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quarta-feira, 25 de junho de 2025

Adeus, Lena Muggiati

 

Lena Muggiati em frente ao Palácio de Buckingham, em 1986. Depois de cobrir o casamento do príncipe Andrew com Sarah Ferguson, ela aguardava o beijo do casal na famosa sacada da residência real. 

Lena Muggiati fez parte daquela geração de jovens fotógrafas que pontificaram nas décadas de 80 e 90 nas páginas da Manchete e de outras revistas da Bloch: Cibele Clark, Cristiane Isidoro, Gilda Estelita, Isabel Garcia, Márcia Ramalho, Margaret Lippel e Paula Johas. Lena tinha um diferencial: era casada com o editor da Manchete, Roberto Muggiati, e isso, mais do que uma vantagem, podia ser um empecilho. Muito antes da internet e do celular, as redes antissociais já vicejavam nos corredores de Frei Caneca e do Russell. O primeiro grande ensaio de Lena – dezesseis páginas sobre o Jardim Botânico, com direito a uma exposição no próprio JB – foi paginado na gestão do editor Justino Martins.


Muggiati e Lena acabaram encontrando o seu caminho e participaram juntos de grandes coberturas, como a dos maiores festivais de jazz da época. No 1º Free Jazz, o close que fez de um Chet Baker envelhecido, a três anos da morte, ganhou a capa do caderno cultural do Valor Econômico. A foto do Chet rejuvenescido tocando trompete no gran finale do evento foi usada por Walter Salles como capa do livro do fotógrafo (Peter Coyote) protagonista do filme “A grande arte”. 


Ainda em 1985,  Lena registrou o lendário “duelo no Montreux Corral” entre João Gilberto e Tom Jobim. No ano seguinte – ainda se recuperando do parto da filha Natasha – viajou de Montreux a Londres para cobrir o casamento do Príncipe Andrew; nas horas de folga fez um ensaio de treze páginas para a série Viagens Imaginárias, “A Londres de Sherlock Holmes”. De volta ao Rio para o Free Jazz, seguindo uma ideia da revista Life durante o Live Aid, Lena montou um estúdio no Hotel Nacional pelo qual fez passar para fotos posadas as estrelas do 2º Free Jazz, veteranos como Gerry Mulligan e revelações como Wynton Marsalis e Stanley Jordan. 


Uma foto de Miles Davis em Montreux, um halo mágico envolvendo o bocal do trompete, ilustrou uma caixa de doze K7s da Sony Music, num projeto gráfico premiado. Em quinze anos de festivais, depois de obter a foto definitiva do músico tocando, ela cultivou o hobby de fotografar o calçado de cada um. A “brincadeira” foi levada a sério e rendeu uma exposição (no Rio e em Brasília), “Aos pés do jazz” - em que o sapato refletia admiravelmente a personalidade do artista.

Lena fotografou também grandes nomes da música brasileira, com retratos consagrados de Ivan Lins, Nara Leão, Artur Moreira Lima e Arrigo Barnabé. Um dia, a caminho da casa de Hermeto Pascoal, parou numa loja do Catete e comprou um pano preto que serviu de fundo para uma foto do Bruxo tocando bombardino com um papagaio empoleirado na campana do instrumento.

O casal sofreu um dia insólito episódio de bullying patronal quando Muggiati ia partir com a família para o repouso no chalé de Itaipava antes de encarar mais um fechamento da edição de Carnaval. Toca o telefone, era Adolpho, meio desenxabido queixando-se de que sertanejos não eram matéria para a Manchete. Foi o mago das finanças da Rede Manchete – conhecido como “a raposa escolhida para cuidar do galinheiro” – quem levantou a maledicência de que os Muggiati estavam levando propina para publicar matérias sobre as duplas sertanejas. A nova sensação da música brasileira não precisava da Manchete, essa é que precisava dos sertanejos para vender revistas.

Esta evidência veio à luz quando Jayme Monjardim escolheu a temática sertaneja para a novela que sucederia o fenômeno “Pantanal”: “Ana Raio e Zé Trovão”. O castigo veio literalmente a cavalo com o espetáculo – bizarro e bisonho – de Adolpho Bloch e Anna Bentes fantasiados de vaqueiros distribuindo chapelões no lançamento de gala da novela.



Gugu Liberato pleiteava em 1995 um canal de TV e Lena foi escalada para fazer uma foto de capa. Embora sofresse na época a doença do pânico, ela se aventurou a atravessar o Viaduto do Chá até a Praça do Patriarca, o local da megalópole com mais transeuntes por metro quadrado. Sabia o que queria e encontrou no camelódromo da praça: um apontador de lápis no formato de um aparelho de TV. O maleável apresentador, líder absoluto do Ibope na época, topou posar com o brinquedinho. A foto foi capa da Manchete e da Amiga – um comentário irônico sobre a audácia do jovem de 36 anos que brigava por um canal próprio de TV para competir com magnatas como Roberto Marinho, Adolpho Bloch e Silvio Santos. 

Depois de ver desfilarem por suas lentes jazzistas, sertanejos, televisivos, escritores e empresários, Lena se dedicou aos animais, que considerava mais confiáveis que os humanos. Passou os dois últimos anos da carreira no Jardim Zoológico do Rio, fotografando as mais variadas espécies para a revista Geográfica Universal. E conseguiu um feito alcançado por ninguém: a amizade do lendário Macaco Tião, com quem conversava por horas, sabe-se lá em que língua.

Lena Muggiati morreu de pneumonia aos 74 anos numa casa de repouso de Correias, RJ, no dia 30 de maio.

domingo, 22 de junho de 2025

Marx, Lênin, Oscar Wilde, Mark Twain... e eu também fazia parte do clube • Por Roberto Muggiati

Sala de Leitura do Museu Britânico e...

...o cartão de admissão de RM

Em gesto simbólico, o Museu Britânico reativou a carteira de acesso ao seu Salão de Leitura do escritor Oscar Wilde, preso em 1895 por homossexualismo. O anúncio foi feito no domingo, 130 anos depois da condenação de Wilde (por “indecência grave”) à pena de dois anos de prisão com trabalhos forçados. O famoso Reading Room, inaugurado em 2 de maio de 1857 com um café da manhã que incluía champanhe e sorvete, foi frequentado por figuras notáveis, como Karl Marx,  Bram Stoker, Mahatma Gandhi, Rudyard Kipling, George Orwell, Arthur Rimbaud, George Bernard Shaw, Mark Twain, Vladimir Lenin (sob o nome Jacob Richter),  H. G. Wells e Sir Arthur Conan Doyle.

