Reproduçãio Revista The President |
Memória
por Roberto
Muggiati (especial para a revista The President)
Eterno enquanto 100
Sou um
labirinto em busca de uma saída.” O poeta sabia mais de si do que qualquer
outro. Na verdade, Vinicius de Moraes passou a vida tentando sair de
labirintos. Sua intensidade existencial abreviou seu tempo, mas legou um grande
poeta. Carlos Drummond de Andrade admitia: “Eu queria ter sido Vinicius de
Moraes. Foi o único de nós que teve vida de poeta, que ousou viver sob o signo
da paixão”. O mundo literário sempre desconfiou dos poetas de êxito popular.
Vinicius é estigmatizado até hoje por esse preconceito. Mesmo amigos como João
Cabral de Melo Neto e Rubem Braga tentaram demovê-lo do que consideravam um “desvio”
na sua carreira. Em 1977, numa entrevista à penúltima mulher, a argentina Marta
Rodriguez Santamaría, para um livro que nunca foi publicado, Vinicius lamenta
não ter composto uma obra-prima como o Bateau Ivre, de Rimbaud, Os Cantos, de
Ezra Pound ou The Waste Land, de T.S. Eliot.
Nascido na
Gávea, no Rio de Janeiro, 100 anos atrás, ele cresceu em meio à poesia e à
música: o pai, funcionário público, escrevia poesia e tocava violino; a mãe
tocava piano. O avô paterno era latinista e poeta, a avó fazia versos. O bisavô
paterno era um excêntrico que, ao se aposentar, passou a caçar as empregadas; rechaçado
pela mulher, foi dormir sobre o muro da casa até cair e morrer. A família também
tinha muitos boêmios e seresteiros. Fiel ao sangue, Vinicius começou a poetar
cedo, aprendeu violão e, no Colégio Santo Inácio, formou um conjunto com três
colegas, os irmãos Tapajós. Letrista, compôs aos 14 anos suas primeiras músicas:
“Canção da Noite” e o fox-trote “Loura ou Morena”. Aos 25 anos, ganhou uma
bolsa para estudar língua e literatura inglesa em Oxford, onde casou por
procuração com Beatriz Azevedo de Melo, que ficaria conhecida como Tati de
Moraes. O início da guerra, em 1939, o traz de volta ao Brasil, onde nascem os
primeiros filhos: Susana (1940) e Pedro (1942). Vinicius sempre balizou os
sentimentos familiares pela poesia. Sobre a paternidade, compôs o irônico “Poema
Enjoadinho”: “Filhos... Filhos?/Melhor não tê-los!/Mas se não os temos/Como
sabê-lo?” Sua filosofia do amor foi magistralmente definida no “Soneto da Fidelidade”,
dedicado a Tati: “Eu ... “Eu possa me dizer do amor (que tive): que não seja
imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure”
O poeta no seu labirinto
Aos 30, entrou
para a carreira diplomática e, três anos depois, assumiu o posto de vice-cônsul
em Los Angeles. O casamento com Tati não é eterno, mas até que dura, para os
padrões do poeta: 11 anos. Foi interrompido por um segundo e breve “casamento” (em
cerimônia secreta numa igreja de Petrópolis), com Regina Pederneiras.
Arquivista do Itamaraty, Regina levou de lembrança a “Balada das Arquivistas”.
Em 1951, o Poetinha conhece Lila Bôscoli, numa boate de Copacabana, em episódio
célebre. Rubem Braga teria dito: “Vinicius de Moraes, apresento-lhe Lila
Bôscoli. Lila Bôscoli, apresento-lhe Vinicius de Moraes. E seja o que Deus quiser”.
É paixão fulminante. Vinicius tem o dobro da idade, o irmão da moça, Ronaldo Bôscoli,
quer lhe dar uma surra, mas se desmancha ao encontrar o poeta, seu ídolo.
