Mostrando postagens com marcador Caso 80 tiros. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Caso 80 tiros. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Justiça Militar reduz penas de acusados de fuzilar carro que levava família para chá de bebê. O que isso tem a ver com o frango frito de D.João VI ?

por José Esmeraldo Gonçalves 

Em 1808, provavelmente enquanto comia uma coxa de frango frita e limpava a gordura que pingava na barriga, D. João VI criou a Justiça Militar. 

O pretexto foi manter a disciplina e a hierarquia das tropas. O objetivo verdadeiro era ultrapassar isso e dispor de uma estrutura punitiva a serviço do autoritarismo e com poderes de alcançar civis. A Justiça Militar foi mantida após o fim da Monarquia e foi servil à República. E ganhou ainda mais poderes na ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas como instrumento de perseguiçãos dos opositores políticos do regime. Durante a ditadura de 1964, foi repartição em ordem unida com os generais do Planalto para "julgar" alegados crimes contra o Estado. 

Em uma democracia legítima e plena não há lugar para uma "justiça militar". Com o fim das ditaduras na América do Sul, a maioria dos países acabou com esses tribunais que cometeram horrores em uma das mais tristes eras do continente. O Brasil teve a chance de fechar a Justiça Militar durante a elaboração da Constituição de 1988. Apesar dos esforços de muitos constituintes, o lobby armado foi mais forte. Permaneceu como era, inclusive com o poder injustificável de julgar civis. 

O Jornal Nacional de ontem trouxe a Justiça Militar ao noticiário mais uma vez relacionada a um capítulo inominável que começou em 7 de abril de 2019.  Naquele dia, um domingo, militares do Exército fuzilaram um Fork Ka que transportava uma família. Os 11 soldados e um oficial alegaram depois que procuravam um suposto carro branco roubado por bandidos. O Ford K levava uma família para um chá de bebê era branco. Segundo a Polícia Civil do Rio de Janeiro foram disparados um total de 257 tiros. destes, 82 projéteis atingiram o veículo e mataram o músico Evaldo dos Santos Rosa e o catador de latinhas Luciano Macedo que se aproximou para socorrer as vítimas. Luciana, mulher de Evaldo, o filho do casal de sete anos e uma amiga não se feriram. No banco do carona estava o sogro de Evaldo, Sérgio Araújo Gonçalves, que foi atingido por dois tiros de fuzil, um deles tendo perfurado o pulmão. Serginho, como era conhecido na Manchete, onde trabalhou como auxiliar administrativo por mais de uma década, foi hospitalizado e sobreviveu. A fuzilaria ficou conhecida como o "Caso dos 80 tiros". 

Dois depois do ataque insano dos militares, este blog publicou um post sobre a tragédia. O texto terminava com uma ingênua esperança. 

"Que a Justiça se faça e que esse crime absurdo não permaneça impune como tantos outros".

Em 2021, o STM havia condenado os autores da chacina a penas que variaram entre 28 e 31 anos de prisão, mas ontem, por oito votos a seis, o Superior Tribunal Militar julgou recursos dos acusados e decidiu reduzir as penas para três anos de prisão e em regime aberto.

Em entrevista à CBN , a viúva de Evaldo, definiu o julgamento como "horrível e desrespeitoso". E acrecentou ao seu desabafo: 

"Ter que ouvir que 257 tiros foram por legítima defesa no carro de uma família de bem... "

Mesmo cansada de buscar justiça, a família de Evaldo ainda avalia entrar com recurso no Supremo Tribunal Federal contra a redução da pena. 

A coxa de frango frito e a gordura banhando os pentelhos de D.João VI assombram o Brasil até hoje.