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sábado, 3 de junho de 2017

Quinze anos sem o repórter guerreiro • TIM LOPES NASCEU NA MANCHETE



Reprodução timlopes.com.br

por Roberto Muggiati

Da maré humana que escoou por MANCHETE ao longo das décadas, havia aquela que chafurdava nos subterrâneos obscuros da Bloch. Era a raça dos "siris", como eram chamados os contínuos. Camisa azul claro, calça azul marinho, eles percorriam todos os andares da casa e — além dos serviços básicos, como ir aos bancos e pagar as contas dos bacanas — executavam também as mais insólitas tarefas. E envolviam-se nas histórias mais estranhas.

Sammy, à minha direita, na redação
da Manchete, anos 70
Um deles, o Sammy Davis, caolho, muito parecido com o cantor americano, prometeu a Adolpho Bloch que convenceria a dona da casa vizinha ao prédio da Manchete a vender o terreno para ele. Depois de uns cinco anos de conversa, a velha senhora cedeu e Adolpho pôde construir seu terceiro prédio, colado aos outros dois. Se Sammy levou a almejada comissão — de um ou de outra, ou de ambos — ninguém ficou sabendo.

Um contínuo do Justino Martins, o Rosinei, que levava revistas para o escritor francês Jean Genet, hospedado ao lado, no Hotel Glória, acabou virando caso do escritor, homossexual militante, que ficou alguns meses no Rio. Rosinei parece ter gostado da sua nova atividade e também prestou serviços de delivery sexual para uma ex-repórter da Manchete que tinha virado autora best-seller e escrevia suas colaborações em casa.
Contínuo era profissão de alta rotatividade na Bloch. Como o mordomo dos romances policiais, o contínuo era sempre o culpado. E na revista Manchete, o setor mais nervoso da empresa, a toda hora tinha "siri" na fritura. O novo contínuo chegava sempre desconfiado, com o rabo entre as pernas, achando que iria sobrar para ele.

Em meados dos anos 1970 apareceu um destes, o Paulinho, garoto sério, tratando todo mundo de senhor, sem nenhuma intimidade. João Luiz Albuquerque, o chefe de reportagem, já nos primeiros dias falou: "Eu conheço esse cara de algum lugar." E ficou semanas matutando. Um belo dia, com um sorriso de triunfo, João Luiz exibiu um exemplar da coleção de Fatos&Fotos do início dos anos 1960. O nosso Paulinho era o famoso “Pablito Cubano”, menino pobre da Baixada que viajara no trem de aterrissagem de um avião do aeroporto do Galeão até Havana. Recebido com honras de chefe de estado por Fidel Castro, Paulinho foi repatriado e voltou ao Rio de avião, desta vez numa confortável poltrona.

Nos primeiros tempos da nossa masculina mensal EleEla, dirigida por Carlos Heitor Cony, vivíamos o auge do AI-5 e dos Anos de Chumbo. Peitinho de fora, nem pensar! Não eram permitidos nus, as moças apareciam de biquíni, e os textos eram bem comportados. Apesar de toda essa repressão, a ditadura militar exigia ainda a censura prévia. Antes da impressão, as páginas da revista, em arte final, eram levadas pelo contínuo à casa da censora — não sei por que, no caso do EleEla o censor era uma mulher. Certa vez, o Netto, que fazia este serviço, foi recebido pela censora num peignoir transparente. Rapaz sério, recém-casado, Netto — superado o choque inicial — desculpou-se polidamente dizendo que tinha de "fazer os bancos" e voltaria mais tarde.

Foi nesse berço improvável de heróis que surgiu um dia Arcanjo Antonino Lopes do Nascimento, nascido em Pelotas, RS, quarto de doze filhos. Aos oito anos, a família mudou-se para o Rio de Janeiro, instalando-se na favela da Mangueira. Aos vinte anos, em 1970, Arcanjo Antonino encontrou guarida como contínuo no Domingo Ilustrado, jornalão semanal dirigido por Samuel Wainer, que Adolpho Bloch resgatava do exílio parisiense após o golpe militar de 1964.

Reprodução
O rapaz de vinte anos ostentava uma frondosa cabeleira afro, que lhe valeu o apelido de Tim, dado pelo próprio Wainer. Ele abraçou orgulhoso o novo nome – Lopes, Tim Lopes – e passou a usá-lo nas primeiras matérias que fez para as revistas menores da Bloch, no vistoso prédio da Rua do Russell, na Praia do Flamengo. Repórter investigativo, era o que gostaria de ser, o sonho da sua vida. Um sonho que concretizou, para aprender – com a vida – que repórter investigativo é uma profissão de altíssimo risco neste país.