Texto sobre 1986, com ilustração de Angeli |
Capa de dezembro de 1986 |
por José Esmeraldo Gonçalves
Li hoje no Portal Imprensa que a Criativa, da Editora Globo, deixa de circular a partir de março. Mais uma revista que se vai. Outras surgem. Para nós, jornalistas, que em algum momento da carreira atuamos em um desses veículos que saem da estrada, ficam as boas lembranças e os traços de um época. O Portal Imprensa diz que a publicação da então Rio Gráfica estava nas bancas há 22 anos. Um pequeno erro. Em 1986, há 26 anos, a editora-executiva da Criativa, Regina Valladares, me convidou para escrever uma série de matérias para a revista. As pautas que eu recebia eram variadas. Eu me diverti escrevendo um "diário" do Sarney, então presidente, viajei em um texto sobre a Lúxuria, a parte que me coube em um especial sobre os pecados capitais e fiz uma "análise" sobre 1986, ano que acabava. Este texto, publicado em dezembro, na edição 51, foi ilustrado muito a propósito pela "Rebordosa" de Angeli. De molho em uma banheira, a própria, a "Rebordosa", virava a folhinha de 86 e desabafava: "Ai... que porre!". De fato, 1986 foi um ano que não deu certo. Zico perdeu um pênalti, e a Copa, o Cometa Halley passou por aqui, foi anunciado com estardalhaço, os astrônomos diziam que viria voando baixo, só que ninguém viu. "Houve quem acreditasse - certamente deixando-se impressionar pela criatividade dos especiais de tevê - que o simpático astro jogaria confete e serpentina no seu alegre caminho de estrelas. Algumas pessoas até alugaram Boeing para ver o cometa em close, mas não deu. A gente se vê de novo daqui a 76 anos", escrevi, na época.
"No lugar do Halley que não vimos, contemplávamos, no começo do ano, um objeto muito mais astronômico: a inflação. Hipergalopante, inesquecível entulho do autoritarismo, a maldita bailava na curva dos três dígitos, que é a maneira delicada que os economistas usam para dizer que a gente está na pior. Nem no Carnaval deu pra relaxar. Se o IBGE fosse conferir, veria que no momento em que a Mangueira entrava no sambódromo, o dólar valia uns 12 cruzeiros, na saída, o black cotava a verdinha a 16 cruzeiros de triste memória. Só que enquanto o povo sambava, nos dois sentidos, um grupo de rapazes, que o tempo batizaria de pais do Cruzado, bolava o Plano de Estabilização Econômica. No dia 28 de fevereiro, dormimos cruzeiros e acordamos cruzados. Meio perplexos, nem imaginávamos que dali a alguns dias o mundo nos conheceria como "fiscais do Sarney", mandei lá no texto para a Criativa.
O tal Cruzado, a promessa de um ano que já era sem nunca ter sido, acelerou na saída e entrou em ponto-morto em pouco tempo. O povo passou da euforia à depressão. Literalmente, levou um cruzado no queixo e foi pra banheira, como a "Rebordosa".
"Mais efêmera" - continuou a matéria - "foi a Seleção Brasileira. O time de Telê começou a sua caminhada meio desacreditado, é verdade. Mas naqueles dias estávamos em ritmo de inflação zero e, sem dúvida, convencidos de que seríamos capazes de qualquer coisa". Não era o nosso ano, perdemos da França nos pés de Zico e Sócrates. "Sem Copa ou Cometa, mas com um Cruzado na mão e uma Constituinte à vista, sobrevivemos apesar de um grande susto. Kiev fica longe, mas o acidente de Chernobyl fez com que nos lembrássemos que Angra 1, aqui pertinho, é uma usina muito temperamental e dada a estranhos vazamentos", conclui, entre outras ilações.
Cara, como já vai longe aquele ano da rebordosa!.
A notícia do fim da Criativa publicada hoje no Portal Imprensa |