Vinicius tem duas filhas com Lila, Georgiana (1953) e Luciana (1956), e dedica
à mulher o “Poema dos Olhos da Amada”. Apesar de toda a paixão por Lila, Vinicius
se apaixona perdidamente em Paris por Mimi de Ouro Preto, manequim de Dior. Quando
ela o rechaça, Vinicius se tranca na cozinha, veda todas as frestas e abre o
gás. Por sorte a mãe de Lila Bôscoli chega mais cedo e salva o poeta de sua
melancólica tentativa de suicídio. Rubem Braga e Vinicius se apaixonavam à toa.
A diferença é que Rubem só casou uma vez e ostentava orgulhoso uma placa no seu
famoso jardim suspenso de Ipanema: “Aqui vive um solteirão feliz”. Já Vinicius
casava com todas. Em 1957, entra em cena Lúcia Proença, sobrinha do mentor de
Vinicius, o escritor Octávio de Faria. Perderam a conta? É a quarta mulher oficial
do Poetinha, que a brinda com “Para Viver um Grande Amor”. Começa àquela altura
outra série de casamentos: as uniões paralelas de Vinicius com seus parceiros
musicais. O primeiro é Tom Jobim: no Bar Vilarino, no centro do Rio, ele recebe
a proposta de Vinicius: “Você toparia musicar minha peça?” E Jobim: “Tem um dinheirinho
nisso?” (Como o Poetinha, Tonzinho também era chegado a um diminutivo.) Os dois
compõem praticamente todas as canções da trilha de Orfeu da Conceição, peça de Vinicius
que transplanta o mito grego para o morro carioca. O sucesso é tanto que o diretor
francês Marcel Camus vem ao Rio filmar Orfeu Negro, que venceria a Palma de Ouro
em Cannes (1959) e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (1960). Em 1961, surge
um novo parceiro, Carlinhos Lyra. Vinicius compõe com ele canções como “Você e
Eu”, “Minha Namorada”, “Coisa Mais Linda”, algumas delas incluídas no musical
Pobre Menina Rica, baseado numa peça do poeta. Por ser letrista, o Poetinha se vê
excluído do boom da bossa nova nos Estados Unidos, a partir do LP
Getz/Gilberto, gravado em 1963. Afinal, a penetração no mercado internacional
exige letras
em inglês,
daí “The Girl From Ipanema” (ou “The Boy”, quando cantado por mulheres), “No
More Blues” (“Chega de saudade”) e “How Insensitive” (“Insensatez”). Talvez por
isso, Vinicius passa a in vestir mais na sua voz, aparecendo com destaque no LP
Vinicius & Odete Lara. Gravado em 1963, é a estreia em grande estilo da
nova parceria com Baden Powell, incluindo clássicos como “Berimbau”, “Só por
Amor”, “O Astronauta”, “Samba da Benção” e “Samba em Prelúdio”, sobre o qual
Vinicius disse a Baden: “Camaradinha, acho que plagiamos Chopin”. Vinicius participa
da maioria das faixas e convence como “cantor-sem-voz”; aliás, iniciou-se nessa
categoria dois anos antes do parceiro Tom. Na parceria com Baden, Vinicius abre
seu leque musical para “coisas” da Bahia, com candomblé, berimbau, capoeira e
samba de roda. Carlos Lyra foi peça fundamental para o casamento seguinte de
Vinicius, o quinto. O Poetinha, aos 50 anos, apaixonou-se por Nelita de Abreu
Rocha, 20 anos. Ela tem um noivo passional que ameaça matá-la caso a perca para
outro. Carlinhos propõe – e planeja – uma fuga, pura e simples. Vinicius na
época é designado para o consulado brasileiro em Paris. Com Tom Jobim ao
volante, apavorados com as ameaças do ex-noivo, que é exímio atirador, Vinicius
e Nelita pegam um carro para o Aeroporto do Galeão. Fernando Sabino e Otto Lara
vão como seguranças. Antes de entrar no avião, Nelita deixa uma carta para os
pais comunicando seu “casamento”. Ela parte toda vestida de branco, até
calcinha e sutiã, uma verdadeira noiva. Diante do fato consumado, os pais tornam
público num anúncio de jornal o casamento da filha com o poeta e diplomata
Vinicius de Moraes. Um dia, uma amiga comenta sobre o fato: “O pior que pode
acontecer é ele escrever para você meia dúzia de poemas e você se tornar
famosa”. Inspirado por Nelita, Vinicius publica, em 1966, “Para uma Menina com uma
Flor”. Mas, ao cabo de cinco anos, a menina vê mais garrafas do que flores no convívio
com o poeta e desiste.
