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sábado, 16 de junho de 2012

Eco-92: foi ontem, mas não parece...

Capa do livro. Reprodução

Página de rosto do livro "Rio 92". Reprodução

Livro "Rio 92", página dupla de abertura. Reprodução

A cidade recebia o mundo e Cony escreveu sobre ele, o carioca, no livro "Rio-92.Um trecho:  "Para uso comum, o carioca é simpático e superficial. É devoto de qualquer santo de qualquer religião mas não leva a sério nenhuma delas. Folgazão para uso externo, facilmente cai em depressão mas sem passar recibo: utiliza a eventual fossa para descolar qualquer coisa de útil, seja um empréstimo ou uma namorada. Seus sonhos, em linhas gerais, podem ser satisfeitos com um milhar acertado no jogo do bicho, uma nova paixão ou coisa equivalente. É capaz de aproveitar o velório da própria mãe para iniciar um namoro com a mulher do vizinho".


Lima Barreto


"Rio 92" - Reprodução

Corcovado com o Pão de Açúcar em perspectiva. "Rio 92". Reprodução

Placa em alto-relevo de Bruno Segalla. Reprodução do livro "Rio 92"

O expediente do livro "Rio 92"

O crachá e a credencial da Eco-92


A repórter Maria Alice Maria cobriu a Eco-92 para a Manchete
por José Esmeraldo Gonçalves
Em 1992, o Rio foi capital do planeta.Milhares de visitantes, 116 chefes de estado circulando pela cidade - quem não lembra das sirenes estridentes de centenas de batedores fechando cruzamentos e abrindo caminho para comitivas -, ecologistas acampados no Aterro, tanques e blindados do Exército nas ruas. Eam dez mil soldados, além de outros milhares de policiais nas esquinas. Fazia sentido. A cidade vivia sob o domínio do tráfico, em conflitos abertos, com direito a show de balas traçantes das facções criminosas que ocupavam os morros das Zonas Sul, Norte e subúrbio. Em junho daquele ano, o Brasil tentava chutar o presidente Fernando Collor, em meio a um amplo esquema de corrupção (iria botá-lo para correr apenas em setembro). Três anos antes, apoiado e empurrado pela mídia como o "caçador de marajás", Collor havia havia derrotado Lula, que, a propósito, esteve na Eco-92, em meio ao povão, no Aterro (nas voltas que o mundo dá, coube a Lula, no seu governo, levar à ONU a idéia de fazer a Rio+20 e tentar obter acordos que não foram possíveis na Eco-92).
Apesar da crise "collorida", o Brasil estava otimista quanto ao resultado daquela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. A festa foi boa, pá. Mas os resultados... Das reuniões de 1992, sobraram a Agenda 21 e as convenções de controle da desertificação, da diversidade biológica e o estudo de medidas para combater a deterioração do clima. Pouco, e pouco menos foi posto em prática. Vinte anos depois, com a resistência muitos países desenvolvidos ou em desenvolvimento - posições que se repetem neste histórico encontro Rio+20 - o mundo segue destruindo o planeta. Se a consciência ambientalista das populações, especialmente das novas gerações, se acentua, a cabeça dos líderes e grandes empresas permanece poluída.
O planeta corre contra o relógio. Por falar em relógio, que tal atrasá-lo e voltar à rua do Russell, redação da Manchete, 1992? Das janelas envidraçadas do bunker que abrigava as revistas de Adolpho Bloch dava para ver a movimentação no Aterro - que, aliás, era o point mais festivo da Rio-92. Enquanto os chefes de Estado se reuniam no Riocentro, na Barra, milhares de jovens ecologistas de todo o mundo, Ongs, índios, músicos e artesãos transformavam o Parque do Flamengo em uma aldeia global. Participavam da Cúpula dos Povos, uma espécie de Eco-92 do B, que provocou ameaça de boicote da China por trazer o líder religioso Dalai Lama.
Agitação lá fora, agitação dentro da redação. Além da intensa cobertura da Rio-92, que mobilizou várias equipes, foram lançadas edições especiais. Semanas antes, ainda no "esquenta" da Conferência, Manchete publicou uma revista exclusiva sobre a Amazônia. À medida em que os líderes desembarcavam no Galeão, a vida dos repórteres e fotógrafos se complicava. Mas ninguém deu mais trabalho à turma do que um par de inimigos históricos: George Bush, o pai, então presidente, e Fidel Castro. A segurança dos dois estava especialmente estressada. Maurice Strong, o canadense que comandava a Eco-92 (já está no Rio para participar da Rio+20), fazia o contraponto:era acessível e simpático. E, certamente, ajudou muitos repórteres ilhados nos cordões de isolamento a conseguir alguma notícia para fechar páginas de jornais ou preencher segundos na TV. O que não ajudava era a tecnologia. Mas isso, os jornalistas da época pouco imaginavam. Não é possível sentir falta do que não se conhece, certo? Anote aí, garoto: não havia celular, nem google, muito menos portais ou sites oficiais, câmeras digitais, transmissão de matérias e fotos on line. Nada de notebooks ou tablets. O kit de sobrevivência era bloquinho, caneta, gravador analógico, aquele de fita cassete que você não conhece, e olha lá. Os press-releases eram distribuidos por fax e, a maioria, entregue pelas assessorias de imprensa nos locais das coberturas. Mas apesar disso, as revistas especiais chegavam às bancas em velocidade admirável. Nisso, a velha Bloch era imbatível. Suas equipes, incluindo aí gráficos, redações, fotografia, diagramadores, arte-finalistas, produtores, revisores, laboratoristas etc, faziam as edições regulares, as extras e ainda viabilizavam projetos surgidos de última hora, saidos direto da cabeça insondável do próprio Adolpho Bloch. Como o ideia de fazer em poucos dias um livro de 200 páginas, em cores, capa dura, papel couchê, dedicado à Eco-92. Em um fim de tarde, ao sair da sala do Adolpho, Carlos Heitor Cony, que criou e editou o livro comemorativo da Conferência, montou uma equipe de 18 desavisados e passou-lhes a tarefa pra-ontem de entregar o projeto "Rio 92"" à gráfica em pouco mais de uma semana.
Como diz o Capitão Nascimento, de "Tropa de Elite", "missão dada, missão cumprida".
Foi há vinte anos.