Janis Joplin na Praia da Macumba. Foto antológica de Ricky Ferreira. |
Janis Joplin na Avenida, Rio, Carnaval de 1970. Foto Manchete |
Janis Joplin durante coletiva de imprensa no Copacabana Palace, matéria publicada na Manchete. Ricky está logo atrás de JJ. Foto de Nilton Ricardo |
Por ROBERTO MUGGIATI
É uma noite abafada e estou num apartamento de frente para o bloco de pedra do Cantagalo. Nosso anfitrião recebeu, dias depois do lançamento, em 11 de janeiro, o último LP (póstumo) de Janis Joplin, Pearl. Na verdade, Mercedes-Benz foi a última faixa que ela gravou, três dias antes de morrer de uma overdose de heroína num motel de Los Angeles, em 4 de outubro de 1970.
Janis viveu seus dois últimos verões nesse ano: primeiro no Brasil, depois nos Estados Unidos. Ela saltou de paraquedas no Rio em pleno Carnaval, foi ver as escolas de samba na Avenida (então Presidente Vargas), hospedou-se no Copacabana Palace (logo a expulsaram por nadar nua na piscina), conheceu o Rio roqueiro de Serguei e do Big Boy e fez topless na Praia da Macumba, onde foi flagrada por seu cicerone carioca, o fotógrafo Ricky Ferreira.
Quando Janis morreu, a Manchete publicou com exclusividade aquelas fotos da roqueira descontraída, na praia, entornando uma garrafa inteira de Fogo Paulista, um goró suicida: licor de ervas aromáticas com ingredientes naturais de plantas selecionadas e mel de abelhas. Graduação alcoólica de 36%vol, conteúdo 960ml. Nosso chefe de reportagem João Luís Albuquerque correu atrás do Ricky e garantiu a exclusividade das fotos para a revista carro-chefe da Bloch.
Tive acesso à audição privilegiada de Pearl através do Ricky Ferreira, justamente, que se tornou meu amigo depois da publicação de suas fotos em Manchete. O detentor do cobiçado LP era um amigo do Ricky, o Mauro, um hare krishna muito doido e muito rico, de bata, cabeça raspada, mantras e tudo mais.
A essa altura o rock começou a mexer com minha vida. Em 1968, publiquei meu primeiro livro, Mao e a China, uma declaração de amor ao comunismo chinês e à revolução cultural. Uma semana depois, o AI-5 desabou sobre nossas cabeças e não se podia mais escrever sobre política. Foi então que me voltei para a contracultura, uma nova arma para combater o Sistema. O rock era a voz principal da contracultura. Deixei de lado o jazz e voltei-me para o som e a fúria de Rolling Stones, Beatles, Dylan e The Who.
Quando Jimi Hendrix morreu, duas semanas antes de Janis Joplin, escrevi a matéria principal da Manchete. Começava assim:
“WHAAAAMMMMMM –BOOOMMM –SSSHHHH-BLAMMMM-RAT-AT-TAT-RAT-AT-AT-WHIIIIZZZZZ-BOOOMMMMMM – São bombas explodindo, granadas e napalm, rajadas de metralhadoras, em meio ao silvo dos jatos e ao ronco dos helicópteros. O ano é 1969, mas o Vietnã está a milhares de quilômetros de distância. Aqui, nas suaves colinas de Woodstock, trinta mil jovens entorpecidos pelo sono e cansaço acordam em sobressalto, num barulheira demencial, sem saber o que está acontecendo. É Jimi Hendrix interpretando o hino americano, Star-Spangled Banner – o ato final daqueles ‘três dias de paz e amor’ que marcaram toda uma geração.”
Carlos Heitor Cony me conhecia pouco, gostou do texto e me convidou para chefe de redação do Ele&Ela, que ele dirigia. Eu tinha passado um ano da direção da Fatos&Fotos, a Gata Borralheira das revistas da Bloch, e estava meio no limbo das redações. A ida para o Ele&Ela foi providencial. Uma revista masculina que, graças à ditadura, não podia publicar nus – só mulheres bonitas em biquinões – então o texto inteligente e sofisticado era a saída. Lá estavam o crítico de arte Flávio de Aquino, o crítico de cinema Paulo Perdigão, o crítico literário Mário Pontes. E, é claro, melhores do que as mulheres estampadas em nossas páginas, a dupla de secretárias do Cony, eficientíssimas: a longilínea loura escandinava Mia e a dengosa Lúcia, de cabelos morenos. Para quem tinha o pique de fechar jornais, ou revistas semanais (eu vinha da Manchete, da Veja e da Fatos&Fotos), uma revista mensal era uma moleza. Sobrava tempo para escrever outras coisas. Foi ali que Cony escreveu o que ele considera sua obra maior, o transgressor Pilatos. Foi ali que, a partir de um artigo sobre a relação do rock com as drogas, a perigosa viagem do som, eu escrevi Rock: o grito e o mito/A música pop como forma de comunicação e contracultura. Mário Pontes, na mesa ao lado, que com Rosemary Muraro era editor da Vozes, comprou imediatamente a ideia. Rock: o grito e o mito saiu em 1973, teve quatro edições, as duas últimas atualizadas em 1981, foi publicado em 1975 em espanhol pela Siglo Veintiuno (Madri, Mexico, Buenos Aires, a editora de Borges e Cortazar), fez a cabeça dos jornalistas de música brasileiros e foi adotado por muitos cursos de comunicação pelo país afora.
O Porsche da Janis Joplim. Reprodução |