“Vate 69”
Todo um
folclore cerca a relação de Vinicius
com o uisquinho, diminutivo apenas no
chamamento afetuoso, mas um problema enorme.
Ele define a bebida como “o cachorro engarrafado,”
o melhor amigo do homem. Raramente é
visto sem um copo na mão, principalmente
durante os shows. Adora o apelido “vate 69”, criado a partir de uma marca de scotch, o Vat 69. (“Vate”, o
dicionário ensina às novas gerações, quer
dizer “poeta, versejador, e também profeta, vaticinador, vidente.” Já 69, todos sabem o que é...) O apelido sugere o lema “sexo, bebida e bossa nova”. Apesar da dependência alcoólica
crescente, Vinicius cresce como
compositor e cantor e ainda como showman, lotando teatros no Brasil, em Roma, Paris, Lisboa e Buenos Aires. Impossível
conciliar tudo isso com a carrière.
Na onda de demissões no quadro diplomático
que se segue ao AI-5, Vinicius é sumariamente exonerado. Em entrevista publicada postumamente
pela Veja (12 de janeiro de 2000), o
ex-presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo explicou: “Eu era o chefe da Agência Central do
Serviço e recebíamos constantemente
informes de que ele, servindo no consulado
brasileiro de Montevidéu, ganhando 6000 dólares por mês, não aparecia por lá havia três meses.
Consultamos o Ministério das Relações
Exteriores, que confirmou a acusação. Verificamos
que ele não saía dos botequins do Rio de Janeiro, tocando violão, se apresentando por aí, com copo de uísque do lado. Nem pestanejamos. Mandamos
brasa”. Vinicius ficou indignado com
o ato arbitrário, mas manteve o bom
humor. Corre uma anedota: quando circulou que a degola atingira homossexuais, corruptos e bêbados, Vinicius, ao chegar repatriado no Galeão, gritou do
alto da escada do avião para a
chusma de jornalistas: “Rapaziada, eu sou alcoólatra!” Os arquivos oficiais mostram que Vinicius, quando trabalhava, era um funcionário eficientíssimo. Mas
ele abominava a ideia de chegar ao
nível máximo da carreira, como disse
em depoimento ao Museu da Imagem do
Som, no Rio, em 1967: “Nos escalões
inferiores da carreira, ninguém
presta atenção em você. O perigo é
você virar embaixador, né? Minha
grande luta no Itamaraty tem sido
para não ser promovido”. Ironicamente, em
16 de agosto de 2010, o governo
promoveu postumamente “o diplomata, poeta
e compositor Vinicius de Moraes ao
cargo de Ministro de Primeira Classe
(Embaixador).” O Poetinha deve ter tremido no túmulo. Se o AI-5 desencadeia “os anos de chumbo” na vida política, na vida conjugal de Vinicius ele traz
os “anos de estanho”. Em represália a
uma infidelidade do poeta, sua sexta mulher, a jornalista Cristina Gurjão, grávida de Maria (1970), quinta e última dos filhos do poeta, ataca Vinicius com dois candelabros de estanho. O foco dessa crise foi a baiana Gesse Gessy, filha de santo que será a sétima mulher de Vinicius. Gesse faz a cabeça do marido
e o leva ao terreiro de candomblé da
Mãe Menininha do Gantois, em Salvador.
