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sábado, 19 de março de 2016

Se o golpe sair do armário, camisa vermelha vai para a clandestinidade. Para ler ouvindo Manu Chao... 'Soy una raya en el mar / Fantasma en la ciudad / Mi vida va prohibida / Dice la autoridad"

Para ouvir "Clandestino" clique AQUI 

Dias de trovão. Ontem, a rua em 25 estados e no DF foi dos manifestantes que denunciaram o golpe e defenderam a democracia.

Houve visíveis diferenças, digamos, operacionais, em relação aos protestos de domingo, além de um menor número de pessoas, embora bem mais volumoso do que se esperava de um ato com pouca divulgação. 

Em todas as capitais, foi expressivo o número de jovens. E o retrato da  multidão foi mais fiel à cara multicolorida do Brasil.

Quase todos os protestos de ontem reuniram oradores que puxaram palavras de ordem contra a conspiração para derrubar a presidente eleita Dilma Rousseff. O que chamou a atenção foi que muitos desses discursos relataram o que a população pode perder. Ou seja: mostraram conteúdo muito além das palavras de ordem. Não é segredo, ao contrário, tudo foi muito divulgado e veiculado, que muitos entre os apoiadores do golpe já se manifestaram ao longo dos últimos anos e se manifestam ainda, contra a CLT (querem "flexibilizar" as leis que protegem o trabalho), defendem a  reforma com privatização da Previdência, são contra as cotas raciais, advogam terceirização do ensino público, condenam a gratuidade nas universidades públicas, Bolsa Família e programas de habitação com o Minha Casa, Minha Vida são aberrações para eles, sonham com a privatização ou terceirização da saúde pública, querem acabar com a lei que obriga a correção do salários mínimo acima da inflação. É longa a lista. 

Os protestos do dia 13 querem o fim da corrupção. Os de ontem, também. Havia numerosas faixas denunciado corruptos. Com exceção dos políticos e empresários que a praticam até a torcida do Flamengo quer todos corruptos na cadeia. Se as investigações obtiverem provas consistentes, se forem legalmente conduzidas e não selecionarem suspeitos, quem vai ser contra? O problema é que o combate à corrupção está politizado, o que significa que a lei alcança uns e não enxerga outros. Os alvos estão divididos entre corruptos do "bem" e corruptos do "mal".
Vamos observar as manifestações de domingo: o que pretendem mesmo milhões de pessoas que foram às ruas no dia 13? Não querem Dilma, querem Lula preso e pregam a destruição do PT, pedem o fim da ameaça comunista. Na hipótese de alcançarem tudo isso, o que virá? Aí, o bicho pega. Muitos pedem a volta dos militares. Outros, exaltam Bolsonaro e tudo o que ele significa, seja lá o que for. Uns querem Aécio, outros o vaiam. Moro é uma espécie de unanimidade entre eles. Alkimin foi surpreendido com um empurra-empurra. Até um dos líderes de um dos movimentos que convocaram as passeatas foi hostilizado por ser considerado "muito moderado". 

Pesquisa do Data Folha mostrou que, pelo menos na avenida Paulista, boa parte dos manifestantes do dia 13 está com o bolso forrado. Mas é claro que, não só na Paulista como em todas as capitais, havia muita gente com menor poder aquisitivo. Nem todo mundo levou taça de champanhe para o asfalto. Muitos não sabem nem o que é ser um coxinha sociológico. A pergunta é a seguinte: essas pessoas refletiram sobre o que podem perder em um futuro governo neoliberal conduzido sabe-se lá por quem? Aposentados que lá estavam (falo dos aposentados do INSS, não as milionárias pensionistas de ex-funcionários da máquina estatal, dos três poderes da União, estados e municípios), sabem que uma reforma da previdência poderá meter a mão nos seus bolsos já furados? Que, além da queda de Dilma (volto a dizer, nada disso é segredo já que políticos, economistas e colunistas ligados aos golpistas alardeiam isso todos os dias), políticas sociais poderão sofrer duros golpes? 

Um fato que passa quase desapercebido é que algumas dessas ideias já estão no poder ou circulam nos corredores do Congresso na fila da votação em plenário. O enfraquecimento do governo Dilma levou os conservadores a atacarem a legislação que garantiu muitas conquistas sociais nos últimos anos. E eles já registram algumas vitórias, como se sabe.

Enquanto o pais dividido se debate, a caravana passa. Pode-se acusar a gestão de Eduardo Cunha (tido como um corrupto do "bem", já que faz o impeachment andar) na Câmara de muita coisa menos de paralisia. Com a ajuda da oposição, de parte da instável base do governo e até contando com a omissão de deputados tidos como progressistas mas que não mais aguentam Dilma, o bonde do atraso já dirige o país, no sentido de criar leis que regulam o dia a dia dos cidadãos. 

E muita coisa está na pauta, até mesmo uma surpreendente flexibilização da lei que combate trabalho escravo, projetos que reduzem o alcance do Código do Consumidor, toda a legislação de questões da família, códigos trabalhistas, fiscais e ambientais. 

Nesse sentido, o movimento conservador que foi às ruas no dia 13 já exerce efetivamente um poder formal. E alguns "decretos" informais já estão em vigor. Já não é recomendável usar camisa vermelha. O risco de agressão é quase certo, como numerosos casos registrados. Listas de subversivos já circulam na internet, carimbando adversários, estimuladas por um colunista da grande mídia "caçador de comunistas" e que se diz o McCarthy brasileiro. Ler revista de esquerda em avião pode resultar em intimidação, que o diga o incauto que lia uma revista Carta Capital em um voo para Porto Alegre. Ontem, na saída da manifestação contra o golpe, em São Paulo, pelo menos um jovem de camisa vermelha foi ferido ao se encaminhar ao metrô após o ato. Foi agredido por um pelotão de coxinhas no pior estilo da juventude hitlerista.

E se ou quando o golpe sair do armário?

O avanço social que se registrou desde o fim da ditadura vai para a clandestinidade. 


São Paulo. Foto Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Brasíila. Foto agência Brasil

Brasília. Foto Agência Brasil

Brasília. Foto Agência Brasil
  
Pipoca democrática. No Rio. Foto agência Brasil
Ato em defesa da Democracia. Faculdade de Direito da USP. Foto Roberto Parizotti/CUT

Escritor e jornalista Fernando Morais em ato contra o golpe. PUC, SP/ Foto Robert Pariotti/CUT

Ato na PUC/SP. Foto Roberto Parizotti/CUT