Mostrando postagens com marcador 44 anos da morte de Lennon. Roberto Muggiati. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador 44 anos da morte de Lennon. Roberto Muggiati. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Memórias da redação: A noite em que mataram John Lennon • Por Roberto Muggiati


Na noite de domingo recebi um e-mail de meu filho, há dezessete anos fora do Brasil e atualmente cidadão de Edimburgo, onde se toma o melhor uísque nacional do mundo, mas ele é viciado em café... No seu laconismo de sempre, o assunto, It was 44 years ago e uma foto anexada, em que fundia seu rosto com o de John Lennon. Parafraseando o verso inicial de Sergeant Peppers’, meu filho aludia à noite de 8 de dezembro de 1980, em que Lennon foi morto a tiros por um fã na portaria do edifício Dakota, onde morava em Nova York.

Aproveitei a deixa para dar a ele informações que – não sei por que – nunca lhe foram passadas e acrescentam muito à sua mitologia pessoal. Escrevi:

“Você lembra onde estava aquela noite? Claro que não – nem poderia. Você estava no ventre da sua mãe. Naquela noite nós voltávamos para casa de uma sessão de cinema, um filme sobre outra figura trágica. Lenny [Bruce]. Tinha caído uma chuva leve e a calçada estava molhada, sua mãe escorregou e caiu, protegendo com as mãos o barrigão de nove meses. Você se dá conta de que correu o risco de juntar-se a Lennon naquela noite? Depois, quando soubemos pela TV da morte de Lennon, sua mãe reparou que meus olhos estavam marejados. 

– Está preocupado que meu tombo possa ter afetado nosso filho?

– Não, estou chorando porque o John Lennon morreu.

Meu filho nasceu, lépido e fagueiro, em 29 de dezembro. Completei o e-mail mencionando outro cacoete familiar também ligado aos Beatles. Quando completei 64 anos, em 6 de outubro de 2001, meu filho tocou para mim, do LP Sergeant Peppers, a faixa When I’m Sixty-four, que comenta sobre a velhice (!). Completei a mensagem:

“Dia 29 você vai fazer 44. Está me obrigando a ficar ainda por aí para tocar When I’m Sixty-four pra você daqui a vinte anos...”


Voltando à redação: roubamos metade da melhor capa de Pelé na Manchete para colocar uma chamada sobre a morte de Lennon e editamos na manhã da terça-feira um encarte especial, sem mexer no corpo da revista – já praticamente rodada – e sem atrasar o lançamento nas bancas na manhã de quarta-feira.

Não resisto a escrever um pouco mais sobre o papel do DNA em matéria de gosto musical. E o “meu tipo inesquecível” aqui é o fotógrafo da Manchete Frederico Mendes, a quem o Alberto contemplou com um apelido-de-placa: O Encucadinho. Tivemos o primeiro filho à mesma época: Frederico, o Gabriel; eu, o Roberto. Um dia, num daqueles raros momentos de calmaria na redação, o Frederico se aproxima de mim com aquele seu ar de sofrência e o halo de dúvida hamletiana, e pergunta solenemente: 

– Muggiati, você já tem alguma ideia de como vai fazer para o Robertinho gostar dos Beatles?

– Pô, Frederico, sem essa! Um pai tem de deixar que o filho faça suas próprias escolhas! O maior erro seria tentar “fazer a cabeça” dele...

Não só o Roberto, por conta própria, gostou dos Beatles, como me deu uns bons puxões de orelha apontando falhas no livro que publiquei em 1997, A revolução dos Beatles (Ediouro). E tinha então apenas dezesseis anos...

Azucrinado pelas doutrinações paternas, o Gabriel enveredou pelos meandros da alta literatura, estudando e doutorando-se em universidades norte-americanas. Só posso imaginar a decepção do encucado pai.

Encerrando, conto que a preferência maior do meu filho recai sobre o Bob Dylan. Confiram esta estatística: nestes dezessete anos de Europa, morando sucessivamente em Dublin, Milão e Edimburgo, o Roberto já assistiu a umas 50-60 apresentações do único roqueiro agraciado com o Nobel de Literatura. De Oslo a Praga, de Madri a Innsbruck (esse o 3.000º espetáculo da Never Ending Tour) e em três shows triunfais recentes no Royal Albert Hall de Londres.

COMENTÁRIO DE ROBERTO MENDONÇA MUGGIATI

Faltou uma coincidência: no dia 9 de dezembro de 2009 vi em Arnhem, Holanda, meu primeiro show do Paul McCartney. Ontem, também um 9 de dezembro voltei a vê-lo, em Madri - pela última vez?”