Mostrando postagens com marcador Evandro Teixeira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Evandro Teixeira. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Evandro Teixeira, 1936-2024, (*) - O mágico das imagens históricas

por José Esmeraldo Gonçalves

Durante 48 anos Manchete reuniu os mais prestigiados fotojornalistas brasileiros, de várias gerações. Semanalmente, como em uma grande exposição, as bancas - e eram milhares em todo o Brasil - penduravam exemplares abertos em páginas duplas com a foto mais marcante assinada por craques da fotografia. Como um curador, o jornaleiro sabia escolher a imagem da Manchete que mais atraíam atenção. Mas faltou um mestre naquele imensa mostra que transformava a Avenida Paulista, a Rio Branco e tantas outras ruas e praças no Brasil em uma galeria aberta e vibrante.

Evandro Teixeira nunca trabalhou na Manchete.

As coleções mostram apenas uma matéria assinada por ele adquirida da Agência JB. Outras raras imagens, especialmente de 1968, são creditadas à agência.

Editores de revistas ilustradas costumam se apaixonar por fotografias. De certa forma, aprendem a vê-las, mesmo que não ousem fazê-las. 

Muitas vezes, a primeira página do JB provocava nas redações da Manchete Fatos & Fotos alguma frustração que logo se transformava em irresistível admiração.

Evandro não esteve na galeria a céu aberto de Manchete e Fatos & Fotos nas bancas do país? Pena. As duas revistas saíram perdendo. Suas fotos inesquecíveis - Passeata dos 100 Mil, Tomada do Forte de Copacabana, Repressão da Cavalaria das PM na Candelária, Golpe Militar no Chile, Morte de Pablo Neruda e muitas outras publicadas no Jornal do Brasil - estão na memória do fotojornalismo brasileiro e mundial. 

Além disso, ganhou de Carlos Drummond de Andrade um poema que define o próprio fotojornalismo sob a lente mágica de Evandro. Quem mais?

Diante das Fotos de Evandro Teixeira 
(Carlos Drummond de Andrade)

A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo sob a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.

É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das figuras.

Fotografia – é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo
edifica uma permanência, cristal do tempo no papel.

Das lutas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?

Marcas da enchente e do despejo,
o cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York
a moça em flor no Jóquei Clube,

Garrincha e Nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois que são fotos.

Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo
a viajar, a surpreender
a tormentosa vida do homem
e a esperança a brotar das cinzas.

 

* Evandro Teixeira faleceu ao 88 anos, no dia 4 de novembro, vítima de pneumonia, no Rio de Janeiro. O fotojornalista cumpriu com brilhantismo uma extraordinária carreira profissional de 70 anos, 47 dos quais integrando a fabulosa equipe do Jornal do Brasil, onde fez história..  

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Memórias da redação: a reportagem que virou memorial...


Em 1995, a Coluna Prestes - movimento político liderado por Luís Carlos Prestes e Miguel Costa, que percorreu o interior Brasil pregando reformas sociais -, comemorava 70 anos desde sua partida de Santo Ângelo (RS) em abril de 1925.

Alguns meses antes, o economista e pesquisador Luís Carlos Prestes Filho, que era colaborador da Manchete, propôs à redação uma pauta que parecia quase tão épica quanto a marcha que o pai empreendera dos pampas aos sertões nordestinos, cortando o cerrado do Centro-Oeste.

Prestes Filho queria refazer os passos do Prestes pai. A "coluna" jornalística revisitaria sítios históricos, identificaria as marcas do passado e localizaria descendentes dos revolucionários. O material apurado seria publicado em uma série de reportagens na revista.

E assim foi feito. Luís Carlos Prestes Filho partiu para o Rio Grande do Sul em dupla com o fotógrafo Gustavo Stephan.

Como a Coluna havia percorrido 11 estados, no total, cerca de 25 mil quilômetros, previa-se que a tarefa seria árdua. Na verdade, apenas Prestes Filho, naturalmente motivado pela ligação emocional com o episódio histórico, fez o trajeto completo. A Manchete providenciou um revezamento de fotógrafos. Stephan fez a primeira etapa, João Mário Nunes cobriu parte do Centro-Oeste e José Egberto fechou a jornada no Nordeste. Mesmo assim, todas longas e exaustivas etapas. A série publicada pela Manchete mostrou as mudanças que o tempo registrou na rota da Coluna, ouviu descendentes, localizou armas e objetos deixados no caminho pelos revolucionários.

Aquelas reportagens foram, pode-se dizer, o primeiro grande resgate jornalístico da epopeia vivida pelo Cavaleiro da Esperança.

O assunto seria abordado depois pelo Globo, em 1997, ano que marcava os 70 anos do fim da Coluna, em reportagem de formato semelhante assinada por Cristina Massari com fotos do mesmo Gustavo Stephan. Livros e documentários também refizeram os passos do Cavaleiro da Esperança por ocasião dos 80 e 90 anos da Coluna.

Aqui vale um exagero, mas não totalmente. A matéria da Manchete deve ter sido a primeira na história do jornalismo a resultar em um... memorial. Ao passar por Santo Ângelo, Luís Carlos Prestes Filho teve um encontro com o então prefeito Adroaldo Loureiro e a Coordenadora do Museu Municipal, Gládis Maria Pippi. A cidade, que estava programando uma solenidade para marcar os 70 anos da Coluna, foi surpreendida pela presença do filho do líder. E foi a partir daquela conversa que a ideia evoluiu para a instalação de um Memorial Coluna Prestes. A homenagem se concretizou em 1996, a família Prestes doou documentos, fotos e objetos, alguns deles localizados por Prestes Filho na longa jornada ao passado do pai. O acervo ocupa salas da antiga estação ferroviária de Santo Ângelo, de onde os revoltosos partiram, em 1925.

Tudo isso veio à rubrica Memória da Redação, neste blog, a partir de uma nota publicada no Jornalistas & Cia.

Em parceria com a fotógrafa Stela Martins, especializada em organizar expedições fotográficas, Gustavo Stephan, que hoje mora em uma fazenda em Minas Gerais, promove uma jornada de imersão no fotojornalismo e no trabalho do mestre Evandro Teixeira, além de passeios fotográficos na região.

Veja detalhes abaixo: