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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

O Brasil Bizarro passando na sua timeline. É a reedição do shockdoc Mondo Cane

por O. V. Pochê 

Nos anos 1960, fazia sucesso nos cinemas o documentário italiano Mondo Cane (*). Era um longa metragem colorido que registrava bizarrices através do mundo. Os críticos logo criaram um termo para enquadrar a novidade: shockumentary. O filme era sensacionalista ao extremo, focalizava curiosidades, violência, hábitos e culturas exóticas, o grotesco e o incomum.  Só usava cenas reais que faziam jus ao título. A Netflix, quem sabe, podia se inspirar no Brasil atual e lançar uma série sobre o mundo paralelo em que estamos mergulhados.

O Brasil perdeu o sentido e isso rende um Mondo Cane só nosso. Sintam a bizarrice dos fatos:

* Dinheiro bronzeado mostra seu valor - Paulo Vieira de Souza, apontado como operador do esquema de corrupção do PSDB, guardava em uma casa e em um apartamento cerca de R$ 100 milhões em cédulas. Ao contrário do político baiano Geddel Vieira de Lima (não são parentes, apesar do Vieira em comum), que mantinha em um apartamento R$ 55 milhões em notas acondicionadas de qualquer jeito em malas e caixas de papelão, o contador do tesouro dos tucanos tinha especial carinho pela grana. Ele se dava ao paciente trabalho de expor as cédulas ao sol, como se fossem finas folhas de chá, para evitar mofo e ataque de traças, pegar um bronze ou, talvez, pelo simples prazer quase orgástico de olhar a dinheirama acumulada. Daria uma cena ótima. Lembra Peter Sellers em "Muito Além do Jardim" que se isola do mundo - seu único contato com o exterior é a TV - e passa os dias a cuidar do jardim, recolher folhas secas, manejar a terra e as plantas.

* Retardados - O Brasil acaba de passar por sua primeira grande crise política que se desenrolou inteiramente nas redes sociais. A baixaria passou na timeline do país. WhatApp e twitter foram as tribunas em tempo real de um medíocre jogo de poder. Tanto nas gravações divulgadas quanto nas mensagens do ministro defenestrado, do paipai e do pimpolho, o conteúdo é de briga de adolescente. Tal qual teenager que desiste de "ficar". Após o bate-boca, os contendores bloquearam contas, mudaram fotos de perfis, eliminaram álbuns de imagens onde apareciam juntos e revisaram likes e deslikes. A crise que evoluiu em dois dedos - os de teclar - também daria um cena didática e inusitada.

* O massacre do contêiner - Mondo Cane tinha cenas reais de tragédias. Não havia a profusão de imagens que os smartphones proporcionam hoje, mas sequências de incêndios, inundações e avalanches tinham lá seu espaço. No Brasil, um clube de futebol, o Flamengo, alojou garotos em contêineres que tinham apenas uma mísera porta de saída. Um incêndio devastou o precário dormitório que se transformou em um forno de gás e chamas e fez dez vítimas fatais. Uma cena forte. O Brasil Bizarro tem disso.

* A goiabeira sagrada - Monde Cane focalizava, às vezes, seitas e misticismo em regiões remotas. O Brasil Bizarro também teve seu recente episódio transcendental. Uma ministra da "nova era" revelou que certa vez deparou-se com ninguém menos do que Jesus trepado em uma goiabeira. É a filmagem da cena pronta. A ministra não chegou a ser original. Em 1917, a mãe de Jesus apareceu para três pequenos pastores em Fátima, Portugal. Nossa Senhora, segundo os meninos, escalava uma azinheira. Em Portugal, a árvore virou local de peregrinação. O doc Mondo Cane, ou Brasil Bizarro, relacionaria as duas aparições e mostraria ao mundo a goiabeira sagrada que o nosso jornalismo investigativo ainda não localizou. 

* Curso de engenharia à distância - Ainda na linha dos desastres, o novo Mondo Cane poderia dedicar uma sequência à engenharia cabocla. O povo gosta de cinema-catástrofe. Ciclovias que desabam, viadutos que racham, lama de barragens que desce encostas, prédios que se implodem, estádio que ameaça desabar e é interditado poucos meses depois de inaugurado... nem precisa filmar, tudo isso foi registrado em vídeos amadores.

* Fogo na Cultura - Nessa mesma linha, o novo Mondo Cane poderia abordar a mania que os brasileiros têm de tocar fogo em museus. Se não acendem o pavio efetivamente, deixam rolar por pura negligência. São cenas impactantes para o shockdoc.

* Tempestade na Floresta - Essa cena o novo Mondo Cane tem que esperar para ver se acontece. Mas não é impossível. Com Donald Trump à frente é cada vez maior a ameaça de invasão à Venezuela. Brasil e Colômbia, princialmente, seriam acionados pelos falcões de Trump. Esses países estão esperando Bogotá cair de maduro. Se não, a coalizão cucaracha vai agir. Dizem que os dois prováveis aliados dos americanos só teriam munição para uma hora de guerra e pouca vacina contra febre amarela, malária, dengue, zika e chikungunya. Nada que Tio Sam não resolva. As câmeras do Mondo Cane vão adorar.

* Territórios ocupados -  Uma das coisas que o Brasil se orgulha é do seu imenso território, que se manteve íntegro e soberano apesar de invasões francesas, holandesas, paraguaia. A República era una e indivisível. Não mais. O novo Mondo Cane mostrará que em várias regiões organizações criminosas que dominam territórios que já pertenceram ao Brasil têm armas, exércitos, leis, taxas, serviços, setores de importação e exportação, estrutura financeira, religião, políticos e justiça próprios. Se instituir  passaporte e criar bandeira e hino podem reivindicar uma cadeira na ONU..

*Ciência dos 'doidim' - A parcela de brasileiros que acredita que a Terra é plana já existia mas era, digamos, tímida. Agora eles chegaram ao poder, têm representantes no primeiro escalão. Fazem reuniões, seminários, planejam levar a teoria às escolas e preparam excursões náuticas para explorar o fim do mapa mundi, o local onde, segundo eles, a água do mar desaba em um uma cachoeira infinita. Mondo Cane poderá acompanhar uma dessas expedições.

Difícil vai ser editar esse shockdoc. O Brasil Bizarro escreve diariamente novos capítulos do seu roteiro surreal.

(*) Apesar do estilo tosco, "Mondo Cane" foi indicado ao Oscar de Melhor Canção Original de 1963. "More", de Riz Ortolani e Nino Oliviero, contrastava com a violência e até o mau gosto do documentário.  
Ouça AQUI