Benício Medeiros (1948-2019). Foto: Acervo Pessoal |
Quando a troika paulista (Tão, Octávio e Nunzio) saltou da melancia no Halloween de 1997, Jaquito me convocou de novo para “salvar” a revista. Escolhi Benício como chefe de redação. Era uma causa perdida, sabíamos todos. Ainda assim, consegui me segurar no cargo até maio de 1999 quando, na mesma manhã de terça-feira, recebi três notícias alvissareiras: Um convite da prefeitura de Catania, na Sicília, para visitar a cidade à sombra do Etna; um telefonema da Luciana Villas Boas, da Record, confirmando que ia publicar meu romance A contorcionista mongol; e, last and least, a dispensa da chefia da Manchete, após conversa de meio minuto com o Jaquito, sacramentada pelo grande manobrista dos veículos da Bloch, Janir de Holanda, outro que deixou o barco recentemente. Detentor do recorde de permanência à frente da Manchete – não sei se devo encarar isso como um mérito – fui despachado para a direção do EleEla. Desta vez, Benício não me acompanhou, tinha coisa melhor a fazer e se mandou.
Veterano batizado no fogo dos fechamentos em jornais como O Globo e Jornal do Brasil e revistas como Veja e IstoÉ, Benício publicou também livros importantes como a biografia de Otto Lara Resende (A poeira da glória, 1998), na coleção Perfis do Rio, da Relume Dumará) e A rotativa parou (Record, 2010), sobre os últimos dias da Última Hora de Samuel Wainer (*).
Colegas de redação e vizinhos de bairro, costumávamos ficar horas nas esquinas de Botafogo trocando figurinhas. Um detalhe curioso que me contou certa vez me veio à cabeça agora. Todo santo dia, Benício costumava padecer de dores de cabeça terríveis. A partir do momento em que sua mãe morreu, nunca mais sofreu a menor cefaleia. Benício morreu aos 71 anos de complicações de uma metástase cerebral. Telefonei para ele há cerca de duas semanas para saber se tinha um número antigo da revista Drinque, que ele editava e da qual eu era colaborador. Achei-o meio ríspido, a voz estranha, alegou que estava se recuperando de uma cirurgia de catarata...
A última vez que estive em sua casa na Martins Ferreira foi na festa dos seus 70 anos. Cheguei fazendo blague desculpando-me pelo atraso, que atribuí aos engarrafamentos de Botafogo – moro a duas quadras desertas do Benício. Ele não perdeu a oportunidade para me fazer recitar, diante de uma plateia seleta (a mestra Helena Godoy; Cecília Costa, a escritora; Lygia Marina, a musa; Chico Alvim o poeta) uma das minhas histórias de Paris, que adorava. Era sobre o dia em que, na missa de corpo presente da atriz Vera Amado Clouzot – à qual eu comparecera como sórdido voyeur só para respirar o mesmo ar de Brigitte Bardot e Françoise Arnoul – me vi empurrado na direção do viúvo, o diretor de Les diaboliques, que me abraçou com os olhos marejados e me obrigou a aspergir água benta sobre a defunta, num esquife elevado a três metros acima de nós num catafalco.
O Benício sabia me tirar do sério. Já está fazendo falta...
* Leia a matéria sobre o livro de Benício no link A Rotativa Parou