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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Marketing - Sobrou para João Paulo II - O "João de Deus" de Abadiânia abusa da marca papal

por José Esmeraldo Gonçalves 

O escândalo sexual que envolve João Faria, o curandeiro de Abadiânia, joga no limbo, junto com sua reputação, a marca "João de Deus" da qual ele se apropriou.

Sobrou então para a imagem de Karol Wojtyla, que eleito Papa adotou o título de João Paulo II e, ao visitar o Brasil pela primeira vez, em julho de 1980, ganhou o apelido de João de Deus.

A expressão que virou marca foi criada pelo maestro e compositor Paulo Roberto, autor da música "A Benção, João de Deus", a pedido dos organizadores da visita. A letra e melodia fácil foram rapidamente assimiladas pelas multidões que o Papa reuniu nas capitais brasileiras por onde passou.



As revistas Manchete, Fatos & Fotos, e as várias edições especiais adotaram nos textos a forma popularizada João de Deus - que era um achado e comunicava muito melhor do que o Karol Wojtyla, por exemplo -, e a divulgaram nos milhões de exemplares que circularam durante e depois do tour papal. Em uma delas, a "edição histórica", o João de Deus estreou como chamada de capa.

A propósito, a redação apelidava aquelas edições de "Papão", por utilizarem formato maior do que o standard das semanais. O jargão interno, desde então, passou a denominar certos números extras: viriam nos anos seguintes o "papão" do Tancredo, o "papão" do Cazuza, o "papão" do Senna, o "papão" do Tom Jobim etc.

Em outubro de 1980, Fluminense e Vasco decidiam no Maracanã lotado o primeiro turno do  Campeonato Carioca, então Taça João Baptista Coelho Netto - "Preguinho". O jogo estava empatado, e foi para os pênaltis. Alguns torcedores do Flu começaram a cantar a canção-chiclete do ano: "a benção, João de Deus, nosso povo te abraça...". A arquibancada tricolor fez coro, os vascaínos Dudu e Orlando Lelé perderam suas cobranças e a música pé-quente virou uma espécie de segundo "hino" do clube. Naquele ano, o Fluminense ganhou também o turno final, sobre o mesmo Vasco, e foi o campeão carioca, com direito à mesma trilha sonora.

Se você digitar João de Deus no Google, hoje, nem o Papa João Paulo II e nem o Fluminense aparecem nas primeiras páginas da pesquisa. Só dá o "João de Deus" de Abadiânia e os chocantes depoimentos de mais de 300 mulheres que o acusam de estupro, assédio e abusos sexuais.

A marca original João de Deus tornou-se vítima, também, de abuso. Foi tecnicamente estuprada.

Digamos que seu apelo mercadológico está definitivamente contaminado para os católicos, a torcida do Fluminense e o Vaticano.


Um último revival: em 1980, pra variar, o Brasil vivia uma grave crise econômica que se refletia no consumo de revistas em geral. A visita do Papa João Paulo II foi o milagre que a Bloch pediu.

Naquele ano difícil, a circulação das edições subiu aos céus e ajudou a salvar empregos.

Manchete retribuiu agradecida: no final de 1980, João de Deus foi escolhido o Homem do Ano.

E a Bloch pediu a benção a João de Deus. O do Vaticano.