O Globo foi o único grande jornal que estampou a denúncia com destaque na primeira página. |
A Folha foi discreta. E coerente: o jornal defende que a ditadura foi "ditabranda". E preferiu usar "avalizar" em vez de "autorizar" |
Estadão também minimizou a notícia e sublinha o "aval' de Geisel. Só na pequena chamada usou o verbo "autorizar" |
O Zero Hora deu minúscula chamada e preferiu dizer que Geisel "tinha controle". |
O passado ressurge, hoje, nas primeiras páginas dos jornais brasileiros. Matias Spektor, da Fundação Getúlio Vargas, revela o dramático conteúdo de um memorando da CIA, parte de um acervo que perdeu desde 2015, nos Estados Unidos, a classificação de "reservado".
No memorando de 11 de abril de 1974 o ex-diretor da CIA William Colby comunica ao Secretário de Estado Henry Kissinger que Ernesto Geisel - que tomou posse em março do mesmo ano - foi informado da execução de 104 opositores do regime militar como ação rotineira do governo de Garrastazu Médici e autorizou a continuação do mecanismo oficial de extermínio de "subversivos".
Da reunião que validou o Estado como assassino participaram, além do próprio Geisel, João Figueiredo, que assumia a chefia do SNI, e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Dantas de Paula Avelino. Figueredo, como se sabe, sucedeu Geisel e sob o seu governo aconteceu o atentado a bomba no Riocentro. Mas essa é outra história que algum memorando a ser retirado, no futuro próximo, de uma gaveta qualquer da CIA ou do Departamento de Estado americano revelará.
Aqui, como o Exército informa, hoje, documentos desse tipo foram destruídos.
Pesquisador há vinte anos, Spektor declara que o memorando do agente Colby é "perturbador". De fato, é uma folha de papel que tem o poder de demolir o castelo de cartas que alguns escritores, parte da mídia, muitos cientistas políticos, apoiadores da ditadura, filhotes e descendentes dos seus beneficiários ajudaram a construir. Um grande jornal foi até mais direto na elaboração do mito. A Folha de São Paulo - que muito além do apoio ao regime foi participante, contribuindo até com viaturas cedidas para a repressão - instituiu o conceito de "Ditabranda" para classificar o suave espectro cor-de-rosa que seus editores desenharam sobre uma das mais trágicas eras da história política do Brasil. Seria a tese de que nada existiu: a tortura era cordial, a censura foi amiga, o exílio era turístico e os assassinatos cenográficos.
O documento da CIA cita Geisel e os três generais fardados. Mas caberia muito mais gente nas salas do Planalto quando o assassinato político foi admitido como estratégia de governo. Gente civil, de paletó e gravata. Desde a década anterior os governos militares vinham erguendo conjunto de leis, como o Ato Institucional n° 5 e a própria instituição da pena de morte para crimes políticos (esta nunca aplicada oficialmente, mas, vê-se agora, imposta em segredo), como respaldo ao endurecimento do regime. O método que a CIA descreve tem muitos coadjuvantes. Basta ler a lista de ministros, governadores nomeados, altos funcionários, embaixadores, juízes, chefes de agências de segurança, comandantes, executivos de corporações que colaboraram com a repressão etc.
Muitos, desgraçadamente, permaneceram influentes na vida política do Brasil.
Não há inocentes no organograma de um regime capaz de fazer um macabro workshop para decidir mortes em massa. Seus sobrenomes estão aí em nomes de cidades, de ruas, de viadutos... E seus legados sobrevivem em artigos de jornais, nas redes sociais e até no programa de governo de certos candidatos a presidente neste sombrio 2018.
EM 1985, MATÉRIA DA REVISTA FATOS RELATAVA MÉTODOS
DE EXTERMÍNIO DA DITADURA
Reprodução Fatos, 1985. |
O Brasil é que, aparentemente, não quis puxar esse fio desencapado.
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