Em 1963, trabalhando no Serviço Brasileiro da BBC, consegui minha carteira para o lendário Salão de Leitura. Aos 25 anos, as atrações mundanas da grande cidade não me deram muita chance para frequentar devidamente aquele templo do saber. Lembro apenas de uma pesquisa de alguns dias que fiz sobre Joseph Conrad, o escritor que eu mais admirava à época e continuo amando. Tocou-me pessoalmente sua avaliação de Londres: “A visão de uma cidade enorme se impunha, uma cidade mais populosa do que alguns continentes e, em seu poder feito pelo homem, como que indiferente às carrancas e sorrisos do céu: uma cruel devoradora da luz do mundo. Havia bastante espaço aqui para situar qualquer história, profundidade bastante para qualquer paixão, variedade bastante para qualquer cenário, escuridão bastante para soterrar 5 milhões de vidas.”  A minha Londres de 1963 soterrava 8 milhões de vidas, entre elas a minha. Com minha cumplicidade...


quarta-feira, 18 de junho de 2025

"Mistério na Glicério" - O segundo capítulo de um folhetim policial escrito por Roberto Muggiati

 O blog Panis Cum Ovum publica o folhetim noir "Mistério na Glicério", por Roberto Muggiati, originalmente lançado no República, voz não-oficial da República Independente de Laranjeiras, editado quinzenalmente por Ricardo Linck, do Maya Café.


Clique na imagem para ampliar. Atenção à correção na página 8 ...clorofórmio – conhecida popularmente como Boa Noite, Cinderela.


Memórias da redação: O peixe polêmico do Cícero Sandroni * • Por Roberto Muggiati**

 




Cícero Sandroni com o fotógrafo Antonio Rudge na cobertura para a Manchete da assinatura do acordo atômico
Brasil-Alemanha em 1975

Na ABL


Sandroni na Manchete em 1969

Este episódio surreal é contado sempre de maneira diferente, dependendo do narrador. Como o presenciei de perto, garanto que a minha versão é a correta, exata nos menores detalhes. Cícero Sandroni, jornalista, contista, era uma pessoa culta em processo de mudança e fazia psicanálise há vários anos. Chefe de redação, sentava-se defronte da grande mesa em L do editor, que eu ocupava na época. Um dia, Jaquito cochilou e perdeu uma concorrência importante. Depois de xingá-lo de “cagalhão”, chamamento que usava para todos os parentes empregados na firma, Adolpho o mandou descansar em Cabo Frio. Mesmo com a lancha da Manchete à sua disposição, o agitado Jaquito não aguentou por muito tempo as férias forçadas. Resolveu peitar o tio e voltar antes do tempo de “repouso” que lhe fora imposto. Teve então a ideia de levar um agrado para amaciar o Adolpho. Conhecendo seus gostos, foi à colônia de pesca local e comprou o peixe mais robusto e bonito que encontrou, um cherne, robalo ou garoupa da mais nobre estirpe com quase um metro de comprimento. Assim que chegou ao Russell foi diretamente à cozinha e pediu ao Severino que desse um tratamento de gala ao precioso pescado.

Jaquito, é claro, vangloriou-se ao Adolpho dizendo que ele mesmo tinha fisgado o bicho. (Recorreu aos artifícios da prosa hemingwayana em O velho e o mar, o único livro que leu na vida.) Acertou em cheio na sua aposta. Orgulhoso da obra do seu chef de cuisine – requintada como aquelas peças de ourivesaria que Benvenuto Cellini lavrava para os papas – Adolpho decidiu exibir o prato na redação, antes que ele fosse devorado no restaurante pela alta direção e pelos editores da casa. O acepipe, sobre uma travessa de porcelana, foi trazido numa bandeja de prata. O garçom, mal podendo arcar com o peso do troféu, o depositou no centro da sala, sobre a mesa do Cícero, que havia se ausentado por alguns minutos.

Quando se deparou com aquele espetáculo, o Sandroni ficou profundamente ultrajado. Sempre se sentira diminuído pelo Adolpho, que o chamava de “O Genro”, pelo fato de ser casado com a filha do imortal Austregésilo de Athayde, o mais longevo presidente da Academia Brasileira de Letras. Cícero retirou-se intempestivamente e encaminhou depois seu pedido de demissão.

O desenlace da história fere o sagrado sigilo do divã, mas correu que, na manhã seguinte, em sua sessão de psicanálise diária, ao ouvir o relato do insólito episódio, o analista teria perguntado ao Cícero: “Senhor Sandroni, não acha que está exagerando nestas suas fantasias sobre os Bloch? Um peixe na sua mesa de trabalho!...”

*Cícero Sandroni morreu aos 90 anos na terça-feira, 17 de junho. Nascido em São Paulo, fez uma carreira bem-sucedida na imprensa carioca. Entrou na Bloch no final de 1969 como meu chefe de redação em Fatos&Fotos; foi meu chefe de reportagem e de redação da Manchete em meados dos anos 1970. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2002, presidente da Casa entre 2007 e 2009, fez parte do que carinhosamente chamamos “a Máfia da Manchete na ABL”: R. Magalhães Jr, Josué Montello, Ledo Ivo, Arnaldo Niskier, Afonso Arinos Filho, Carlos Heitor Cony, Murilo Melo Filho, Geraldinho Carneiro e Ruy Castro. Viveu ainda um episódio curioso como jornalista na gestão galhofeira de Raul Giudiccelli na F&F: Cícero escrevia anonimamente a coluna de Horóscopo e, por uma incrível coincidência, previu o sequestro de embaixador suíço no Rio.

**Esse texto faz parte do livro a ser lançado em breve por Arnaldo Niskier e Roberto Muggiati, O humor na Manchete/Histórias do Grande Circo Adolpho Bloch.

 

quinta-feira, 8 de maio de 2025

O Brasil na 2ª Guerra: “Sacanagem do Tio Sam” • Por Roberto Muggiati


Cais do Porto do Rio de Janeiro. Primeiro escalão da FEB pouco antes do embarque para a Itáliaa em 28 de junho de 1944. Foto National Archives. 

A frase é de Getúlio Vargas, anunciando a entrada do país na luta contra as forças do Eixo: “ O Brasil acaba de fazer um grande negócio, troquei com os americanos a instalação da siderúrgica de Volta Redonda pelo envio de uma tropa simbólica para a Europa. Trabalhadores do Brasil! Tive que aceitar essa barganha do Presidente Roosevelt senão ele jura que afunda todos os nossos navios mercantes. Sacanagem do Tio Sam... Deus salve a América!”

A sacanagem não foi só do Tio Sam, mas também do Pai dos Trabalhadores, que mandou implacavelmente para a morte uma tropa nada “simbólica”, mas milhares de indivíduos de carne e osso que sucumbiram ao frio e às balas inimigas. Despreparados, sem treinamento e equipamento (fuzis obsoletos e uniformes de soldados mortos, cheios de furos de balas), aqueles brasileiros inocentes de classes sociais menos favorecidas, foram servir – para a dor e o desespero de suas famílias – como bucha de canhão para os americanos. É o que mostra esse documentário pungente e chocante, Rádio Auriverde (1990), de Sylvio Back, um de nossos cineastas mais polêmicos, que Panis Cum Ovum, autorizado pelo diretor, oferece aos seus leitores nos 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial.

