sábado, 10 de fevereiro de 2024

A távola malévola

Reprodução 

por José Esmeraldo Gonçalves

Carnaval é prazerosa fantasia, mas a realidade se impôs agora com a divulgação do vídeo pornô da reunião de Bolsonaro e seus auxiliares. 

Em cenas de fascismo explícito canalhas engravatados passaram horas discutindo um golpe e, para usar a linguagem que predominou naquela discussão, deixaram claro que há surubas mais honestas e dignas do que o visto e ouvido naquelas tenebrosas duas horas.

Os golpistas pareciam excitados entre iguais, um era o espelho do outro. Se fosse possível decupar olhares e bocas de cada um, uma verdade estaria na cara: não havia integridade nem dignidade naquela mesa de vagabundos antidemocráticos. Se houvesse um só que fosse decente teria se retirado daquele espetáculo horrendo. Pareciam fascinados. O clima era de vulgaridade, as indicações conspiratórias eram pontuadas por palavrões. 

Infelizmente as câmeras oficiais não enquadravam os pilantras, não ofereciam closes das suas reações apaixonadas ao líder. Alguma coisa era possível observar: a sede inclemente dos bolsonaristas. Eram servidos por um batalhão de fornecedores de rios d'agua. Se forem à guerra precisarão de um aqueduto. Um deles, em determinado momento, sôfrego, escreveu algo em uma folha de papel e tentou entregá-la a Braga Neto, que a devolveu sem ler, em um gesto brusco. Restou ao indigitado, constrangido, recorrer a mais um copo d'água. Ao lado um ex-ministro da Justiça lançava olhares de admiração à performance de Bolsonaro. Quando resolveu falar traçou um cenário apocalíptico no qual todos ali seriam presos. Chegou a apontar futuros presidiários. Deve ter assustados até o cara do cafezinho.

Em tempo: continuamos otimistas aguardando que sua profecia se realize. 

No lado oposto, um ex-ministro da Economia falava ao celular. Às vezes fazia anotações. Não se sabe se eram lembretes colhidos dos interlocutores ou se registrava frases do Bolsonaro do qual é tiete rastejante. 

Na verdade, Bolsonaro falou sozinho. E falou tanto que seus microfones foram trocados várias vezes. Excesso de perdigotos? 

Pouco antes do fim, o fuhrer da Barra da Tijuca pediu aos seus auxiliares que se manifestassem, que fizessem críticas, que dissessem se ele estava errado. Todos ficaram calados demonstrando que assinavam embaixo do golpe. Bolsonaro deve ter se sentido respaldado. Alguns da claque romperam o silêncio e pediram a palavra apenas para enfatizar a necessidade de "virar a mesa" antes das eleições. O mais passional foi o doidivanas Heleno. Uma figura que parece frágil mas se sente um Rambo da Guerra Fria. Falou em estratégia como se fosse um Rommel pilotando um Panzer. Ouvir aquela vozinha trêmula dizendo que ia botar pra quebrar foi patético. Heleno acabou confessando um crime: orgulhou-se de montar um esquema para espionar políticos em campanha. Pensou em agradar, foi repreendido pelo chefe que não discordou da proposta, mas apenas da inconfidência.

Aliás, o argumento mais atualizado na távola dos golpistas para dar o golpe ante as urnas foi algo que eles chamam de "comunismo". Bolsonaro usou um argumento devastador para aquela tosca plateia e que deve ter impressionado os presentes. Segundo ele, o comunismo obrigaria madames e donzelas a "darem o rabo". Acho que foi isso que lhe deu a unanimidade para o "plano B". Deve ter sido o maior pesadelo dos auxiliares ali reunidos. Muitos provavelmente sonharam com Maduro, Daniel Ortega, Kim Jong-Un, Xi Ji Ping adentrando alcovas ilustres e passando o rodo nas últimas donzelas do "mundo livre".

Há uma interpretação adotada por jornalistas bolsonaristas segundo a qual não houve crime durante o vídeo da suruba do golpe porque nada se consumou, Lula foi eleito e tomou posse. Trata-se de uma manipulação dos fatos. A tentativa de golpe saiu daquela mesa para as ruas. Bloqueio de rodovias, financiamento para manifestações em porta de quartéis, ataques às urnas eletrônicas, falsas denúncias de fraude eleitoral, tentativas de atentado no aeroporto de Brasília, a espantosa tentativa de se lançar um ônibus contra veículos em trânsito, também em Brasília. Essas duas ações foram implementadas e por muito pouco os terríveis objetivos dos terroristas bolsonaristas não foram alcançados. A última cartada foi o ataque planejado à Praça dos Três Poderes e a depredação dos prédios da Presidência, do Congresso e do STF.

Ah, mais o golpe não aconteceu, dizem os notórios jornalistas bolsonaristas. É verdade. O que impediu? Muita coisa ainda virá à tona. Por enquanto, sabe-se que a não adesão dos comandantes da  Aeronáutica e do Exército (o da Marinha estava fechado com os golpistas) teria pesado. Declarações públicas de Washington sobre a validade das eleições e a expectativa de respeito à voz das urnas, também. A postura do STF e do TSE. A mídia independente, a luta democrática nas redes sociais. Os políticos que se mantiveram na oposição a Bolsonaro. Os profissionais da saúde que expuseram o deboche e os crimes de Bolsonaro cometidos durante a pandemia de Covid e até hoje impunes. As pesquisas de opinião pública ao constatar que os brasileiros fora da bolha fascista e bolsonarista queriam democracia. A derrota de Donald Trump e a posse de Joe Biden em 2021 também foi decisiva. Com Trump no poder para um segundo mandato a ousadia dos golpistas brasileiros seria maior. Outros fatores poderão aparecer nas investigações. O Brasil tem muito a agradecer a cada uma dessas circunstâncias. E o país tem uma chance para refletir diante das eleições que se aproximam: os pleitos municipais neste 2024 e a eleição presidencial de 2026. Nesta, que os eleitores rejeitem o bolsonarismo fascista e votem com consciência e competência (não apenas dirigentes devem ser competentes e honestos, eleitor também) em um Congresso que mereça respeito, que não seja serviçal de lobbies e interesses e que não funcione como uma startup de emendas e de chantagem. Uma coisa é certa: a maioria das pessoas que aparece em torno daquela mesa suja continuará atuante. 

O risco à democracia voltou para ficar. Cabe a cada um de nós ter certeza de que bolsonaristas não são apenas os folclóricos que cantam o hino nacional. Estão em missão politica, fundamentalista, de ultra direita, de ocupação imoral e corrupta do Estado. São predadores da democracia.

2 comentários:

Isabela disse...

Esse vídeo do Bolsonaro foi a coisa mais escrota que já vi na vida. Se os brasileiros não banirem esses desclassificados da vida política do país não sei o que será de nós

Corrêa disse...

Não tem um que preste aí .