T.S. Eliot, The Hollow Men
“Assim acaba o mundo/Não com uma explosão, mas com um gemido.”
T.S.
Eliot/Os homens ocos
Eu
sabia que tinha o filme aqui, entre as centenas de DVDs que cobrem as paredes
do meu escritório. Comprado na banca do Gilmar, defronte à Estação Net Rio,
parada obrigatória dos cineminhas de fim de tarde aos sábados, rotina banal de
um mundo que agora me parece muito remoto e até mesmo irrecuperável. Não queria
perder tempo procurando o filme e, também, depois de um dia trabalhando como um
estivador das palavras na tradução de um livro, desejava, como lazer de fim de
noite, um daqueles filmes noir em
preto-e-branco dos anos 40/50 que adoro, geralmente pinçados no YouTube. Mas,
há poucos dias, me defrontei com a capa de Contágio, e resolvi encarar. Um
gesto de entretenimento se transformava num ato de masoquismo, assistir à
desgraça que nos assola nesse momento. Mas o filme de Steven Soderbergh, de
2011, por ser tão bem estruturado, é gratificante, embora o teor seja trágico.
Fiquei imediatamente impressionado com as semelhanças incríveis da trama com a
pandemia atual. Onde foi que diretor e roteirista buscaram dados tão realistas?
Eu parecia ver um filme feito agora, calcado em todos os mais meticulosos detalhes
do coronavírus. Então me dei conta de que o filme recorreu a conhecimentos de
domínio público que antecipavam já o que iria acontecer. A comunidade
científica muitas vezes sai do seu casulo de pesquisa e envia seus alertas à
sociedade, mas nem sempre estes avisos são ouvidos pelos governos, engajados no
seu jogo politico, e pelos próprios cidadãos, emaranhados na sociedade do
emprego e na sociedade de consumo. A seguir, cito livremente do Wikipedia,
destacando os pontos principais em amarelo, para dar uma ideia de que, há muito
tempo, já se sabia que ia acontecer:
“Soderbergh e o roteirista Scott Z. Burns discutiram um filme que descreve a rápida disseminação
de um vírus, inspirado por eventos como o surto de SARS de 2002-2004 e a pandemia de gripe A de 2009. Burns consultou representantes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e especialistas médicos como W. Ian Lipkin e
Lawrence "Larry" Brilliant. A filmagem começou em Hong Kong em
setembro de 2010 e continuou em Chicago, Atlanta, Londres, Genebra e São
Francisco até fevereiro de 2011.
Intrigados com a área da transmissão, Burns sugeriu que
eles criassem um filme centrado em uma situação de pandemia. Seu principal objetivo era
construir um thriller médico que "realmente parecia o que poderia
acontecer".
Burns consultou Lawrence "Larry" Brilliant,
conhecido por seu trabalho na erradicação da varíola, para desenvolver uma
percepção precisa de um evento de pandemia. Ele assistiu a uma das
apresentações do Brilliant no TED , pelo qual ficou fascinado, e percebeu que "o ponto de vista das
pessoas desse campo não é 'Se isso vai acontecer', é 'Quando isso vai
acontecer? Brilliant apresentou Burns a outro especialista, W. Ian
Lipkin. Com a ajuda desses médicos, os produtores puderam obter perspectivas
adicionais de representantes da OMS. Burns também se encontrou com a autora
de The Coming Plague/A peste que está a caminho, Laurie Garrett.
Seu livro de 1995 ajudou Burns a considerar uma variedade de tramas em
potencial para o filme. Ele queria contar com um funcionário do CDC e,
finalmente, decidiu usar um epidemiologista, já que esse papel requer interação
com as pessoas durante o rastreamento da doença.
Embora ele tenha feito pesquisas sobre pandemias seis
meses antes da pandemia de gripe A de 2009, o surto acabou
"ajudando" nos seus estudos, porque forneceu uma visão do aparato
social após os estágios iniciais de uma pandemia. Para ele, não era apenas o vírus em si que se preocupava,
mas como a sociedade lida com a situação. "Eu os vi ganhando
vida", disse Burns, "e vi questões sobre: 'Bem, você fecha as
escolas e, se você fecha as escolas, quem fica em casa com as crianças? E todos
manterão seus filhos em casa Coisas acontecendo online, que é de onde veio o
personagem Jude Law, que haverá informações que saem online onde as pessoas
querem estar à frente da curva, para que algumas pessoas escrevam coisas sobre
antivirais ou diferentes protocolos de tratamento, e então sempre haverá uma
informação e essa informação também tem uma espécie de pulso viral".
Sempre achei que o fim do mundo não seria noticiado, ele nos acabaria na hora,um meteoro, um tsunami gigante, uma
disjunção de placas tectônicas, enfim, nada mais distante do que estamos
vivendo. Como na epígrafe de Eliot que usei. Os (as) repórteres de TV mascarados,
microfone na mão, nos informando que vamos morrer, tudo transmitido ao vivo (!)
em tempo real. Querem saber mais? Uma (des) organização social que, dispondo de
dados sobre a pandemia mortal iminente, não foi capaz de impedi-la, merece o
que está tendo. Vão botando isso na sua cabecinha:
Não demora, vamos fazer
companhia aos dinossauros. Pelo menos eles não cavaram sua própria cova...