VEJA AQUI


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Do jornal Valor - Roberto Muggiati escreve: Eu & Laranjeiras dos Livros (*)

 


Reproduzido do Valor. Clique nas imagens para ampliá-las


(*) O texto de Roberto Muggiati foi publicado originalmente na edição do Valor em 25 de abril de 2025.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Memórias - Roberto Muggiati escreve: o Papa Francisco e eu (*)

Francisco no circuito carioca. Foto L'Osservatore Romano

"
O Papa Francisco e eu - por Roberto Muggiati"

"Nunca fui de correr atrás de Papas (ou de celebridades em geral). Minha relação com a Igreja Católica não sobreviveu ao penoso rito da Primeira Comunhão, na paroquia de Santa Teresinha do Menino Jesus, no bairro do Batel, em Curitiba. Aquele bullying todo em torno da confissão – você tinha obrigatoriamente de ter pecados a expiar, ou então estaria mentindo. Os mais espertos inventavam pecados para sair logo daquela roubada. Outros, em pânico, chegavam até a comprar – com bolas de gude ou balas Zequinha – “pecados” a serem sussurrados ao obscuro inquisidor por detrás da treliça. Havia ainda a campanha de terror que cercava a ingestão da hóstia sagrada – o santo-cura histérico o intimidava a não ferir ou morder o corpo de Cristo. Troquei a arejada e solar igreja de Santa Teresinha – obra de mestres-de-obra imigrantes italianos que posavam de arquitetos – pela escura e misteriosa Catedral de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, elevada a Basílica Menor em 1993, ano do seu centenário. Como ainda não conhecera de perto as grandes catedrais medievais da Europa, eu me contentava com aquela cópia em estilo neogótico – ou gótico romano – inspirada na Catedral da Sé de Barcelona. E mais, meu pai, que tocava violino, costumava me levar até o majestoso órgão – era amigo do organista e de membros do coral – a meio caminho, subindo por uma escadaria íngreme e estreita, do campanário, onde eu me sentia o próprio Corcunda de Nôtre Dame (não tinha lido o romance de Victor Hugo, mas me impressionara com o filme em que Charles Laughton interpretava Quasimodo.) Havia ainda na Catedral de Curitiba a vigília do Cristo Morto na Semana Santa, na madrugada de sexta-feira, da qual meu pai participava com a capa solene da confraria – as imagens religiosas da igreja todas cobertas de pano roxo, só o Cristo crucificado do pequeno altar à direita do portão de entrada, com suas chagas sangrentas brutalmente expostas, um dos mais horripilantes que já vi em toda minha vida.

Havia um toque leigo, também: a missa das nove aos domingos na Catedral era conveniente, pois a poucos passos dali, às dez, começava o programa de rádio infanto-juvenil no Clube Curitibano. O apresentador, José Augusto Ribeiro – prenunciando já o fabuloso orador que viria a ser – comandava o show que tinha, entre suas atrações, as fabulosas irmãs catarinenses Van Steen, uma delas a Edla, que ganhou o mundo como atriz e escritora.

Bisneto de anarquista – Ernesto Muggiati veio para o Brasil com mulher, dois filhos e duas filhas para participar da lendária Colônia Cecília em Palmeira, no Paraná – comunista principiante (adentrei 1950 com doze anos de idade no auge da Guerra Fria), não posso omitir que me vi então, paradoxalmente, às voltas com uma tremenda crise mística ao ler, no começo da adolescência, já em inglês, The Seven Storey Mountain/A montanha dos sete patamares, de um dos grandes líderes espirituais da nossa época, Thomas Merton (1915-68), um monge trapista, ordem que cultivava o voto do silêncio.

Mas chega de nariz-de-cera, como se praticava no jornalismo dantanho.

Jesuíta, tanguero emérito, torcedor doente do San Lorenzo de Almagro, Jorge Mario Bergoglio (coincidência, Zagalo também é Jorge Mário) foi um dos raros Papas que não ascendeu ao trono de São Pedro pela morte do antecessor: Bento XVI renunciou e, como Papa Emérito, caminha firme para os 93 anos (não percam o filme Dois Papas, do brasileiro Fernando Meireles, que reconstitui o encontro entre Ratzinger e Bergoglio em Castel Gandolfo em 2013). Pouco depois, Ratzinger renunciava e Bergoglio assumia o papado sob o nome de Francisco, quebrando uma série de recordes pontificais: é o primeiro papa nascido na América, o primeiro latino-americano, o primeiro pontífice do hemisfério sul, o primeiro papa a utilizar o nome de Francisco, o primeiro pontífice não europeu em mais de 1200 anos (o último havia sido Gregório III, morto em 741) e também o primeiro papa jesuíta da história.

Enfim, de volta à nossa história. Eleito Papa em 13 de março de 2013, nosso bom Francisco inicia sua primeira viagem internacional em 22 de julho, justamente para a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro. Francisco escolheu se deslocar do Aeroporto do Galeão para o Palácio da Guanabara, onde se daria seu primeiro encontro com as autoridades, num carro comum da Fiat, apenas o motorista e ele, no banco traseiro do lado direito com as janelas abertas, Apesar do pânico da segurança e da quantidade de pessoas que se aproximaram dele, num engarrafamento no meio do caminho, Francisco, na viagem toda, não abriu mão dessa rotina, janelas abertas para os apertos de mão do povo.

Como disse, não sou de correr atrás de Papas. Na quinta-feira, 25 de julho, terceiro dia da visita, o Sumo Pontífice veio receber as chaves do Rio de Janeiro no Palácio da Cidade, à rua São Clemente, a menos de uma quadra da vila onde moro, na Real Grandeza. Um instinto natural de curiosidade – e o cacoete de jornalista – me levaram até a frente do Palácio naquela manhã fria e cinzenta, mas o Papa só apareceria ao longe – sei lá quando – na sacada do Palácio, bem afastado da rua. Desisti. Voltei ao meu trabalho de tradução. Liguei automaticamente a televisão, vi o Papa dar uma bênção especial a nossa estrela do basquete, Oscar Schmidt, que lutava contra um câncer. Como disse, tudo aquilo acontecia a um quarteirão da minha casa. 

Em 2020, Muggiati ao lado do cartaz que anunciava o lançamento do filme "Dois Papas", de Fernando Meireles,
lançado na Netflix em 2019. (Foto: arquivo pessoal)

Quando vi que o Papa partiria para a etapa seguinte de sua programação, uma visita à favela de Manguinhos, deduzi logo que, por questões de segurança, ele jamais tomaria o Túnel Rebouças pela São Clemente, mas seria obrigado a pegar a Real Grandeza.


Bichon bebê ao chegar em casa, supimpa, em 2001

Eu acabara de perder a viralata querida Phoebe. A poodle branquinha Bichon estava quase terminal com câncer no útero. E a caçula Mel, uma poodlezinha caramelo, também aguardava sua vez. Veterinários atribuem esses cânceres ao fato de as cachorras não terem tido filhos, ou não terem sido castradas. Mas havia controvérsias: muita gente falava nos componentes cancerígenos das rações industrializadas – algo que as autoridades sanitárias nunca investigaram seriamente. Num impulso, pensei: o Papa Francisco, que tomou o nome do santo padroeiro dos animais, vai salvar a Bichon (o nome veio de uma amiga da minha mulher que, ao ver a poodlezinha branca, perguntou: “Mas ela não é um bichon frisée?”) A Bichon se protegia do frio com um agasalho de tricô terrivelmente brega, nas cores marrom, verde-musgo, amarelo e fúcsia. Corri com ela para a frente da vila e cheguei à calçada da Real Grandeza no momento exato em que Sua Santidade se aproximava, sozinho no banco traseiro de sua Fiat banal, com a janela do lado direito aberta, justamente aquela que dava para mim, Ergui a poodle no seu adereço kitsch bem alto acima da minha cabeça. A rua estava deserta. O gesto bizarro chamou a atenção de Francisco, a uns quatro metros do dono e da cachorra, ele fixou o olhar sobre nós, abriu aquele seu sorriso sereno e simpático e acenou, como que abençoando a cachorrinha doente.

