simbólica, porque a TV Manchete tinha ido ao ar em junho e começara seu lento, mas firme, trabalho de sepultar a editora com todas as suas revistas.
Da série “Os jovens que balançaram o coreto” separei alguns perfis dos roqueiros, escrevi outros, e publiquei em 1984, em forma de livro, pela L&PM com o título de Rock: do sonho ao pesadelo.
(Ainda Dylan: numa de suas primeiras turnês pelo Brasil, minha sobrinha Anna Muggiati – que também trabalhou na Manchete – serviu de intérprete para ele. Dylan fez questão de fazer o trajeto São Paulo-Rio de ônibus e parou no meio da viagem para ver a paisagem mais de perto.) Aliás, o roqueiro ainda continua na sua Never Ending Tour, iniciada em 1988, fazendo uma média de cem shows por ano, quase um a cada três dias.
Finalmente, 115 anos depois de instituído o prêmio, a Academia Sueca resolveu conceder o Nobel de Literatura a um poeta pop. Nos corredores da Manchete, o (Carlos Heitor) Cony costumava gozar meu entusiasmo pelo rock e aquilo que ele chamou de “o legado cultural de John Lennon”.
Está vendo aí, Cony? Academia e contracultura não estão mais tão distantes e/ou opostas como naqueles tempos. . .
A SEGUIR, NA ÍNTEGRA, REPRODUÇÃO DO TEXTO DE ROBERTO MUGGIATI SOBRE BOB DYLAN PUBLICADO NA MANCHETE E, POSTERIORMENTE, NO LIVRO "ROCK: DO SONHO AO PESADELO"
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