Paris, 1961: eu no paredão, coberto de anúncios de pacotes de excursões turísticas para estações de ski. Foto Arquivo Pessoal |
Sabe essas mulheres que o provocam com vara curta? A imagem fálica é cabível. Vão até pra cama, mas não vão até o fim. Assim foi meu caso com a brasileirinha mignon, bolsista em Paris como eu. Perdidos numa noite de sábado na rive gauche, acabamos num hotelzinho barato perto da place Saint Germain, o Helvétia. Depois de muita pegação, só pegamos no sono quando já amanhecia, em conchinha, irmãozinhos. À noite de domingo ligo para ela de um orelhão do aeroporto de Orly, mando abraços e beijinhos sem ter fim. Eu viajava como jornalista convidado para uma visita oficial à Alemanha. Ela iria passar o Natal numa estação de ski austríaca, eu a encontraria lá no dia 24 de dezembro. O mundo vivia um momento histórico especial: mal cheguei a Berlim me levaram para tirar fotos no “Muro da Vergonha”, erguido havia apenas quatro meses. Mandaram as fotos para jornais do Brasil inteiro. Sentia-me mal, usado como peça de propaganda capitalista, mas tinha minhas compensações. Em cada cidade, o convidado da InterNationes tinha à sua disposição um guia-interprete alemão. Em Berlim, minha guia foi Ursula, trinta pra quarenta anos, simpática, amante de cachorros, quis logo saber da pequinesa Lady que eu deixara em Curitiba. Levou-me a um restaurante de comida asiática, um prato excitou minha curiosidade (e palato) – Reistafel indonésio aos 48 sabores. O maître explicou que era um prato que, por sua complexidade, precisava ser encomendado de véspera. Encomendamos. Outra noite, jantando na cobertura do Hilton, topamos com o coquetel de lançamento do filme Julgamento em Nurembergue – pasmem, vi de perto meus ídolos Spencer Tracy, Montgomery Clift e Judy Garland. O megaelenco todo foi obrigado a comparecer, Burt Lancaster foi multado pela produtora porque não deu as caras – aquele foi o mais caro lançamento de um filme na história do show business.
Em Munique, o guia era um velhinho que me levou na primeira noite a um programa de sua predileção, Holiday on Ice, com cadeira de frente colada à pista de gelo, tremi de frio durante todo o show, a cidade estava sob uma onda de frio com temperatura negativa de 12 graus. Desligando-me da viagem paga, fiquei por conta própria, em hotéis mais baratos. Encontrei numa turma de brasileiros – imaginem! – minha ex-colega do Colégio Estadual do Paraná, Angela Häusler, nos anos 50 era meninas de um lado, meninos do outro – namorávamos à distância debaixo dos pilotis. Ignorante completo, fui conhecer Salzburgo, a cidade de Mozart. Burgo de alma primaveril (lembram das cenas iniciais da Noviça rebelde?), estava irreconhecível no inverno, soterrado pela neve. Andando na neve no meu recorde de temperatura negativa – 26 abaixo de zero – ficava com os pés congelados, tinha de entrar num café e passar uma hora me aquecendo, sorvendo lentamente um cafezinho que logo esfriava. Os jornais do dia, na língua local, enquadrados em “paus”, de nada me adiantavam.
Tirol.Reprodução |
À meia-noite fomos à Missa do Galo na igrejinha local, comoveu-me ouvir a Noite Feliz – Stille Nacht, em alemão – que me acompanhava nos natais familiares de Curitiba, cantada no berço original. A música foi composta não muito longe dali, na cidadezinha de Oberndorf e tem uma história curiosa.
Transcrevo direto da Wikipedia:
Na vila de Oberndorf, o padre Joseph Mohr saiu atrás de seu amigo músico Franz Xaver Gruber para que transformasse em melodia um poema que ele havia escrito, a fim de que fosse tocada na missa de Natal que aconteceria horas depois. Algumas fontes dizem que Mohr havia criado a letra dois anos antes, em 1816; outras dizem que o padre a escreveu no caminho até Gruber, pois, em verdade, Mohr não estava atrás do músico, mas atrás de um instrumento para ser tocado na Missa do Galo de 1818, já que o órgão de sua paróquia teria tido os foles roídos por ratos.
A canção se tornaria o terceiro single mais vendido de todos os tempos, com cerca de 30 milhões de cópias comercializadas no mundo inteiro. Terminado o serviço, foi cada um para o seu canto, não havia vida noturna na pacata Sölden.