Vaidoso da minha intervenção pontifical, passei a imaginar que a cura da Bichon seria arrolada como um dos primeiros milagres do Papa Francisco no seu futuro processo de canonização. Ledo engano. Exatos sete meses depois – em 25 de fevereiro de 2014 – a Bichon morria e era enterrada no meu “pet cemetery” particular, debaixo da casuarina no canteiro do fundo da vila,

Desculpe, hermano Francisco, fico te devendo esta, mas tenho certeza de que você é tão legal que essas coisas de beatificação e canonização não te fazem a menor falta, Afinal, você já vive e trabalha em estado natural de santidade."

(*) A título de contexto -  por José Esmeraldo Gonçalves  -  Com o mundo mais uma vez voltado para as coordenadas geográficas da Praça de São Pedro e ainda sob o impacto da morte de Francisco, o blog Panis cum Ovum reposta a matéria acima que mostra o quanto a visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro em julho de 2013 tocou a vida, a rotina e a memória de Roberto Muggiati.  Na primeira frase, Muggiati diz que "nunca correu atrás de papas". Uma verdade parcial. Como diretor da antiga revista Manchete, ele comandou maratonas jornalísticas no rastro dos pontífices. Como no dia 6 de agosto de 1978, quando morreu Paulo VI. A Manchete se mobilizou para colocar rapidamente nas bancas edições especiais sobre as exéquias e, em seguida, a eleição do novo líder da igreja católica. Foram noites viradas para o diretor e equipe de repórteres e fotógrafos que produziram centenas de páginas sobre o assunto que mobilizava o mundo. João Paulo I foi eleito em 26 de agosto. Em 28 de setembro de 1978, o Vaticano comunicava a morte inesperada e chocante do novo papa. A antiga Manchete, assim como todos os veículos jornalísticos, correu atrás do fato e foi levada a um estranho looping, obrigada a repetir o roteiro de pautas com o novo papa: de novo, especiais com cobertura do  velório, da eleição e da posse de João Paulo II...     

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Um futuro Nobel comia os restos do meu prato em Paris* • Por Roberto Muggiati

 

Vargas Llosa em Paris, anos 1960. Foto: Reprodução Instagram

Quando eu era bolsista pobre em Paris em 1960, meu amigo Octávio Carneiro Lins – que trabalhava com o tio, o embaixador Paulo Carneiro, na Unesco – costumava me convidar para jantar nos melhores restaurantes. Mas Octávio era uma figura complicada e essa aparente generosidade muitas vezes ocultava surtos perversos de sadismo.

Duas ou três vezes ele me levou ao México Lindo, na rue des Canettes, naquele cafofo da rive gauche entre as igrejas de Saint-Germain e de Saint Sulpice. Na primeira vez cuspi a comida toda no prato de tão apimentada que era. – Caliente?! – comentou o garçom, gozando da minha cara. Octávio, macaco velho em culinárias exóticas e chegado a temperos fortes, por trás de um semblante à Buster Keaton, também devia estar se divertindo.

Vocês já devem ter ouvido falar na Maldição de Montezuma, que acomete os incautos que vão ao México e exageram na comida local. Na segunda vez que fui ao México Lindo, bem que me esforcei, mas ainda refuguei mais da metade da comida. Da terceira, já com as papilas gustativas cauterizadas no ferro em brasa, me saí um pouco melhor, mas pedi ao Octávio que voltássemos, por favor, à boa e velha cuisine française.

Para mim a história teria morrido aí, não fosse ter lido, 45 anos depois, o romance Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa – o peruano que ganhou o Nobel de Literatura em 2010. Ele morou em Paris à mesma época que eu. Cito trechos do livro:

 

“No meu primeiro ano em Paris, quando passava apertos financeiros, muitas noites ficava na porta dos fundos desse restaurante [o México Lindo] esperando que Paúl aparecesse com um pacotinho de tamales, tortilhas, carninhas ou enchiladas, que ia saborear no meu sótão do Hôtel du Sénat antes que esfriassem.”

“Paúl, ao saber das minhas dificuldades, quis me dar uma força com a comida, porque no México Lindo era o que sobrava. Que eu passasse pela porta dos fundos, por volta das dez da noite e ele me ofereceria ‘um banquete grátis e quente’, coisa que já fizera com outros compatriotas carentes.”

 O México Lindo acabou há muito, ainda no século passado. Mas histórias e coincidências como esta sobrevivem ao tempo.

*Do livro de memórias em gestação Paris por um triz.

** Mario Vargas llosa faleceu ontem, em Lima, aos 89 anos. A família não informou a causa da morte. Desde que deixou Madrid em 2022 e voltou a residir no Peru o escritor estava debilitado.  

sábado, 29 de março de 2025

Paulo Leminski Neto: o filho do homenageado da Flip 2025 é morador de rua no Rio • Por Roberto Muggiati


O cantor Paulo Leminski Neto vive um drama nas ruas da Lapa
.
Na foto, o pai, poeta Paulo Leminski (1944-1989)

Identidade e semelhança comprovadas


Numa batida recente da PM na Praça São Salvador, um jornalista teve a atenção chamada para a identidade de um morador de rua: Paulo Leminski Neto. Era o filho do poeta curitibano Paulo Leminski Filho, que, nos anos 1980, agitou os meios culturais com seus talentos múltiplos como poeta, tradutor e ensaista (dialogando com os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, Décio Pignatari e Wally Salomão), letrista da MPB (gravado por Caetano, Moraes Moreira e Ney Matogrosso) e judoca respeitado nos tatames da vida. Ele será um dos principais homenageados da Feira Literária de Paraty (Flip) deste ano.

Paulo Leminski Neto, cantor e professor de música, ficou sem trabalho no final do ano passado, foi despejado do quarto onde morava na Lapa e se viu na rua com a mulher, a figurinista Claudia Tonelli, com quem vive há seis anos. Como se desgraça não bastasse, ela sofreu agressão e tentativa de estupro por um delinquente de 29 anos com 22 passagens na polícia, saindo da emergência hospitalar com stress pós-traumático. O incidente levou ambos a se tornarem pacientes por depressão num Centro de Atenção Psicossocial (CAPs). Disse ela: “Viver e dormir nas ruas é um misto de invisibilidade e visibilidade incômoda.” O casal, em estado extremo de vulnerabilidade, precisa levantar 120 reais diários para pagar o hotel na Lapa onde Cláudia se recupera. Contam com a ajuda de pessoas solidárias, mas sem garantia de continuidade e podem ir parar de novo nas calçadas a qualquer momento.

Paulo Leminski Neto só passou a existir com carteira de identidade em agosto de 2021, depois que ele soube, pela biografia de Toninho Vaz, "O bandido que sabia latim", que era filho do poeta e que Leminski o havia registrado e, de posse da certidão do cartório, obteve o documento, com a data de nascimento de 31 de janeiro de 1968. A primeira mulher de Leminski, o registrou sob outro nome, não tinha sequer a certeza de que o poeta fosse seu pai, pois o casal vivia numa época de relações abertas.