Vinicius tinha medo de avião desde
um episódio em 1945: voava do Rio a Buenos
Aires quando o hidroavião francês fez um
pouso forçado numa laguna uruguaia; a hélice invadiu a cabine como uma serra voadora e matou um
passageiro a poucos metros dele. Mãe
Menininha o libera do medo de voar em troca
de certas obrigações: só veste roupas brancas, cobre-se de colares de contas e de conchas, deixa os
cabelos crescerem até os ombros e
cumpre uma série de rituais toda vez
que vai subir num avião. No livro Nuestro Vinicius/ Vinicius de Moraes en el Río de la Plata (Editora Sudamericana, 2010), a jornalista Liana Wenner narra a sequência da história. Apresentando- -se no início dos anos 1970 com Maria Creuza e Toquinho na boate
La Fusa de Buenos Aires e Punta del
Este, Vinicius torna-se um verdadeiro ídolo na Argentina. Mas os hermanos não engoliam Gesse. O produtor de discos de Vinicius mencionou “a cagada que ele
fez ao se casar com a baiana”, afastando
amigos até como Tom Jobim. Outro empresário cultural alfinetou: “Trazia do Brasil ovos de codorna em escabeche, aqui raríssimos na época, porque dizia que
eram bons para a virilidade — ela
era assim...” Liana Wenner bota a pá de cal: “Ficaram para trás as roupas pretas que Buenos Aires conhecia. Por Gesse, Vinicius foi astutamente levado a um coquetel vulgar, confuso e superficial de hippismo, candomblé, amor livre e quantos ‘ismos’ dernier cri se
cruzassem”. Vinicius saía sempre dos
casamentos com uma escova de dentes
e seu retrato pintado por Portinari
em 1938, quando o poeta tinha 25
anos. Desta vez, para recuperar a tela teve
de entrar na Justiça contra Gesse. Depois
de um espetáculo, uma jovem fã procurou
Vinicius para lhe mostrar alguns poemas
que escrevera. Era inevitável: a oitava e penúltima mulher de seria uma argentina Martita.
Alarga-se a
defasagem etária para 38 anos: ele tinha 61, ela 23 – era doze anos mais moça
do que Susana, a primeira filha do poeta. No Rio, Martita foi apresentada aos
cinco filhos de Vinicius – jovens como ela, excetuando Maria, com cinco anos.
Ela o acompanha no circuito universitário pelo interior de São Paulo e depois
na turnê por Portugal, França e Itália. Apaixonado, Vinicius complementa sua
educação, apresenta-a aos grandes escritores, artistas e músicos, vivos e
mortos. Dedica a ela um poema bem humorado: “A mulher de gêmeos/Não sabe o que
diz/Mas tirante isso/ Faz o homem feliz.” Casam-se em 1976, mas, segundo Liana
Wenner, será “uma relação feita de despedidas e reencontros.” Durante as turnês
pela Europa, Vinicius é assessorado por Gilda Matoso, que será sua nona e última
mulher. Apesar de quarenta anos mais moça, Gilda procura colocar o poeta no
prumo e lhe traz uma maturidade que ele jamais alcançou. Instalam-se numa casa na
Gávea onde Vinicius intensifica sua parceria com Toquinho e as prolongadas
sessões à banheira, seu verdadeiro escritório. Segundo a amiga Renata
Shussheim, “fazendo banhos de imersão, colocava entre as bordas da banheira uma
prancheta que usava como mesinha e ali escrevia. Passava horas assim, eu o
apelidei de Moby Dick”. A atriz Alexia Deschamps, ainda criança, foi com a mãe
visitar Vinicius e o encontrou na banheira. Até hoje diz em tom de brincadeira:
“O primeiro homem nu que vi na vida foi Vinicius.” E foi na água (ele a
comparava a “uma volta ao útero materno”) que o Poetinha viveu seus últimos momentos.
Vinicius foi encontrado inconsciente pela empregada na manhã de 9 de julho de 1980.
Tentaram reanima-lo em vão e ele morreu nos braços da última companheira, Gilda
Matoso, e do último parceiro, Toquinho. Fechava um ciclo, antes de completar 67
anos, e morria – depois de longas andanças pelo mundo – no mesmo bairro onde
nasceu. O poeta saía finalmente do grande labirinto que foi sua vida.
Saravá,
Vinicius de
Moraes!
