quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A democracia virou cinzas?

Se há algo que Bolsonaro não faz é causar surpresas. Atitudes, declarações, relações suspeitas, agressividade, preconceito e despreparo são todos elementos que fazem parte da sua autoconstrução política há décadas.


É o seu exoesqueleto, está à vista. E não existe ponto fora da curva na trajetória da criatura.

Quando compartilha um vídeo contra uma instituição da República - convocando uma manifestação contra o Congresso - o capitão inativo mostra não só desprezo pela democracia: passa da palavra aos atos. E o apelo ao cerco não parece um gesto isolado. Ao contrário, foi precedido pela senha "foda-se" com que um dos seus mais diretos assessores militares pontuou uma acusação de "chantagem" por parte do Legislativo.

Vinda de um assistente de Bolsonaro (que em repetidos mandatos como deputado federal era um integrante do pantanoso baixo clero) a palavrinha foi devidamente incorporada pelos apoiadores do governo. Aparentemente, é tudo uma coisa só, um troço que caminha a passo de ganso.

A mídia admite, hoje, que a democracia está em risco no Brasil. E está. Não desde ontem, mas a partir da véspera da posse da ex-presidente para um segundo mandato, quando editorialistas, comentaristas e jornalistas de mercado da mídia oligárquica passaram a acossá-la diariamente até a queda, e continuaram a exibir o gosto pela ascensão da direita ao associar todos os males do país à "esquerda corrupta". Esquecendo, claro, que a maioria dos envolvidos em escândalos, sejam ex-governadores, deputados, senadores, dirigentes de empreiteiras e grandes empresários lhes eram caros amigos de uma vida.

A mesma mídia que atualmente é vítima de assédio moral e até de boicote por parte do inquilino que ajudou a botar no Planalto. Para esta, a ficha cai em câmara lentíssima, mas ainda está longe de chegar ao chão. O motivo ainda é o apoio à política econômica imposta pelo neoliberalismo radical, com a marca do desprezo - típica da ultra direita - pelos impactos sociais da selvageria. Parecem consideram, assim, que vale o preço de fragilizar ou, para usar uma palavra que gostam, de contingenciar, a democracia brasileira.

Motim de militares, milícias, protestos da "juventude bolsonarista" justificam uma expressão criada pela jornalista Vera Magalhães: "bolsochavismo". Vera, aliás, é alvo de violentos ataques machistas e sofre ameaças por parte de milicias digitais ligadas ao governo. Logo ela que já foi admirada e compartilhada por emitir opiniões que agradavam aos bolsominions e apoiou o massacre machista que Manuela D'Ávila sofreu ao ser entrevistada no Roda Viva por inquisidores que não a deixaram falar. Para jornalista, a ficha está caindo de forma dramática.

Em suma: as nuvens de cinzas já estavam aí há tempos. Mas agora escureceram de vez o horizonte.

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