Como sempre, Manchete tem um dedo nessa história. Na ocasião, Paulo Leminski veio tentar a sorte no Rio e hospedou-se no lendário Solar da Fossa, em Botafogo, demolido depois para a construção do Shopping Rio Sul. No casarão de dois andares com 85 quartos moraram, entre 1964 e 1971, intelectuais e artistas como Caetano Veloso, Gal Costa Gilberto Gil, Glauber Rocha, Paulo Coelho, Tim Maia, o jornalista Ruy Castro e os atores Cláudio Marzo e Beth Faria, que se casaram no pátio da pensão. O nome veio da deprê do carnavalesco Fernando Pamplona, que lá se refugiou depois de se separar da mulher. Mas o Solar era tão solar que a fossa não demorou muito, só o nome restou. Leminski ficou pouco e passou em brancas nuvens, assim como nas duas semanas em que trabalhou na antiga revista Manchete, escondido no Departamento de Pesquisa. Seu Grande Salto seria nos anos 1980, em São Paulo.






quinta-feira, 20 de março de 2025

Revista Manchete - O Eterno Retorno

 




LEIA MAIS NO jORNALISTAS & CIA

Memórias da Redação - Elis Regina, 80 anos - Foi no dia 19 de janeiro de 1982 que, pela primeira e última vez em minha carreira jornalística, proferi uma frase-chavão típica dos filmes que têm a imprensa americana como tema: "Parem as máquinas";. E eles - os dirigentes da revista Manchete -pararam. Por Celso Arnaldo Araújo


Não olhe agora, mas Elis Regina faria hoje 80 anos. Nasceu nas águas de um 17 de março. Não posso, e acho que ninguém pode, além da Inteligência Artificial, imaginar nossa "maior cantora" cantando e sacudindo Arrastão com 80 anos. Mas aos 36, quando partiu misteriosamente, não só a imaginei como a vi em pessoa, já sem vida, na maior tragédia da MPB. 

Foi no dia 19 de janeiro de 1982 que, pela primeira e última vez em minha carreira jornalística, proferi uma frase-chavão típica dos filmes que têm a imprensa americana como tema: "Parem as máquinas". E eles - os dirigentes da revista Manchete - pararam. Não por mim. Por Elis. 

Era uma terça-feira em São Paulo. A revista, fechada na véspera, com Julio Iglesias na capa, já rodava no parque gráfico de Lucas, para ir às bancas na quarta de manhã, como sempre.

Por isso, terça-feira era, para a redação, um dia de transição, de ritmo lento. Jornalisticamente meio parado, improdutivo. A próxima edição, só daqui a oito dias. Mas, espere. Às 11 e meia da manhã daquela terça-feira, eu e o supercolega Júlio Bartolo subíamos a Avenida Rebouças, onde então se localizava a sucursal de Manchete, em direção à Avenida Paulista, para beliscar alguma coisa. No rádio do carro, ao fundo, em volume pouco audível, começamos a detectar fragmentos de uma notícia meio sem sentido: Elis Regina. IML. Dr. Shibata. Velório.

Parei o carro para ouvir melhor e nos demos conta de que nossa maior cantora estava morta. Senti na carne, fã de primeira e última hora. Mas o repórter gritava mais alto diante desse absurdo biográfico. Será que o pessoal da redação no Rio já sabia? A notícia chegou lá, pelo Trem de Prata? Possivelmente, não. Telefone, rápido. Celular? Só se a Rebouças fosse o túnel do tempo, 20 anos adiante. Orelhão, claro.

Apalpados todos os bolsos, nada de um punhado de fichas para o interurbano. A ligação a cobrar era o único meio de comunicação do mundo, como no tempo de nossos pais, naquela circunstância. Mas, para funcionar, era preciso que a redação da Rua do Russel já estivesse semipovoada, para atender e aceitar a ligação – naquele horário, isso não era comum numa terça-feira, pós-fechamento. Dois pra cá, dois pra lá, atenderam a ligação. Fascinação: era o próprio editor, o grande Roberto Muggiati. Então enchi o peito e anunciei: "Parem as máquinas!!!!". 

Não, ainda não sabiam de Elis. O Rio não sabia, naquela era pré-Internet. Mas Muggi era um editor de primeira e última hora: mandou parar as máquinas. Que Julio Iglesias esperasse sua vez. Escrevi o texto em duas horas. Sem almoço. Não sei quais foram as providências do ponto de vista gráfico. O fato é que horas depois, na manhã de quarta, como de costume, Manchete com a despedida de Elis estava nas ruas. 

Naquele mesmo dia, com Elis provocando um arrastão nas bancas, fui a seu velório, no Teatro Brigadeiro, que ela lotara por mais de ano com o musical “Falso Brilhante”. No féretro, serena, mas ainda Elis. 

Incrível: estamos há 44 Marços sem Elis.

P.S - Texto publicado no Facebook  de Celso Arnaldo Araújo. Roberto Muggiati compartilhou com o Panis Cum Ovum. 

domingo, 16 de março de 2025

Quem matou Odete Roitman? Elementar: foi a Manchete • Por Roberto Muggiati

Esta foi a única capa que a Manchete publicou com a grande personagem da TV em 1988: Odete Roitman em um flagrante captado por Wilson Pastor durante um rápido intervalo de gravação. A novela Vale Tudo fazia enorme sucesso mas a atriz Beatriz Segall se recusava a posar com exclusividade para as revistas da Bloch. E ela tinha razão. Saiba o motivo.  

A pior roubada que me aconteceu como editor de Manchete foi obra de uma repórter de sobrenome começado por M, de Macunaíma. Para emplacar uma reles notinha na seção Gente, que se resumia a uma foto e dez linhas, ela engambelou a atriz Beatriz Segall – que atuava numa peça em São Paulo – a vir ao Rio, trazendo o ator e a atriz com os quais contracenava, para fazer uma foto no estúdio. Todas as despesas pagas pela própria Beatriz, convencida pela repórter de que seria capa da revista – a jornalista  jurou, como dizia Adolpho Bloch, “pela minha morta mãe”. Quando saiu a Manchete, Beatriz teve um choque ao ver que a capa era outra. Folheou a revista várias vezes até encontrar a foto e o textículo protocolares meio sumidos entre doze outras notinhas na página dupla da seção Gente. 

Beatriz Segall era uma pessoa muito elegante, nora do grande pintor Lasar Segall e filha do diretor do Instituto Lafayette, um dos melhores educandários femininos do Rio, onde aprendeu francês, piano e costura. Depois, foi bolsista de teatro e literatura em Paris, onde conheceu o marido. Telefonou para mim, a voz calma e o discurso sóbrio, expondo a grande falcatrua a que fora submetida. Fiquei embasbacado, desconhecia os detalhes da história, e prometi que falaria com os Bloch, pleiteando um ressarcimento que, já sabia de antemão, seria causa perdida. Beatriz e eu costumávamos frequentar os saraus da Ceres Feijó, a partir de então me vi constrangido a ficar sempre à distância dela, praticamente me escondendo de tanta vergonha.