Reprodução Revista The President |
O meu Vinicius
por Roberto Muggiati (especial para a revista The President)
“Conheci
Vinicius, ou melhor, trombei com
ele, na noite da estreia
brasileira
de Sarah Vaughan: 6 de agosto de 1959, uma segunda-feira. Foi na boate Fred’s,
que ficava em cima de um posto de gasolina na Avenida Atlântica, esquina da Princesa
Isabel. O tout Rio marcou presença, a mesa principal presidida pelo capitão da
mídia mais poderoso da época, Samuel
Wainer, com sua Danuza. Decorando a mesa, os “pombinhos” recém-casados João e
Astrud Gilberto. Vinicius e um batalhão de jornalistas, do qual eu fazia parte,
disputávamos a atenção da diva no seu camarim. Eu, repórter curitibano, com
quase 22 anos; ele, colunista famoso, com quase 46 – ambos librianos de 6 e 19
de outubro. Claro, não fui páreo para o Poetinha, que já se projetava como o
letrista maior da bossa nova. Aquela noite foi “o último baile da Ilha Fiscal”
do Rio de Janeiro como Capital da República. Em menos de um ano, a cidade
passaria à condição de capital de um factoide, o estado da Guanabara. Meu
segundo encontro com Vinicius foi bem mais prolongadoe próximo. No dia 1º de
julho de 1964, quarta-feira, um trio de amigos deixou Londres com a missão precípua
de visitar o Poetinha em Paris: Fernando Sabino, adido cultural do Brasil em
Londres; o jornalista Narceu de Almeida, ao volante do seu Morris Mini-Minor; e
eu, radialista da BBC. Narceu e eu éramos meros coadjuvantes: o grande amigo de
Vinicius era Sabino. Num dia esplendoroso de verão, deixamos para trás a
verdejante paisagem inglesa, atravessamos de ferry o Canal da Mancha e, por
entre infindáveis campos de girassóis, chegamos a Paris. Não me lembro como –
sem celular – descobrimos o local exato onde encontrar o poetinha. Embora já
passasse das nove da noite, raios dourados de sol ainda banhavam a copa dos
castanheiros. E lá estava outro trio, no La Feijoada, em seu primeiro endereço parisiense,
num cais da Île Saint- Louis. Um trio bem mais carismático: Odete Lara, Baden
Powell e Vinicius. Começou aí uma sucessão de quatro noites de loucas conversas
regadas a uísque. Em outra ocasião, fomos beber num bar do qual Vinicius era praticamente
sócio, Le Calvados. Mas a grande noite foi mesmo na sexta-feira, no apartamento
do Poetinha. Um apartamento térreo num daqueles prédios típicos do seizième,
nas cercanias do Champs- Elysées, quase sem decoração, embora Vinicius
representasse o consulado do Brasil em Paris. Uma vez iniciados os trabalhos
etílicos, sua mulher, Nelita – 30 anos mais moça – se recolheu para dormir. Ao
longo da noite, toda vez que um marmanjo precisava ir ao banheiro, se via
obrigado a passar literalmente por cima de Nelita, apagada na cama de casal que
tomava todo o quarto. Falou-se muito – principalmente Vinicius e Sabino, que
passaram mais de duas horas discutindo Jayme Ovalle. Bebeu-se muito, também
confesso – que quase nada lembro. Uma só imagem gravei fotograficamente: lá
pelas 5 da manhã, com o sol querendo já se mostrar, pela janela do
rez-dechaussée aberta para a rua, entram duas fadas, Odete Lara e Mylène
Demongeot. (Vinicius sempre se cercou de belas mulheres.) Mylène esbanja meia
hora de charme e sexappeal antes de se despedir: “Bem, preciso ir embora. Na
França, se a gente chega em casa depois das 6 da manhã, quer dizer que dormiu fora...”
Lembro-me do ar extasiado com que o Poetinha sorveu a bela sonoridade da frase
enunciada pelos lábios carnudos de Mylène: “Ben, je dois partir. En
France, si on arrive chez soi après six heures, ça veut dire qu’on a découché”.”