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sábado, 10 de março de 2018

O bilhete do Joel - por Walterson Sardenberg S°



Por Walterson Sardenberg Sº

Quando Joel Silveira chegava na sucursal de São Paulo da Bloch Editores, vindo do Rio de Janeiro, carregando o corpanzil e toda a simpatia, naquele final dos anos 70, o fotógrafo Mituo Shiguihara já sabia: teria noites animadas. Os dois se davam muito bem. Joel era sergipano de Lagarto. Mituo, paulista de Lins, onde o escrivão do cartório, inapto, esqueceu o “s” de Mitsuo ao grafar o nome de batismo. Apesar das extensas diferenças de origem, o velho repórter nordestino e o experiente fotógrafo nissei tinham imensas afinidades. A começar pelo gosto pelas noitadas.
Sabendo dessa ligação, Pedro Jack Kapeller, o Jaquito, sobrinho de Adolpho Bloch e diretor da editora, gostava de propor matérias para a dupla. Uma delas lhe pareceu juntar o útil, o agradável e o departamento comercial.

Joel e Mituo fariam uma odisseia pela grande e pequena indústria de bebidas do país, das cachaças do interior nordestino aos espumantes da Serra Gaúcha, passando por destilarias mineiras, paulistas, fluminenses, catarinenses, o que houvesse. Na visão de Jaquito, era uma pauta que renderia anúncios publicitários em Manchete e, ao mesmo tempo, irrecusável pela dupla nipo-sergipana, muito chegada aos eflúvios etílicos. Consultado a respeito, Joel Silveira estranhou: “Você quer uma matéria ou duas cirroses?”. A matéria não saiu.

No final de 1978, eu, aos 21 anos, recém-contratado, era foca — e foca total — na sucursal paulista, quando vi Joel Silveira pela primeira vez, entrando na redação da avenida 9 de julho. Naturalmente, o jovem jornalista que fui sabia de quem se tratava. Eu já tinha lido a devastadora e hilariante reportagem que Joel escrevera, ainda nos anos 40, sobre a grã-finagem paulistana, para a revista Diretrizes, de Samuel Wainer. Havia sido republicada, por sinal, pela própria Bloch no livro As Reportagens que Abalaram o Brasil, naqueles anos 70. Mas eu ainda não tinha a real dimensão de quão revolucionário era o estilo coloquial e divertido de Joel, se comparado ao ramerrão parnasiano da maioria dos seus parceiros de geração. Tampouco havia lido as candentes crônicas da Segunda Guerra dele, escritas no front, no calor da hora.

Tudo isso para dizer que, por obra do acaso, encontrei em casa um bilhete do Joel Silveira para o então chefe de reportagem da sucursal paulista, Celso Arnaldo Araujo. Como foi parar nas minhas mãos? Creio que o meu velho amigo — e também professor sem cátedra, no dia a dia da redação — Celso me pediu que fosse ao bairro da Liberdade colher dados policiais para completar uma matéria do Joel. Não lembro de ter falado com o delegado, mas isso deve ter acontecido. É provável que Joel, em suas andanças com Mituo, tenha, digamos, se esquecido de apurar algumas informações. De qualquer maneira, o bilhete, que reproduzo aqui, é autoexplicativo.

Vi Joel Silveira duas ou três vezes na redação. Não o acompanhei em seu périplos noturnos paulistanos, pois ainda não era então tão amigo de Mituo para ser convidado. Tem mais: o fotógrafo, naqueles dias, devia me achar pouco mais do que um fedelho — o que eu era de fato. Com o passar dos anos, contudo, me tornei amigo de Mituo, o que me muito me honra. Fizemos, inclusive, viagens juntos pelo Nordeste em matérias para revistas já não da Bloch, mas da Editora Abril. Corintiano fanático, gozador, contumaz apreciador do sexo oposto, bebedor de whisky nas pedras – abominava cerveja –, era um companheiraço, além de um mestre na fotografia, que aprimorou, ainda jovem, numa escola de Nova York.

Joel Silveira morreu em 2007, aos 89 anos. Seu amigo Mituo não teve tamanha longevidade. Morreu em dezembro de 1988, fazendo uma reportagem com Expedito Marazzi – lendário jornalista da área de veículos – para a revista Caminhoneiro. O caminhão em que rodavam despencou na sinuosa e então  perigosa estrada Mogi-Bertioga. Lá se foi o “nissei e aculturado”, com “mais cara de cearense do que de nipônico”, como Joel, sacana e carinhoso, descrevia no bilhete que despontou nos meus guardados, como uma estrela.

Já avisei ao Celso Arnaldo: o bilhete era endereçado a ele, mas não devolvo sob hipótese alguma.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Um dia, uma gata (que não queria papo)

Do livro Aconteceu na Manchete - As histórias que ninguém contou (Desiderata)
Em setembro de 1995, para marcar os 50 anos da Segunda Guerra Mundial, o escritor e repórter Joel Silveira, na flor dos seus 77 anos de vida e do alto dos seus sessenta anos de atividade jornalística, publicou um livro inspirado na série de reportagens sobre o tema realizada para a Manchete, de Munique 1938 a Nuremberg 1948, além de Hiroshima, claro, e Nagasaki também. E, como prêmio conferido a ele por ele mesmo, foi-se de mala e cuia em um pulinho até a Europa ver como a "Velha Senhora" estava. Ia rever Paris, Milão, Florença, Veneza e adjacências, inclusive os Harry's e todos os bares de sua intensa carreira etílica. E foi em uma mesa de bar que bateu uma saudade, essa dor tropical, no peito do velho escritor. E Joel quis falar com sua gata de estimação, por telefone. Uma gata gorda e devassa, pelo menos na ótica do seu amigo Carlos Heitor Cony. Pois do outro lado da linha tinham respondido que a gata não queria papo. "Então aperta a barriga dela, quero ouvir pelo menos o miado!" Apertaram um pouquinho, ela miou. Pronto. Então ele pediu mais um para o moço do bar. Sem gelo. Cowboy. "Duplo."