Acabou que, poucos meses depois, a doce Beatriz Segall teve o seu gosto de vingança. A TV Globo estreou o que seria talvez a sua novela de maior sucesso em todos os tempos, Vale tudo. E Beatriz brilhava no papel da arquivilã, Odete Roitman. Durante meses o Brasil inteiro viveu em suspense o enigma “Quem matou Odete Roitman?” A mídia vivia à sua caça. Beatriz/Odete recebia a todos cordialmente, menos aos veículos da Bloch. Manchete e Amiga perderam capas preciosas, obrigadas a recorrer a fotos e informações de segunda mão, sem contato direto com a “dona da notícia”.

PS • O autor de Vale tudo, Gilberto Braga, também vivia dias de glória. Vinte anos antes, amargou um anonimato humilhante como foca na reportagem da Manchete com o sobrenome materno, Gilberto Tumscitz.

domingo, 2 de março de 2025

“Tomara que chova” antecipou “Cantando na chuva” • Por Roberto Muggiati

 


Um dos maiores sucessos do Carnaval carioca, a marchinha Tomara que chova, de Paquito e Romeu Gentil, é cantada por Emilinha Borba no filme da Atlântida Aviso aos navegantes (1950), com o par romântico Eliana-Anselmo Duarte e a dupla cômica Oscarito-Grande Otelo. A cena de Tomara que chova é coroada por um incrível balé “frevando-na-chuva”, que antecipa em dois anos o famoso número de dança de Gene Kelly em Cantando na chuva. VEJA NO LINK 

1950 - Emilinha Borba - Tomara Que Chova


Mais uma vitória para o nosso cinema, muito antes do Orfeu Negro e de Ainda estou aqui. Plágio inconsciente? Há controvérsias. Nos velhos  papos cinéfilos com Carlos Heitor Cony na Manchete, ele lembrou que o Brasil era um fetiche para o diretor de Cantando na chuva, Stanley Donen. Em 1984, Donen filmou aqui Blame it on Rio/Feitiço do Rio, primeiro papel importante de Demi Moore. (Outra vitória para nossas cores: por artimanhas do repórter Tarlis Baptista, a starlet de 21 anos posou seminua para EleEla...) E ainda tem mais Manchete na área: no final dos anos 1970, Tomara que chova foi um número de destaque no musical-besteirol de Wilson Cunha e Flávio Marinho, redator e crítico da Manchete, parodiando o musical transformado em filme Evita. Carnaval também é cultura. 

sábado, 1 de março de 2025

Marcio Ehrlich (1951-2025) - o historiador da publicidade brasileira

Marcio Ehrlich

A coluna Janela Publicitária na...


Revista Tupi, 2020

por José Esmeraldo Gonçalves 

Em 2020, em pleno isolamento social imposto pela Covid, editei um projeto interessante idealizado por David Ghivelder: uma revista para a Tupi 96.5 FM. Toda a produção, com exceção obviamente da gráfica, foi em home office. A equipe era formada por revisteiros da Manchete como Dirley Fernandes, Sidney Ferreira, Alex Ferro, David Júnior, Tânia Athayde, Roberto Muggiati, além da repórter Dani Maia, ex-Abril. Marcio Ehrlich foi o responsável pela coluna Janela Publicitária, o mesmo título do seu site e podcast. Tínhamos então, nas páginas da publicação da "rádio que vai para as bancas", o maior especialista no assunto. 

Desde os anos 1970, Marcio Ehrlich era atualidade e memória da publicidade brasileira. Foi diretor a Associação Brasileira de Publicidade (ABP). Era referência no setor. Entendia que a publicidade não apenas vendia produtos mas se connectava com a vida das pessaos. 

Sua última coluna foi sobre o Natal. Ele sentia falta das mensagens natalinas produzidas pelas agências especialmente para a época. "Todo anunciante sonhava que sua agência de publicidade trouxesse um jingle que tocado na rádio ou na TV fizesso o público sair cantarolando depois, como se fosse um hit popular", lembrou.  Ehrlich citou o antológico comercial da Varig. "Estrela brasileira no céu azul , iluminando de norte a sul, mensagem de amor e paz, nasceu Jesus, chegou Natal. Papai Noel voando a jato pelo céu trazendo um Natal de felicidade..." 

No último parágrafo da coluna ele lamentou: É uma pena. Neste momento em que muitos shoppings estão tendo que botar seus Papais Noéis atrás de uma vitrine ou de uma tela de celular, por conta do isolamento social, bem que eu gostaria de estar cantando uma nova musiquinha fofa de Natal. você não?"  

O que poucos sabiam: Ehrlich, além de jornalista e psiquiatra por formação, foi ator, trabalhou em várias novelas. Uma delas, "Pantanal", da extinta Rede Manchete. 

Marcio Ehrlich faleceu no dia 24/2/2025, aos 74 anos, vítima de choque séptico e falência de múltiplos órgãos. Era casado com a jornalista Renata Suter, deixou dois filhos e um neto. 

O povo gosta de arte - Arquiteto Miguel Pinto Guimarães desvenda a construção e os artistas construtores do Carnaval das Escolas de Samba do Rio de Janeiro no livro "Pra tudo se acabar na Quarta-Feira" (Editora Capivara, 386 páginas)

 O jornalista Roberto Muggiati comenta no jornal Valor sobre a obra monumental organizada por Miguel Pinto Guimarães e Luisa Duarte reunindo 12 colaboradores, entre os quais Haroldo Costa, Leonardo Bruno, Flávia Oliveira, Aydano André Motta, Helena Teodoro, e Fábio Fabato. 

LEIA NO VALOR DE 28/1/2025


  

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Israel: Gaza é aqui! • Por Roberto Muggiati

 

Bandeira de Israel: simbolo do território ocupado na
Zona Norte do Rio de Janeiro. Foto:Reprodução X.

Na imagem do Google Maps, a "terra prometida" do narcopentecostalismo. 

A violência nossa (carioca) de todo dia abalou esta manhã o Complexo de Israel, provocando o fechamento da Avenida Brasil e da Linha Vermelha. As polícias Civil e Militar foram acionadas após receberem informações de que o 
traficante Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão,– um dos criminosos mais procurados do Rio – estaria escondido lá. Atingido pelos bandidos, um helicóptero da PM fez um pouso de emergência. Entre os feridos na confrontação, os mesmos de sempre: três pais de família da periferia na penosa e perigosa jornada para o trabalho

Cidade Alta, Vigário Geral, Cinco Bocas, Pica-pau e Parada de Lucas (onde ficava o parque gráfico da Manchete) são as cinco comunidades que compõem o complexo. Juntas, abrigam uma população de 135 mil pessoas.