O dia seguinte foi de DR absoluta, eu e Ela pelas ruas vazias. Estranhamento total. Eu pensava: “Por que vim passar o fim do ano neste fim de mundo?” A mídia anunciava em letras garrafais o início da Revolução Sexual – estávamos no final de 1961 – mas não havia combinado com os jovens, ainda confusos diante de tanta liberdade. Esqueceram de nos dar um manual do usuário. Eu andava com um minidicionário Alemão-Português por toda parte, Ela me arrancou o livro da mão numa ponte e jogou na correnteza gelada lá embaixo. Foi quando o libriano em mim interveio:
– Olha só, vamos dar um tempo? A gente se encontra pro réveillon em Munique, tá?
Na manhã seguinte peguei um pequeno ônibus local para sair daquele buraco. A viagem parecia não acabar nunca. O ônibus serpenteava por uma estradinha apertada entre montanhas majestosas com cachoeiras congeladas, era um espetáculo da natureza que poucos tiveram o privilégio de desfrutar na vida. A dor-de-cotovelo era tanta que demorei a me dar conta de que o ônibus tinha um sistema de som a bordo. Quando comecei a ouvir, imaginem só o que estava tocando? Recuerdos de Ypacarai com as Harpas Paraguaias. Não podia haver combinação melhor: cachoeiras congeladas e harpas paraguaias. Vocês não imaginam como eu gostaria de refazer neste Natal aquela viagem de sessenta anos atrás. Com todas as cachoeiras congeladas e harpas paraguaias do mundo.
• Sintam o clima, com letra e música
https://www.youtube.com/watch?v=Dh08NPL0Dsk
Recuerdos de Ypacaraí
Musica: Demetrio Ortiz - Letra: Zulema de Mirkin
Na vila de Oberndorf, o padre Joseph Mohr saiu atrás de seu amigo músico Franz Xaver Gruber para que transformasse em melodia um poema que ele havia escrito, a fim de que fosse tocada na missa de Natal que aconteceria horas depois. Algumas fontes dizem que Mohr havia criado a letra dois anos antes, em 1816; outras dizem que o padre a escreveu no caminho até Gruber, pois, em verdade, Mohr não estava atrás do músico, mas atrás de um instrumento para ser tocado na Missa do Galo de 1818, já que o órgão de sua paróquia teria tido os foles roídos por ratos.
A canção se tornaria o terceiro single mais vendido de todos os tempos, com cerca de 30 milhões de cópias comercializadas no mundo inteiro. Terminado o serviço, foi cada um para o seu canto, não havia vida noturna na pacata Sölden.
O dia seguinte foi de DR absoluta, eu e Ela pelas ruas vazias. Estranhamento total. Eu pensava: “Por que vim passar o fim do ano neste fim de mundo?” A mídia anunciava em letras garrafais o início da Revolução Sexual – estávamos no final de 1961 – mas não havia combinado com os jovens, ainda confusos diante de tanta liberdade. Esqueceram de nos dar um manual do usuário. Eu andava com um minidicionário Alemão-Português por toda parte, Ela me arrancou o livro da mão numa ponte e jogou na correnteza gelada lá embaixo. Foi quando o libriano em mim interveio:
– Olha só, vamos dar um tempo? A gente se encontra pro réveillon em Munique, tá?
Na manhã seguinte peguei um pequeno ônibus local para sair daquele buraco. A viagem parecia não acabar nunca. O ônibus serpenteava por uma estradinha apertada entre montanhas majestosas com cachoeiras congeladas, era um espetáculo da natureza que poucos tiveram o privilégio de desfrutar na vida. A dor-de-cotovelo era tanta que demorei a me dar conta de que o ônibus tinha um sistema de som a bordo. Quando comecei a ouvir, imaginem só o que estava tocando? Recuerdos de Ypacarai com as Harpas Paraguaias. Não podia haver combinação melhor: cachoeiras congeladas e harpas paraguaias. Vocês não imaginam como eu gostaria de refazer neste Natal aquela viagem de sessenta anos atrás. Com todas as cachoeiras congeladas e harpas paraguaias do mundo.
• Sintam o clima, com letra e música
https://www.youtube.com/watch?v=Dh08NPL0Dsk
Recuerdos de Ypacaraí
Musica: Demetrio Ortiz - Letra: Zulema de Mirkin
Una noche tibia nos conocimos
Junto al lago azul de Ypacaraí
Tú cantabas triste por el camino
Bellas melodías en guaraní
Y con el embrujo de tus canciones
Iba ya naciendo tu amor en mí
Y en la noche hermosa de plenilunio
De tus blancas manos sentí el calor
Que con sus caricias me dio el amor
Donde estas ahora cuñataí
Que tu suave canto no llega a mi
Donde estas ahora, mi ser te añora
Con frenesí
Todo te recuerda mi dulce amor
Junto al lago azul de Ypacaraí
Vuelve para sempre, mi amor te espera
Cuñataí