Bandidos atearam fogo a barricadas, a um caminhão e a uma passarela para dificultar a entrada dos agentes nas comunidades. Também conhecida como Tropa de Arão, a facção narcopentecostalista do Complexo de Israel usa a pregação religiosa como uma de suas táticas, exigindo a conversão e práticas religiosas específicas para adesão e permanência na organização. Enquanto Peixão não cai na rede, o povo pena...

sábado, 18 de janeiro de 2025

Os saraus da Ceres: patrimônio imaterial da República de Ipanema • Por Roberto Muggiati

Ceres Feijó.  Ao fundo, pintura de Ana Maria Maiolino
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Uma vista da mesa do pato, com as amendoeiras à janela. Fotos Theca Vasques

Começo do começo, por um casal corajoso: Ceres Feijó e Flávio de Aquino, que deixaram seus cônjuges para formar uma união eterna – ela com três filhos, ele com quatro. Um casal com um dom genial para compartilhar sua alegria de viver com uma seleta legião de amigos. Eu os conheci na Manchete em 1966 e, depois de uma temporada na Veja em São Paulo, aprofundei meu relacionamento com o Flávio na redação do EleEla, um antro de intelectuais, dirigido pelo escritor Carlos Heitor Cony. Enquanto “revista masculina”, entregávamos muito pouco ao leitor, ou quase nada: o que o Cony chamava de “mulherio” de nossas páginas coloridas eram fotos da franquia alemã da revista Jasmin, robustas valquírias de biquínis largões, pois na época toda nudez era castigada pela ditadura militar. Procurávamos valorizar nossa edição mensal com matérias inteligentes e sofisticadas: Mário Pontes com seus achados literários, Paulo Perdigão com as últimas novidades de Hollywood, Cinecittà e adjacências, Flávio der Aquino com sua fabulosa erudição em artes plásticas (lembro de um texto seu sobre a Vênus de Willendorf com suas nádegas e seios fartos) e eu tentando contestar o Sistema com o rock e a contracultura,  depois do AI-5, ficou totalmente proibido escrever sobre política. O próprio Cony – nas generosas sobras de tempo do fechamento – escreveu ali o romance Pilatos, que considerava sua obra mais criativa e transgressora.

Em 1978, editor da Manchete, pedi ao Flávio que escrevesse uma série sobre a História dos Papas. O tema se tornara atualíssimo com a morte de Paulo VI e a primeira eleição no Vaticano em 15 anos. E ganhou ainda mais força quando o sucessor, João Paulo I, morreu misteriosamente após apenas 33 dias de pontificado, o que levou a uma nova eleição, a do polonês Karol Wojtyla. Flávio ficou tão satisfeito com a publicação que ofereceu um jantar comemorativo no seu apartamento da Rua Alberto de Campos, em Ipanema, perto da Lagoa.

Muggiati, com o filho Roberto, Ceres, Flávio de Aquino, Burle Marx e Zulema Rida.
Fotos de Lena Muggiati. 
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O bom Flávio sofria de insuficiência renal e submetia-se a sessões regulares de hemodiálise. Nosso último encontro memorável foi uma viagem ao sítio de Burle Marx em Guaratiba. Flávio escreveria uma grande matéria sobre o paisagista, minha mulher Lena faria as fotos. Marx fez questão de nos levar para ver as molduras de portas e janelas de pedra de cantaria que havia comprado de um prédio demolido no centro do Rio. As preciosidades estavam numa parte elevada do terreno. Na descida, debilitado pela doença, Flávio chegou atrasado à biblioteca, onde Burle Marx tocava uma peça barroca num antigo harmônio de igreja. Mirou um convidativo sofá de couro e desabou sobre ele com todo o seu peso. Do couro ressecado, cheio de furos, jorrou um jato de pequenas penas brancas do enchimento, que se chocaram contra o teto e caíram lenta e silenciosamente como neve ao som de uma fuga de Bach. Fellini puro! 

Os anfitriões lendários de Ipanema eram o casal Guguta e Darwin Brandão, encastelados no seu apartamento da Rua Redentor, até a morte dele, em 1978. Flávio, o florianopolitano de alma carioca, também nos deixou, em 1987, no dia de São Sebastião. Passado o luto, a discreta Ceres começaria a empunhar o facho dos Brandão, com seu talento natural para a arte de receber. Em sua agenda anual destacavam-se duas datas: a feijoada do seu aniversário, no sábado mais próximo do 28 de julho; e o pato com lentilhas do Ano Novo. Simbolismos não faltam aqui: as lentilhas remetem à prosperidade e fartura. E Ceres na mitologia é a deusa da agricultura, vem dela a palavra cereal. 

Lembro-me de meus primeiros patos, no início dos anos 2000, na cobertura da Visconde de Pirajá, acessada por uma escada em espiral. Você tomava o elevador até o sexto andar, abria a porta e se via enclausurado num cubículo retangular forrado de espelhos, a única saída era escalar os três metros da pesada escada de madeira em caracol. A subida até que era fácil. A descida, difícil – quase impossível para alguns – depois de umas e muitas outras... Ao entrar no apartamento, você respirava o clima de montanha do ar condicionado e os aromas convidativos que recendiam da cozinha.  Mas, antes do pato, o papo, noblesse oblige. Ele rolava, animado pelo reencontro de velhas amizades e pelo nascimento de novas amizades, estimulado pelos melhores vinhos e uísques.   

Da rica entourage, devo esquecer alguns nomes, mas vou me esforçar para lembrar. Em certa ocasião, um décimo da Academia Brasileira de Letras estava presente: Cícero Sandroni, Ferreira Gullar, Zuenir Ventura (e sua primeira-dama Mary) e Ana Maria Machado, então presidente da ABL. A pintora Marília Kranz – a misteriosa Madame K das degustações do crítico de gastronomia Apicius – era assídua. O crítico de teatro e cinema Wilson Cunha e o dramaturgo e autor de musicais Flávio Marinho também, quando não estavam de férias na Europa. O mestre do design Karlheinz Bergmüller era outro dos comensais, ex-colega de Flávio como professor da pioneira Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) carioca, casado com a ex-fotógrafa Zulema Rida, mãe (do primeiro casamento) de Júlia Pentagna. Júlia casou com o cônsul da Alemanha no Rio, Michael Geier. Amigo da Intelligentsia esquerdista e simpatizante do PT nos seus prolegômenos, Michael prodigalizava viagens oficiais à Alemanha para seus amigos, de A[quino] a Z[iraldo]. Fui incluído na lista em fevereiro de 1979, com minha mulher, Lena Muggiati, fotógrafa de Manchete. Visitei as principais revistas semanais do país: Stern e Der Spiegel em Hamburgo, Bunte Illustrierte  em Offenburg, Quick e Bravo em Munique. Fomos também a Berlim, com direito a um concerto da lendária Philarmoniker. Michael Geier, que, depois do  Rio, serviu em rincões remotos como Ouagadougou, capital de Burkina Faso, se aposentou com brilho, como embaixador da República Federal da Alemanha em Roma e passou a morar em Berlim com Júlia. Esporadicamente, o casal veio ao Brasil, dando o ar de sua graça na casa da Ceres.

Nos últimos anos, o endereço da festa mudou: um belo apartamento de cobertura na Saddock de Sá, sombreado na frente pelas verdes copas das amendoeiras e, na varanda traseira, com uma vista deslumbrante da Lagoa Rodrigo de Freitas. Foi nesse novo cenário que reencontrei Beatriz, ex-Sra. Fernando Sabino quando ele era, em 1964, o Adido Cultural do Brasil em Londres e eu trabalhava no Serviço Brasileiro da BBC. Sabino e eu formávamos, com o jornalista Narceu de Almeida, os Três Mosqueteiros do Ronnie Scott’s Jazz Club, assistindo a shows memoráveis do pianista Bill Evans e do saxofonista Stan Getz.      

O Pato do Jubileu • Compareci ao pato deste ano na companhia de minha agente literária, Thereza Cavalcanti Vasques, que veio de São Paulo passar o réveillon no Rio e combinar a minha agenda de compromissos para 2025. Senti a falta de meu colega bolsista de jornalismo na França Zuenir Ventura, teria feito forfait por problemas de mobilidade. A gravurista Teresa Miranda, 96 anos, estava lá, lépida e fagueira. Guguta Brandão, aos 87, esbanjava jovialidade, como nos tempos em que recebia na Rua Redentor. Karlheinz Bergmüller, 96 anos, era esperado, mas não apareceu, talvez ainda estivesse pegando umas ondas na praia. Com certeza vai dar as caras no Pato de 2026. Dos filhos da Ceres, Quinca, com o marido Noronha, e Nando, com a namorada Verônica, prestigiavam a festa, assim como os filhos de Flávio de Aquino, Maria Helena e Roberto, que concilia miraculosamente as funções de funcionário da Receita Federal e percussionista de escola de samba. Conversei muito com Rosa Freire D’Aguiar, viúva de Celso Furtado e correspondente da Manchete em Paris nos anos 1970, recém-premiada pelo Jabuti por seu livro Sempre Paris. Atualmente ela traduz com Mário Sérgio Conti Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust. Perguntei a Rosa como se pode traduzir uma obra que começa com uma frase intraduzível: “Longtemps, je me suis couché de bonne heure”.

Ano que vem, muitos de nós estaremos de novo reunidos no sarau da Ceres. Esta história daria um belo filme. Eu o chamaria A um pato da eternidade.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Norwegian Wood: minhas estantes de bacalhau • Por Roberto Muggiati

 

O retrofit dos caixotes de bacalhau e...

...o logotipo gravado nas embalagens de boa madeira norueguesa



Para ler ao som de Norwegian Wood  

Norwegian Wood (This Bird Has Flown) (Remastered 2009)

Em meus quatro anos de Baixo Glicério – deixando para trás 37 anos de casa de vila na Real Grandeza para a diáspora Botafogo-Laranjeiras – construí artesanalmente sessenta estantes a partir de engradados de madeira catados em feiras e mercados e os pintei com todas as cores do arco-íris, nada ideológico tipo LGBTQIAPN+, mas puramente viajando na pluralidade visual. 

Na última Páscoa, com a chegada ao bairro de uma Casas Pedro, resolvi dar um upgrade nas minhas estantes. O bacalhau veio acondicionado naqueles caixotes maiores e mais sólidos de madeira norueguesa. Assim que as caixas ficavam vazias, a Casas Pedro fazia questão de se ver livre delas, mas, para os acumuladores como eu, elas representavam um verdadeiro tesouro. Valendo-me de esperteza, da vantagem de morar na vizinhança – e, com um little help da simpática xará Roberta Almeida, minha candidata a Gerente do Ano da Casas Pedro –  consegui me apossar de três caixotes, um deles quebrado, mas que forneceu as prateleiras dos outros dois, perfeitamente finalizados por meu factótum do condomínio Parque das Laranjeiras, o grande Marcelo.

Como gosto de agregar sempre uma grife cultural às minhas coisas, lembrei logo do Norwegian Wood dos Beatles. Com o valor adicional de que a canção está vinculada à época em que John Lennon se mudou de Liverpool para Londres e foi morar com Cynthia e o bebê em Emperors Gate. Nossa proximidade era brutal, eu morava em Collingham Gardens, a meros quinhentos metros de John. Acho até que certa vez vi Cynthia passar com Julian num pram, abreviatura de ‘perambulator’, aquelas carruagens de bebê que são a glória do design vitoriano. E foi no apartamento de Emperors Gate que John traiu Cynthia pela primeira vez, com a mulher de um conhecido que morava no mesmo edifício, traição que ele transmigraria na letra da canção Norwegian Wood (This Bird Has Flown): “I once had a girl/Or should I say she once had me/She showed me her room/Isn't it good Norwegian wood?” – a única parceria da dupla famosa em que Paul McCartney não meteu o bedelho e o primeiro raga rock dos Beatles, em que George Harrison trocou a guitarra pela sitar indiana.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Obrigado, Kubrusly, pela bela parceria • Por Roberto Muggiati

 

Documentário da Globoplay (Kubrusly – Mistério sempre há de pintar por aí)
. No Sul da Bahia, o jornalista em estado de graça ao lado do cachorro Shiva. Imagem Reprodução TV Globo

Comoveram-me as imagens de Maurício Kubrusly deixando-se levar pela espuma dos dias na companhia do seu cão numa praia da Bahia. Quando recebeu o diagnóstico de Demência Fronto Temporal (DFT), chegou a pensar em recorrer à morte assistida, como o fez recentemente o poeta Antônio Cícero. “Não tenho mais o que fazer aqui”, falou. Sua mulher, a arquiteta Beatriz Goulart, o demoveu da ideia. Tudo começou quando ele não conseguia mais ler os jornais e esquecia fatos importantes. Aventou-se a possibilidade de Alzheimer, mas depois se confirmou a demência. Com um relacionamento de quase vinte anos em casas separadas, Maurício propôs a Bia morarem juntos. “Estou esquecendo todas as coisas...” Já são sete anos de luta e o casal tem vivido os últimos tempos no sul da Bahia, na placidez de Trancoso. Um pouco dessa história é contado no documentário da Globoplay Kubrusly – Mistério sempre há de pintar por aí.

Mesmo sem ter o physique du rôle, Kubrusly foi o apresentador de TV mais popular do país, do qual revelou facetas pitorescas e desconhecidas no quadro Me Leva, Brasil, ao longo de 17 anos em mais de 300 programas do Fantástico.


O que poucos sabem: antes disso, Maurício Kubrusly, um carioca que migrou para São Paulo, foi o bem sucedido editor da Som Três, referência entre as revistas sobre música no país. O trabalho editorial em Manchete não me impediu de engrenar uma parceria profícua com Kubrusly, que iria muito além de meras resenhas de discos. Escrevi a seu pedido uma História do Rock em fascículos encartados na revista, depois editados num volume único de 200 páginas. E cinco livretos de 13x10cm e 35 páginas cada sobre aspectos do jazz – encartados na Som Três com anúncio do patrocinador na 3ª e 4ª capas (o jornalismo do Kubrusly passava um bolão para a publicidade esperta da Editora Três): Mestres do jazz, O piano no jazz, A estória do blues, O trompete no jazz e  O saxofone no jazz.









Da minha parte, reciclei o material descartável da revista para o formato mais perene do livro: A história do rock gerou dois volumes da série Tudo É História, da Brasiliense:  Rock: de Elvis à beatlemania [1954-1966] e Rock: da utopia à incerteza [1967-1984], ambos publicados em 1985; e Rock: do sonho ao pesadelo, da L&PM (1984). Já os livrinhos de jazz deram Jazz: uma história em quatro tempos (L&PM, 1985) e Blues: da lama à fama (Editora 34, 1995) – foram cinco volumes ao todo.

Todos os homens são mortais e o Kubrusly já recebeu o seu bilhete azul. Mas as imagens recentes de filmes e reportagens o mostram se divertindo muito, quase em estado de graça. Eu diria que, para ele, a Demência está sendo uma Sala VIP do Céu.